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Tribunal Penal Internacional investiga cúpula de Israel e do Hamas por crimes de guerra

Promotora da corte, com sede em Haia, promete um inquérito “independente, imparcial e sem medo”, que pode abranger centenas de políticos e militares israelenses

Manifestantes palestinos en la frontera de la franja de Gaza con Israel, en abril de 2018.
Mohammed Salem (Reuters)

A menos de três meses de deixar seu cargo, a promotora-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), Fatou Bensouda, anunciou nesta quarta-feira a abertura de um inquérito sobre possíveis crimes de guerra cometidos na Palestina desde junho de 2014, implicando dirigentes de Israel e das milícias da Faixa de Gaza, encabeçadas pelo grupo islâmico Hamas. Centenas de políticos e militares israelenses de alto escalão podem ser envolvidos pela primeira vez em inquéritos da Justiça penal internacional. A decisão, adotada após cinco anos de diligências preliminares, foi recebida com preocupação pelo Governo de Israel, que rejeita a jurisdição dos juízes do TPI – um órgão internacional com sede em Haia, na Holanda –, ao passo que os palestinos a viram como “um passo esperado há muito tempo”.

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Ao comunicar a abertura formal do inquérito, um mês depois de o tribunal se declarar competente para isso, Bensouda afirmou em um comunicado oficial que a investigação será feita “com independência, imparcialidade, objetividade e sem medo nem favoritismos”. Em 14 de junho, a jurista gambiana será substituída no cargo pelo britânico Karim Khan. No final de 2019, a promotoria do TPI já havia informado que havia “indícios racionais” que levassem a examinar como possíveis crimes de guerra as ações militares de Israel no conflito de 2014 em Gaza e a construção de assentamentos para colonos judeus na Cisjordânia.

“Nossa preocupação central devem ser as vítimas dos crimes”, declarou a ainda promotora-chefe do TPI. “Este órgão atuará de acordo com os princípios da imparcialidade”, enfatizou. A Promotoria do TPI terá que se dirigir agora aos países de origem dos envolvidos no inquérito para constatar que seus respectivos sistemas judiciais não examinaram as denúncias por crimes de guerra – o que é uma condição para a intervenção do TPI.

A abertura do inquérito caiu como um balde de água fria sobre Israel, que não é um país signatário do Estatuto de Roma, de 2002, o documento fundacional do TPI. O Governo israelense rejeita a jurisdição dessa corte sobre a Palestina por considerar que não se trata de um Estado internacionalmente reconhecido. Desde julho de 2015, entretanto, a Autoridade Palestina aderiu plenamente ao Estatuto de Roma. A competência para as indagações da Promotoria se estende também às ações de milícias palestinas como Hamas e Jihad Islâmica na guerra de Gaza, em julho e agosto de 2014.

“Estou convencida de que foram ou estão sendo cometidos crimes de guerra na Cisjordânia, na Faixa de Gaza e em Jerusalém Oriental”, concluiu Bensouda em dezembro de 2019, antes de solicitar aos juízes que se pronunciassem previamente sobre sua “competência territorial”, dada a “muito contestada situação legal e de fato” existente no terreno. A decisão, assinada por dois dos três juízes de instrução do TPI, levou mais de um ano para ser referendada.

Decisão “enviesada pelo antissemitismo”

“Vamos lutar pela verdade”, declarou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que acusou o TPI de “atacar Israel”. “Essa enviesada decisão é puro antissemitismo”, bradou o chefe do Governo em nota. “Sem jurisdição alguma, decidiu que nossos valentes soldados, que lutam contra o terrorismo, são os terroristas (...), e que quando construímos uma casa em nossa capital eterna, Jerusalém, isso é um crime de guerra”, sentenciou.

O ministro israelense de Defesa, Benny Gantz, tinha antecipado na terça-feira à agência Reuters que centenas de políticos e militares israelenses de alto escalão poderiam ser investigados pelo TPI e garantiu que todos receberão proteção jurídica do Governo. Gantz, que foi o comandante militar encargado de dirigir as operações do Exército na guerra de 2014 em Gaza, afirmou textualmente: “Nunca tive medo de cruzar as linhas inimigas. Continuarei firme na posição que devo manter”.

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Já o Ministério de Relações Exteriores da Autoridade Palestina comemorou, em nota divulgada na Cisjordânia, o que qualifica como o fim da impunidade israelense, por obrigar seus dirigentes a “prestar contas à Justiça”. A decisão da promotoria do TPI também foi bem recebida pelo Hamas, que controla a Faixa de Gaza, apesar de o grupo também estar envolvido na investigação. O movimento islâmico declara que todas as suas ações armadas responderam ao legítimo exercício da “resistência frente à ocupação”.

Depois da incorporação da Palestina à jurisdição penal internacional, em julho de 2015, a promotoria do TPI iniciou diligências prévias sobre a expansão dos assentamentos, a demolição de moradias palestinas na Cisjordânia e Jerusalém Oriental e a guerra de 2014 em Gaza (quando 2.500 palestinos morreram, sendo dois terços deles civis, além de 67 militares e 6 civis de Israel). As investigações preliminares em Gaza também implicam as milícias do enclave pelo disparo maciço e indiscriminado de foguetes contra populações israelenses durante o conflito.

Estas diligências, iniciadas a partir de documentos apresentados pela Autoridade Palestina e várias ONGs, também podem ser ampliadas a pedido dos palestinos para abranger a morte de quase 300 manifestantes alvejados por tropas israelenses na fronteira de Gaza entre 2018 e 2019, assim como a ameaça de desalojamento e expulsão de suas casas de famílias de beduínos na Cisjordânia.

Acima de tudo, o Governo israelense teme que a abertura de uma investigação penal internacional possa acarretar imputações contra militares e civis israelenses de alto escalão, na qualidade de suspeitos de cometerem crimes de guerra ou contra a humanidade nos territórios palestinos. Consequentemente, esses indivíduos poderão ser presos no exterior em virtude de ordens de detenção ditadas pelo TPI. Essa corte internacional não conta com uma força policial própria capaz de cumprir suas resoluções, necessitando para isso da cooperação dos Estados.

O atual Governo dos EUA, presidido pelo democrata Joe Biden, já manifestou sua oposição à abertura da investigação contra os dirigentes israelenses por crimes de guerra, por concordar que eles não estão submetidos à jurisdição do TPI. O antecessor de Biden, o republicano Donald Trump, anunciou sanções aos juízes e promotores do TPI. Os Estados Unidos, assim como Israel, não aderiram ao Estatuto de Roma.

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