Motim envolvendo o PCC deixa 7 mortos no maior presídio do Paraguai, 3 deles decapitados
Rebelião no presídio de Tacumbú, em Assunção, revela o controle do crime organizado sobre as penitenciárias no país
Centenas de presos armados com facas mergulharam a maior penitenciária do Paraguai em quase 24 horas de caos, num motim que começou com o sequestro de 19 agentes penitenciários e terminou com um massacre e a intermediação da ministra da Justiça do país. Na tarde de terça-feira, os amotinados do presídio de Tacumbú ―que abriga 4.100 detentos, o dobro do que deveria― tomaram um dos pavilhões da penitenciária, onde havia oito carcereiros. Forças antimotim foram chamadas e conseguiram retomar o controle da penitenciária, para em seguida confirmar as consequências do incidente: pelo menos sete mortos, sendo três deles decapitados.
“Não é um confronto entre facções”, afirmou nesta quarta-feira a ministra Cecilia Pérez a uma rádio, depois que parte da imprensa paraguaia atribuiu o motim a um enfrentamento entre detentos da quadrilha local Clan Rotela e membros da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), maior organização criminosa da América do Sul, que controla parte do tráfico ilegal de drogas, armas e pessoas na tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai. Segundo o Governo paraguaio, o motim começou por causa da transferência de um preso do PCC que distribuía drogas dentro da penitenciária.
Enquanto a rebelião transcorria dentro do presídio de Tacumbú, do lado de fora as famílias de centenas de detentos se amontoavam em busca de informações, enquanto agentes antimotim se posicionavam em fila para entrar no local munidos de capacetes, escudos, cassetetes e armas de fogo.
A tensão crescia dentro e fora da penitenciária, que fica perto do centro da capital paraguaia. Fumaça era vista saindo dos pavilhões, e, pela televisão, os amotinados ameaçavam matar os carcereiros sequestrados. Segundo os reféns, cerca de mil presos mantinham 19 agentes sob seu controle ―metade do contingente destacado para trabalhar naquele turno.
Do lado de fora, a tropa de choque dispersava com violência os familiares desesperados, na maioria mulheres, até que a ministra da Justiça se aproximou dos portões vermelhos de ferro da penitenciária. De lá ela liderou a negociação que terminou com a liberação dos reféns e a entrada da polícia.
“Estavam todos armados com facas e nos levaram a uma cela (…), trancaram-nos com mais de 50 pessoas vigiando. Não vimos quando os assassinatos aconteceram”, relatou um dos reféns à imprensa local após ser solto. O funcionário disse que os amotinados não lhes fizeram mal, mas os ameaçaram de morte durante o sequestro.
O Ministério Público revisou as instalações e confirmou as mortes, até agora, de sete presos, sem esclarecer onde e como foram mortos ―exceto que três deles foram decapitados, um método usado pelas facções criminosas para mandar recados a seus adversários.
Crise penitenciária no Paraguai
“As penitenciárias paraguaias há muito tempo são governadas pelas facções ou pela corrupção. Algumas prisões estão dominadas pelo PCC e outras pelo Clan Rotela, e Tacumbú teoricamente é dominada por este último”, diz ao EL PAÍS Dante Leguizamón, advogado paraguaio especializado em sistema penitenciário e ex-presidente do Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura.
Segundo um relatório desse organismo estatal, outras 392 pessoas foram mortas sob custódia do Estado desde 2013. “Há muitas contradições nas informações do Governo [sobre a rebelião desta semana]. Dizem que é pela transferência de um detento considerado do PCC, mas a transferência não é determinante. A briga interna entre as facções é que é, porque existe uma autogestão importante por parte das pessoas privadas de liberdade”, explica Leguizamón. “O Estado tem pouquíssima capacidade de reação e administração por causa das precariedades que enfrenta.”
O PCC, o Clan Rotela e outras facções cresceram e se fortaleceram nas prisões paraguaias explorando as más condições em que vivem os detentos, com um altíssimo nível de aglomeração, falta de acesso adequado a atendimento médico, alimentação, higiene e até mesmo um lugar seguro para dormir, destaca o advogado. “Além disso, há o uso da violência por parte dos guardas penitenciários contra os setores mais desfavorecidos da penitenciária”, acrescenta.
O sistema penitenciário paraguaio está em crise há muitos anos, segundo os relatórios estatais e de organizações defensoras dos direitos humanos. “Até agora, a resposta das autoridades foi a construção de penitenciárias, em vez de abordar a problemática de fundo, que é o abuso da prisão preventiva. No Paraguai não existe uma política pública que aborde preventivamente os problemas para evitar os crimes. A única resposta é a repressão, ou seja, a prisão”, opina Leguizamón.
A população penitenciária paraguaia cresceu de forma exponencial nos últimos 20 anos, passando de aproximadamente 3.200 pessoas em 2000 para 14.000 atualmente. E o país se situou como líder sul-americano e quarto em nível mundial quanto à proporção de pessoas encarceradas sem condenação. Quase 80% dos reclusos ainda não tiveram direito a uma audiência judicial, a qual pode demorar em média de seis meses a três anos, segundo os relatórios do Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura.
Funcionam no Paraguai 18 centros penitenciários para adultos e centros educativos para adolescentes, com 9.877 vagas em todo o sistema. “A maioria deles foi construída depois do ano 2000 e não significaram nenhuma melhora quanto às condições das pessoas privadas de liberdade, porque se baseiam na expansão do modelo Tacumbú de violência, injustiças e privações”, afirma a advogada paraguaia Ximena López Jiménez no último relatório anual da Coordenadoria de Direitos Humanos do Paraguai (Codehupy).
As medidas adotadas ao longo de 25 anos não foram efetivas, e os problemas do sistema penitenciário cresceram em relação direta com o aumento da população carcerária. “É necessário um olhar mais incisivo que procure detectar o foco do conflito muito antes que este chegue ao sistema penal”, acrescenta López Jiménez.