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Papa endurece as regras para frear corrupção no Vaticano e proíbe presentes acima de 260 reais

Medidas proíbem, entre outras coisas, investir em paraísos fiscais e receber presentes de mais de 40 euros. também exigem uma declaração de bens e antecedentes prévia à contratação

O papa Francisco durante sua audiência semanal.
O papa Francisco durante sua audiência semanal.EFE
Daniel Verdú

Certa vez, um chefe de Estado perguntou a João XXIII quantas pessoas trabalhavam no Vaticano. Roncalli, com uma ponta de sarcasmo, respondeu: “Mais ou menos a metade.” Olhando do ponto de vista dos escândalos dos últimos anos, também não está claro se a outra metade sempre remava na direção do interesse comum da Santa Sé. Os últimos pontífices precisaram abordar de diferentes maneiras os casos de corrupção, que quase sempre surgiram em torno do dinheiro e da opacidade das contas do Vaticano. E Francisco, mergulhado num processo de expurgo devido ao último incidente, que custou uma fortuna para uma Santa Sé no vermelho, decidiu promulgar novas medidas sobre a contratação do pessoal de administração e das áreas financeiras. Entre outras coisas, fica proibido investir em paraísos fiscais que operem contra a doutrina católica.

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A nova norma coincide com o último dia da sessão plenária do Moneyval (o comitê de especialistas Conselho Europeu na avaliação de medidas contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo) para concluir o relatório sobre os avanços do Vaticano no quesito. As dimensões e características fiscais e jurídicas da Santa Sé sempre a tornaram um lugar favorável para a corrupção. Com o motu proprio (documento pontifício de caráter jurídico) do Papa publicado nesta quinta-feira, são introduzidas novas regras para evitar que se manifestem “conflitos de interesse, os métodos de clientelismo e a corrupção em geral”, escreveu Francisco.

Os cardeais, que acabam de sofrer uma forte redução de salário, são um dos principais objetivos das novas medidas. As normas aprovadas não permitem mais receber presentes de mais de 40 euros (260 reais). O motu proprio afeta todos os que se encontram nos níveis funcionais C, C1, C2 e C3 (ou seja, dos cardeais chefes de dicastérios até vice-diretores com contratos de cinco anos) e todos os que possuem funções de administração jurisdicional ativa ou de controle e supervisão. Essa gama de funcionários da Cidade do Vaticano deverá assinar uma declaração no momento da contratação e depois a cada dois anos, certificando que “não receberam condenações definitivas, no Vaticano ou em outros Estados, e que não se beneficiaram de indulto, anistia ou graça, e que não foram absolvidos por prescrição”.

Algumas medidas, no entanto, têm mais a ver com o senso comum e com a falta de controle que havia do que com seu próprio conteúdo. O novo regulamento, por exemplo, salienta que tais funcionários não poderão “estar sujeitos a procedimentos penais pendentes ou a investigações por participação em uma organização criminosa, corrupção, fraude, terrorismo, lavagem de dinheiro de atividades criminosas, exploração de menores, tráfico ou exploração de seres humanos, evasão ou sonegação de impostos.” Além disso, devem declarar que “não possuem, mesmo através de intermediários, dinheiro ou investimentos ou participações em sociedades e empresas em países incluídos na lista de jurisdições com alto risco de lavagem de dinheiro (a menos que seus parentes sejam residentes ou domiciliados por razões comprovadas de família, trabalho ou estudo).” Vale lembrar que o Vaticano, através de seu banco, fez isso durante muitas décadas.

A promulgação do motu proprio chega num momento em que a Santa Sé procura se recuperar de uma série de casos de corrupção e escândalos soterrados desde que Francisco chegou ao Vaticano e tentou colocar ordem nas finanças. A partir de então, renunciaram auditores gerais e ministros de Economia. Um cardeal (Angelo Becciu) renunciou a todos os seus direitos ligados ao cardinalato por causa de um suposto caso de corrupção na compra e venda de um imóvel em Londres com o qual a Santa Sé queria especular. Agora, todos eles deverão garantir, entre outras coisas, “que todos os bens, móveis ou imóveis, de sua propriedade ou detidos por eles, assim como a remuneração de qualquer tipo recebida, sejam provenientes de atividades legítimas.” O problema é que muitos dos escândalos ocorreram com a utilização de terceiros – como o do palácio de Londres –, e os antecedentes de cardeais ou funcionários da Secretaria de Estado podiam ser imaculados.

O contexto da medida também inclui uma última revelação, conhecida através da rede italiana Rai3: o APSA, o organismo da Santa Sé encarregado da gestão do patrimônio, teria investido dinheiro do Vaticano na empresa farmacêutica Novartis, que fabrica a pílula do dia seguinte. O ex-auditor-geral da Santa Sé Libero Milone, responsável por revisar as contas do Vaticano de 2015 a 2017 e que acabou sendo obrigado a renunciar após um caso de espionagem, revelou na rede italiana que o Vaticano havia realizado investimentos “arriscados” que “não responderam à doutrina social da Igreja, que enumera exatamente as coisas que podiam ou não podiam fazer”. No futuro, investimentos desse tipo, apesar de sua enorme rentabilidade, também serão vistos com outra ótica.

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