Conservadora Ayuso arrasa nas eleições de Madri e conquista mais cadeiras que toda a esquerda
Seu partido, o PP, ganha força suficiente para governar sem o apoio do ultradireitista Vox. Derrotado, líder do Podemos, Pablo Iglesias, anuncia sair da política e cita preocupação com “direita trumpista”
Isabel Díaz Ayuso, que dois anos atrás era uma absoluta desconhecida sem uma grande trajetória, consolida-se como um verdadeiro fenômeno político na Espanha. A presidenta do Governo da Comunidade de Madri e candidata do PP é a grande vencedora das eleições locais, tendo arrasado a ponto de conquistar mais cadeiras do que os três partidos de esquerda somados, o que lhe permitirá governar com conforto e sem precisar do apoio do ultradireitista Vox para cada lei. O bloco da direita fica amplamente reforçado, com 77 cadeiras (64 do PP e 13 do Vox) em comparação com 59 da esquerda (25 do PSOE, 24 do Mais Madri e 10 do Podemos). Há apenas dois anos, a diferença entre ambos era de quatro assentos. Agora, passa a 18. Madri, portanto, vira claramente ainda mais para a direita.
A participação histórica nas urnas, 11 pontos a mais que a de 2019, não favoreceu a esquerda, mas a afundou ainda mais, principalmente por causa do colapso do PSOE, que acaba de vencer as eleições na Catalunha, mas levou uma bordoada em Madri, com uma queda de mais de 10 pontos que o leva a ter o pior resultado de sua história. Díaz Ayuso não conseguiu alcançar a maioria absoluta —faltaram cinco cadeiras para isso—, mas bastará a abstenção do Vox para ser investida no cargo. Resta saber agora se essa bancada vai querer entrar ou não no Executivo de Madri, mas os resultados afastam essa possibilidade.
A esquerda fracassa em sua tentativa de conseguir uma reviravolta com a mobilização do voto do sul. A chave para este fiasco é a derrocada do PSOE, que perde em menos de dois anos boa parte do seu apoio, apesar de ter o mesmo candidato que venceu amplamente as eleições em Madri em 2019, Ángel Gabilondo, que na época não pôde formar o Governo porque o bloco da direita obteve mais cadeiras do que a esquerda.
O baque foi grande para o líder do esquerdista Podemos, Pablo Iglesias, que com a sua entrada na batalha eleitoral madrilena jogou sobre os ombros toda a responsabilidade pelo resultado. Depois de uma campanha tensa, marcada por ameaças de morte contra ele, ele anunciou nesta terça sua saída da política que vinha preparando há algum tempo. “Eu deixo todos os meus cargos. Deixo a política entendida como política partidária e institucional “, afirmou o candidato em seu discurso. “Continuarei comprometido com meu país, mas não serei um obstáculo para a renovação da liderança que deve ocorrer em nossa força política”, disse.
“O impressionante sucesso eleitoral da direita trumpista que Ayuso representa é uma tragédia para a saúde, a educação e os serviços públicos”, disse Iglesias. “Prevejo que esses resultados irão agravar os problemas territoriais na Espanha. Madrid nunca foi tão diferente “, sublinhou. Em março, Iglesias decidiu deixar o Governo de coalizão que formava com Pedro Sánchez com o objetivo de salvar a formação de Madri, “deter o fascismo” e impedir a extrema direita de entrar na democracia pela primeira vez para fazer parte de um Governo na Espanha.
Grave desgaste do PSOE
O resultado implica uma grave erosão do partido do Governo central, que contrasta com o sucesso recente na Catalunha, onde ganhou as eleições. O Mais Madri sobe, mas menos do que o esperado (um ponto), enquanto o Podemos, com seu líder à frente, cresce pouco mais de dois pontos. Entre os dois não compensam nem de longe a queda do PSOE, por isso o bloco de direita avança em Madri, apesar do colapso do Cidadãos, que, como previsto, fica distante dos 5% e perde seus 26 assentos, que vão na totalidade para o PP.
Resta agora a grande dúvida sobre as consequências que este espetacular resultado do PP em Madri terá para a política nacional. Pablo Casado, o líder dos populares, o primeiro a falar na famosa sacada de Génova (a sede do PP), disse que agora procura um novo ocupante, para marcar claramente a imagem de que a direita começa a sua recuperação em Madri. O PSOE mostrou um desgaste muito maior do que o esperado em uma região crucial na Espanha, mas os socialistas insistem em minimizar esse fracasso, como se Madri fosse uma ilha política. No PSOE insistem em que “Madrid vota de forma diferente do restante da Espanha” e recordam os péssimos resultados do PP na Catalunha e no País Basco.
A verdade é que este movimento abrupto no tabuleiro político começou com uma decisão do PSOE e do Cidadãos, que apresentaram uma moção de censura fracassada em Múrcia, a qual, com uma espécie de efeito borboleta, muito rapidamente terminou com uma vitória esmagadora em Madri, que claramente reforça o PP, pois absorve por completo o Cidadãos e injeta moral no eleitor conservador, que agora acreditará ser possível voltar a La Moncloa, sede da Presidência do Governo de Espanha —ocupada pelo socialista Pedro Sánchez. “Unindo toda a centro-direita, Sánchez pode ser derrotado. Há partido. Há futuro”, exclamou Casado. “A liberdade triunfou novamente”, arrematou Ayuso, entre gritos de “liberdade, liberdade”.
