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O aniversário mais solitário da rainha Elizabeth II

A monarca do Reino Unido completa 95 anos ainda de luto por seu marido e sem celebrações oficiais

Isabel II
Elizabeth II durante o funeral de seu marido, Philip de Edimburgo, em 17 de abril, na Capela de Saint George.GEtty
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La reina Isabel II, sola (debido a las medidas por la epidemia del coronavirus), en la capilla de San Jorge del castillo de Windsor, durante el funeral por su marido, el duque Felipe de Edimburgo, fallecido a los 99 años tras 73 años de casados.
Família real britânica dá último adeus a príncipe Philip
El féretro fue trasladado por el Primer Batallón de Granaderos de la Guardia, donde Felipe fue coronel durante 42 años.
O funeral de Philip de Edimburgo, em imagens
FILE - In this Monday, March 12, 2018 file photo, Britain's Queen Elizabeth II leaves after attending the Commonwealth Service at Westminster Abbey in London. Now that the Royal Family has said farewell to Prince Philip, attention will turn to Queen Elizabeth II’s 95th birthday on Wednesday, April 21, 2021 and, in coming months, the celebrations marking her 70 years on the throne. This combination of events is reminding the United Kingdom that the reign of the queen, the only monarch most of her subjects have ever known, is finite. (AP Photo/Kirsty Wigglesworth, file)
Rainha Elizabeth II ordena revisão da política de diversidade da Casa Real

Elizabeth II completa 95 anos nesta quarta-feira, e o retrato oficial que ficará na lembrança de milhões de britânicos será o de uma monarca em luto fechado, com parte do rosto coberto por uma máscara negra, que despede solitariamente o homem que a acompanhou durante mais de sete décadas. O Reino Unido se desmanchou nos últimos dias em elogios à sua chefa de Estado e de passagem reafirmou a estabilidade e permanência da monarquia. O funeral do príncipe Philip de Edimburgo diluiu a recente crise institucional sofrida pela família real, e o aniversário da soberana, quatro dias depois, será a lembrança tácita de que o país precisa se preparar para uma nova época.

Quando o artista Lucian Freud concluiu seu retrato oficial de Elizabeth II, em 2001, a reação geral foi muito negativa. A tela, que media apenas 24 x 15 centímetros, eliminava qualquer rastro de doçura de uma rainha que então já tinha 75 anos. Poucos entenderam que a beleza das miniaturas consiste em permitir que um primeiro olhar concentre os detalhes e a essência. Com o tempo, os críticos começaram a entender que o pintor tinha conseguido plasmar, em uma economia de pinceladas, a dura disciplina que a rainha se autoimpusera por décadas e a solenidade que tinha conferido ao trono. O historiador da arte Simon Abrahams foi além e detectou que Freud havia fundido na tela seu próprio rosto com o da modelo. Elizabeth II era o alter ego do artista. De forma análoga, no sábado passado milhões de britânicos precisaram apenas de um olhar para se verem refletidos numa mulher mirrada, isolada em um canto do coro da capela de Saint George, reduzida a uma expressão mínima de tristeza e dignidade enquanto dava um último adeus ao seu marido.

A rainha nunca se pronunciou publicamente sobre aquele retrato. Nesta quarta-feira ela completa 95 anos e novamente deixará que os outros tratem de adivinhar seu estado de espírito. Vai se aferrar às suas rotinas, para deixar claro que o Reino Unido continua sob uma pandemia que não permite excessos, e que ela mesma permanece sob um período de luto que exige uma transição tranquila para a normalidade.

“A rainha representa uma velha ordem na Grã-Bretanha, que valoriza a dignidade, a tradição; que aprecia que os sentimentos não sejam expressos publicamente e os lábios continuem apertados”, afirma Alexander Larmand, autor do livro The Crown in Crisis (“a coroa em crise”), que relata o momento mais delicado da Casa de Windsor, quando Eduardo VIII abdicou por amor. “Ninguém mais na família, de Charles para baixo, viveu sob esse mesmo código. Talvez quando ela não estiver mais vejamos uma reavaliação do que significa a monarquia no século XXI”, acrescenta.

