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Comissão que investiga pedofilia na Igreja da França admite que pode haver 10.000 casos desde 1950

Especialistas que estudam abusos sexuais confirmaram ao menos 3.000 vítimas, mas acreditam que o número final pode ser três vezes maior

Um policial em frente à catedral de Notre-Dame de Paris, em 29 de outubro de 2020.
Um policial em frente à catedral de Notre-Dame de Paris, em 29 de outubro de 2020.IAN LANGSDON (EFE)
Silvia Ayuso

O problema da pedofilia na Igreja Católica francesa ameaça adquirir proporções dantescas. A comissão independente que investiga os abusos sexuais no seio do estamento religioso francês desde 1950 confirmou, desde que começou suas investigações em 2019, a existência de pelo menos 3.000 vítimas. Mas o número pode ser muito maior e até ultrapassar 10.000 casos, afirmou o presidente da Comissão Independente sobre Abusos Sexuais na Igreja (Ciase), Jean-Marc Sauvé, no último encontro com a imprensa previsto antes da apresentação do relatório final, no final de setembro. “É muito possível que as vítimas cheguem a pelo menos 10.000”, confirmou Sauvé ao fazer o último “relatório de situação” das suas investigações.

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Tendo em vista o clamor provocado pela chegada à Justiça de alguns casos de pedofilia silenciados por parte da hierarquia eclesiástica, como o que há dois anos levou ao banco dos réus o arcebispo de Lyon, Philippe Barbarin, e as denúncias de outros casos em diversas partes do mundo, a Conferência Episcopal francesa decidiu, no final de 2018, criar uma comissão multidisciplinar independente para investigar os abusos sexuais em seu seio desde 1950.

A Ciase deve entregar seu relatório final por volta de 30 de setembro, no qual além de quantificar o problema da pedofilia, analisará também “os motivos que favoreceram a maneira pela qual essas questões foram tratadas”, para que não voltem a se repetir, de acordo com o mandato da hierarquia eclesiástica francesa. A Conferência Episcopal realizou uma reunião online na semana passada para começar a “aprofundar sua reflexão sobre a questão da responsabilidade no âmbito dos abusos sexuais contra menores cometidos na Igreja Católica”. Conforme adiantou, na assembleia plenária que se realizará no final deste mês, [a Conferência] procurará concretizar “um dispositivo viável nos próximos anos para tirar (a Igreja) da crise das agressões sexuais e dos abusos de poder”.

O número muito preliminar de 3.000 vítimas confirmadas pela Ciase é resultado das 6.500 chamadas telefônicas e dos e-mails com depoimentos –às vezes vários sobre a mesma vítima ou agressor– recebidos pela comissão entre 3 de junho de 2019 e 31 de outubro de 2020. Esta foi uma das partes principais da investigação, que está sendo complementada por várias enquetes, incluindo uma em nível nacional sobre abusos generalizados contra menores, não só no seio da Igreja, para poder contextualizar os casos dos religiosos, e também pela consulta de arquivos civis e eclesiásticos, um processo que ainda não terminou. Por isso as estimativas sobre o número final são tão elevadas.

O presidente da comissão independente, Jean-Marc Sauvé.
O presidente da comissão independente, Jean-Marc Sauvé. LIONEL BONAVENTURE (AFP)

“A grande questão que nos é colocada, e que continuamos tentando elucidar, é a porcentagem de vítimas” que prestaram depoimento à comissão, que em todo caso se acredita ser uma parte muito pequena do problema, explicou Sauvé. “São 25% das vítimas? 10%, cinco por cento ou ainda menos?”, questionou o presidente da comissão, que em várias ocasiões advertiu que provavelmente nunca se conhecerá a extensão total do problema da pedofilia na Igreja.

Dois terços das vítimas são homens

Das 3.000 vítimas confirmadas, 62% são homens e 38% mulheres. “Podemos dizer com relativa certeza que, dentro da Igreja Católica, e ao contrário do que acontece na sociedade francesa, os abusos afetaram principalmente os homens”, disse Sauvé, que também indicou que a maioria dos autores dos abusos eram padres, e raramente pessoal leigo.

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A imensa maioria das vítimas (87%) era menor de idade: 30% tinha entre seis e 10 anos e 35% entre 11 e 15 anos. 2,5% disseram ter sofrido abusos quando tinham cinco anos ou menos e 7% entre 16 e 17 anos. Os “jovens adultos” representam 12,7% das vítimas. Destes, 33% eram seminaristas quando sofreram os abusos.

Um fato que chama atenção é que metade das denúncias recebidas é de abusos sofridos entre 1950 e 1969. Por coincidência, a idade dos denunciantes que procuraram as instâncias da Ciase é relativamente alta: 30% têm 70 anos ou mais e 50%, entre 50 e 69 anos. Sauvé, porém, alertou contra o risco de se ler nesses dados uma menor incidência de casos nas últimas décadas: embora não possa ser descartada, também pode se dever ao padrão constatado de forma generalizada em casos de abuso de menores em que muitas das vítimas demoram décadas, às vezes a vida inteira, para denunciar ou sequer recordar elas mesmas dos casos, daí a insistência de algumas associações em que este tipo de crime seja imprescritível.

“Será necessário analisar se os números dos últimos anos estão subestimados ou não, principalmente em relação ao silêncio traumático que costuma acompanhar a violência sexual”, insistiu Sauvé.

As novas estimativas surgem em um contexto de máxima sensibilização na França em relação aos abusos de menores, especialmente desde a publicação, no início do ano, do livro La Familia Grande, em que a jurista Camille Kouchner, filha do famoso ex-ministro Bernard Kouchner, denuncia os abusos sexuais sofridos por seu irmão gêmeo na adolescência por parte do padrasto, o conhecido cientista político Olivier Duhamel. Desde então, as denúncias se multiplicaram, a ponto de o Governo se comprometer a endurecer a legislação na matéria e estudar o estabelecimento de uma idade mínima de consentimento, que a França não tem até agora.

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