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Clique aquiAssim, Madri se tornará de forma contundente a máquina propulsora do PP. A comunidade da capital tem sido o epicentro da oposição do PP quando não está em La Moncloa desde a época de Esperanza Aguirre, que competia com Mariano Rajoy e constantemente o recriminava por não ter sido duro o suficiente com José Luis Rodríguez Zapatero.
Agora será preciso ver também quais serão as consequências internas dessa vitória no PP. Aguirre, com apoio significativo em alguns meios de comunicação conservadores, como também é o caso de Ayuso, foi o grande pesadelo de Rajoy, a tal ponto que o então líder da oposição se movimentou rápido demais após sua segunda derrota eleitoral em 2008 e buscou o apoio de duas regiões importantes, a Comunidade Valenciana, controlada por Francisco Camps, e a Andaluzia, então nas mãos de Javier Arenas, para bloquear um possível movimento de Aguirre de desafiá-lo como líder do partido. Rajoy conquistou tantos apoios territoriais com o impulso desse pacto com Arenas e Camps e tantos endossos no partido que Aguirre acabou por desistir e não o combateu num congresso que, não por acaso, se realizou em Valência e não em Madri, território que foi sempre hostil a Rajoy.
Foi nessa época que o líder do PP, lançado contra Aguirre, pronunciou uma frase que anos depois alguns dirigentes veteranos recordaram ante a divisão da direita: “Se alguém quer ir para o partido liberal ou conservador, que vá”, disse, em um golpe direto contra a então presidenta madrilenha, que sempre se gabou de ser uma liberal. Rajoy se vangloriava então de que se apresentava a esse congresso porque seus correligionários lhe pediam, e não “algum jornal ou alguma rádio”.
Ayuso tem todo o poder
As coisas mudaram muito no PP atual, mas o esquema se repete de alguma forma. Ayuso arrasa e tem todo o poder em Madri, a comunidade mais rica da Espanha e a que acumula mais peso político e midiático, visto que é a capital política e financeira e a sede dos principais meios de comunicação do país. Enquanto isso, Pablo Casado sofre na oposição, sem opções claras de voltar ao Governo, com um peso muito reduzido na Câmara, apesar de que, com a repetição das eleições de 2019, passou de 66 para 89 cadeiras, e com um profundo questionamento interno, semelhante ao que Rajoy sofria em 2008. Casado perdeu duas vezes, mas no mesmo ano, e tudo indica que ele tem força interna suficiente para chegar às próximas eleições, onde terá sua prova de fogo.
A grande diferença em relação a Rajoy é que Casado pôs Díaz Ayuso nessa candidatura, ela lhe deve o cargo, enquanto Aguirre vinha da época de José María Aznar e nunca se considerou em débito com Rajoy, mas sim uma rival política. No PP, muitos temem que Ayuso e seu braço direito, Miguel Ángel Rodríguez, encorajados por esta vitória, rompam os laços com Casado e até pensem em substituí-lo em algum momento, caso sua liderança não se consolide. Ou seja, Ayuso se tornará uma nova Aguirre para todos os efeitos. Mas tanto no entorno de Casado como no de Ayuso insistem que quem diz isso não conhece a verdadeira relação política e pessoal entre ambos e, acima de tudo, enfatizam que Ayuso só conseguiu apoio político para dois anos e agora tem que se preparar em uma espécie de campanha permanente —que é o que tem dominado seu mandato— para pensar em consolidar esse poder nas eleições de 2023, e não perdê-lo para a esquerda, como também fechar o caminho para o Vox.
Ayuso é um fenómeno político muito particular porque foi escolhida por Casado sobretudo por ser sua grande amiga e uma pessoa que ele considerava fiel e à prova de tudo. Ao escolhê-la, Casado passava por um momento de grande fraqueza interna e usou seu poder para colocar pessoas fiéis em lugares estratégicos. O de Madri era fundamental. No entanto, Ayuso rapidamente começou a voar sozinha, e muito mais desde que Rodríguez se tornou seu chefe de Gabinete.
Agora, haverá uma grande prova de fogo para comprovar como se dá esse equilíbrio de poder interno entre Ayuso e Casado. Se o líder do PP permitir que a presidenta da Comunidade madrilenha assuma o controle do partido em Madri, algo que Rajoy permitiu a Aguirre, mas depois se arrependeu, isso indicará que optou por dar rédea solta ao ayusismo e ela imporá claramente a sua marca na dinâmica do PP. Se, ao contrário, decidir fazer uma espécie de contrapoder e lutar para que o PP de Madri fique nas mãos de alguém como Ana Camins, isso significará que Casado quer tentar controlar Ayuso e não cair nos erros de Rajoy com Aguirre.
Essa será a batalha interna do PP. Mas na fotografia tirada de longe, aquela que mostra os equilíbrios da política nacional, o golpe que o PP acaba de dar é muito forte e o PSOE demonstra um desgaste brutal que fará La Moncloa e a sede dos Socialistas na calle Ferraz refletirem sobre os motivos desse golpe. Dessa análise e da capacidade de virar o jogo dependerá também a estabilidade do Governo nos próximos meses, nos quais não se descarta a possibilidade de que o PP aproveite este momento de fragilidade dos socialistas para avançar nas eleições da Andaluzia, onde também poderia se reforçar claramente diante de uma esquerda que vive um momento de fragilidade, com guerras internas tanto no PSOE como na coligação Unidas Podemos.
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