O luto nacional terminou na manhã de domingo. As bandeiras não tremulam mais a meio-mastro nos edifícios públicos. A casa real, entretanto, decidiu manter seu luto particular até esta quinta-feira. Elizabeth II vive estes dias no castelo do Windsor cercada da “bolha” mínima definida quando o coronavírus começou a arrasar a ilha: 20 membros do serviço que atendiam até agora às necessidades da rainha e do falecido príncipe consorte. Como já fez algumas horas depois do funeral de Philip, voltará a dirigir ela mesma o Jaguar verde até os jardins da Frogmore House, dentro do parque de Windsor, para passear com seus dois novos cachorrinhos, Fergus e Muick. Não haverá salvas de honra para festejar o aniversário. Tampouco há planos este ano, como não houve no ano passado, de realizar o Trooping the Colour, a cerimônia militar que há mais de dois séculos e meio festeja o aniversário do monarca em cada mês de junho em frente ao Palácio de Buckingham.

A “reavaliação” que uma minoria republicana põe sobre a mesa cada vez que um novo escândalo abala a casa real britânica sempre se dilui rapidamente. À sombra de Elizabeth II, cuja popularidade não para de crescer, os próximos membros da família na linha sucessória tiveram tempo de corrigir erros e construir um perfil próprio que acabasse transmitindo calma e assegurando a continuidade. Charles consolidou a imagem de assessor privilegiado da sua mãe e chefe da família na prática, capaz de endireitar com firmeza as últimas crises domésticas. Seu filho mais velho, o príncipe William, e sua esposa, Kate Middleton, depois de uma década de casamento, simbolizam o futuro da instituição. “O magnata da imprensa Rupert Murdoch disse certa vez que a monarquia não sobreviveria hoje a um monarca ruim. Obviamente, isso depende do nível de ruindade dele ou de quanto dure seu reinado”, defende Jonathan Sumption, advogado e ex-juiz do Tribunal Supremo do Reino Unido. “O príncipe Charles não tem o toque de segurança da sua mãe, e muita gente nunca lhe perdoará pelo erro de se casar com alguém tão popular e ao mesmo tempo tão destrutiva como Diana. Mas é um homem de boas intenções e apoia muitas causas populares. E o príncipe William deu sinais de ter o tato e a sensibilidade de sua avó e se casou com uma mulher inteligente e com ideias muito firmes.”

Os membros da família real vêm se revezando para visitar Elizabeth II. Foram justamente as mulheres mais próximas dela, sua filha, a princesa Ana, suas noras Camilla Parker Bowles e Sophia de Wessex, além de Kate Middleton, quem organizam os planos para que a rainha não passe muito tempo sozinha. Haverá videochamadas para que possa receber os parabéns de seus bisnetos, e pouco mais do que isso. Prepararam-se para preencher o “enorme vazio” deixado pela morte do seu marido. Essas foram as únicas palavras da rainha sobre a perda, segundo informou seu filho Edward à opinião pública. Fontes da casa real, citadas por todos os meios britânicos, asseguram no entanto que Elizabeth II suporta o luto com resignação e voltará às suas obrigações no minuto seguinte à sua conclusão. Nesta quinta-feira, receberá novamente a maleta de couro vermelha com os assuntos de Estado que deve despachar, e em 11 de maio presidirá, ao lado de Charles, a reabertura do período legislativo do Parlamento britânico, no Palácio de Westminster.

Durante os meses da pandemia, Elizabeth II vem se acostumando às videoconferências e atos públicos virtuais. Não é nenhuma novidade para uma soberana que, já há um ano, também através de uma tela, estimulou seus compatriotas a resistirem ao flagelo do vírus e lhes disse aquilo de “We’ll meet again” (“voltaremos a nos encontrar”).

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