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Um presidente grudado no celular, vulnerável à espionagem

As revelações sobre a suposta vigilância do telefone de Emmanuel Macron pelo Marrocos abrem um debate sobre a possível fragilidade dos líderes no uso de suas comunicações

O presidente francês, Emmanuel Macron, com dois de seus telefones durante uma cúpula europeia em novembro 2017.
O presidente francês, Emmanuel Macron, com dois de seus telefones durante uma cúpula europeia em novembro 2017.LUDOVIC MARIN (AFP)
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Como milhões de adultos em todo o mundo, muitos chefes de Estado e de Governo vivem grudados nas telas, em telefones celulares. Donald Trump, presidente dos Estados Unidos até janeiro passado e usuário compulsivo da rede social Twitter, pode ser o exemplo mais extremo, mas não é o único.

Emmanuel Macron, que supostamente figura em uma lista de alvos da espionagem telefônica dos serviços secretos marroquinos, não pode viver sem seus dispositivos móveis. De acordo com o Le Monde, ele tem pelo menos quatro.

O presidente francês possui dois iPhones que usa para conversas e mensagens privadas ou profissionais, mas oficialmente não secretas. Possui também um modelo denominado CryptoSmart: um Samsung com segurança reforçada que permite fazer ligações e enviar mensagens de texto criptografadas, embora para isso o receptor deva ter o mesmo modelo. E, por último, segundo o jornal francês, dispõe de um Teorem, “um telefone ultrasseguro” fabricado pela empresa francesa Thalès que, sendo “pesado, complexo e muito incômodo, só se destina às comunicações mais sensíveis da República, protegidas como [os graus de classificação] confidencial-defesa e segredo-defesa”.

E um dos iPhones de Macron está possivelmente no visor dos espiões do Reino de Marrocos, conforme revelado esta semana pelo consórcio de mídia Forbidden Stories e pela organização Anistia Internacional.

O Marrocos, segundo essas revelações, incluiu o número do presidente da República Francesa em uma lista de candidatos a serem espionados com o programa Pegasus, que a empresa israelense NSO Group vende a clientes estatais. O programa permite capturar ligações, mensagens, contatos e fotos dos dispositivos atacados, e ainda ativar o microfone e a câmera. O país, um aliado estratégico da França, nega ter alguma vez encomendado o programa Pegasus à NSO e rejeita o que descreve como “acusações infundadas”. A empresa israelense, por sua vez, afirma que Macron “nunca foi um alvo e nunca foi selecionado como alvo de clientes da NSO”.

Na França, o debate sobre o ultraje que representaria um país amigo espionar o chefe de Estado rapidamente levou a uma discussão sobre a possível fragilidade de Macron quando se trata de proteger suas comunicações. Desde que a notícia de uma tentativa de espionagem sobre Macron foi divulgada na terça-feira, o Governo francês e o Palácio do Eliseu evitaram mencionar o Marrocos.

“O presidente da República ordenou uma série de investigações em amplo sentido”, anunciou o primeiro-ministro Jean Castex, na quarta-feira, em entrevista à televisão. Mas acrescentou: “Seria irresponsável, de nossa parte, falar alguma coisa enquanto não soubermos exatamente do que se trata e quais as medidas que esta situação pode requerer”.

Para tratar das revelações sobre o Pegasus, Macron convocou na quinta-feira o Conselho restrito de Defesa e Segurança Nacional, um grupo que se reúne semanalmente e do qual participam os ministros da Defesa, Relações Exteriores, Interior e Economia, entre outros. No final da reunião, uma fonte da presidência francesa, que pediu anonimato, declarou: “Se os fatos forem provados, obviamente são muito graves. Por ora, não apareceu nenhuma certeza [sobre as revelações], por isso, convém prudência nos comentários”.

Para a França, a questão não parece ser tanto quem espionou Macron, mas por que — depois do escândalo na última década sobre a vigilância em massa da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês)— os telefones do presidente permanecem vulneráveis.

Uma explicação pode ser que a inovação em tecnologias de espionagem vai mais rápida do que o desenvolvimento de meios de proteção contra as invasões. Mas outra é que as pessoas que são alvo dos serviços secretos não agem com os devidos cuidados. “Houve imprudência”, lamentou na emissora RTL o senador Bruno Retailleau, líder do grupo parlamentar Os Republicanos. Retailleau aconselhou Macron a colocar seu telefone pessoal na gaveta e acusou-o de “ingenuidade”.

O jornal Libération afirmou na quinta-feira que os antecessores de Macron —o socialista François Hollande (2012-2017) e o conservador Nicolas Sarkozy (2007-2012)— também usaram telefones pouco seguros sem a devida cautela. E lembrou que, quando Sarkozy chegou ao poder, o chefe técnico do serviço de espionagem externa francês, Bernard Barbier, fez uma demonstração sobre como seus telefones eram vulneráveis à intrusão de potências estrangeiras.

“O segredo não existe”, respondeu Sarkozy, como Barbier lembraria anos depois, em uma conversa com estudantes disponível no canal do YouTube. O presidente, então, pegou o telefone seguro que seus espiões lhe ofereceram. Sempre de acordo com Barbier, ele o jogou no lixo e disse: “Nunca vou usar essas coisas, no que a gente faz não tem segredo, nada é secreto”.

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