O que Julian Assange ainda faz na prisão

Os EUA esgotam os prazos para apresentar os argumentos de apelação à Justiça britânica, mais de um mês depois de uma juíza negar a extradição do fundador do Wikileaks

Imagem de arquivo de Julian Assange, refletido na janela de seu quarto em Londres, em 1º de maio de 2019.Matt Dunham (AP)

A batalha legal pela liberdade do fundador do Wikileaks, o australiano Julian Assange, de 49 anos, só começou em 4 de janeiro no tribunal londrino de Old Bailey. A negação do pedido de extradição feito pelos Estados Unidos —justificada por seus problemas de saúde e risco de suicídio— deixou o ex-hacker prestes a sair da prisão de alta segurança de Belmarsh, no sudeste da capital britânica. Mas a juíza Vanessa Baraitser negou sua liberdade sob fiança para garantir que o Governo norte-americano — à época de Donald Trump— pudesse apresentar uma apelação para poder algum dia trazer o réu ao seu território, onde é acusado de 17 crimes de espionagem e um de invasão informática. Mais de um mês depois, os advogados norte-americanos esgotaram os prazos para argumentar seu recurso à Justiça britânica, enquanto se multiplicam as vozes que pedem ao novo inquilino da Casa Branca, Joe Biden, que recue. A Administração democrata manifestou que continuará tentando fazer com que o Reino Unido extradite Assange.

Entre as vozes que fazem campanha pela libertação de Assange estão as de mais de vinte organizações que na segunda-feira escreveram uma carta ao Departamento de Justiça dos EUA pedindo a retirada das acusações. “A acusação contra Assange”, diz a missiva, “ameaça a liberdade de imprensa porque grande parte da conduta descrita na acusação é uma conduta que os jornalistas realizam habitualmente”. Entre os assinantes estão a Anistia Internacional, Human Rights Watch, Repórteres Sem Fronteiras… Mas o destinatário é um cargo provisório, o promotor geral Monty Wilkinson. O Senado dos EUA ainda precisa confirmar o escolhido por Biden para o posto, o juiz Merrick B. Garland.

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E o tempo corre. Como em todo pedido de extradição apresentado no Reino Unido, o Crown Prosecution Service (CPS, Serviço de Promotoria da Coroa) age como uma espécie de advogado em nome do Estado demandante, nesse caso os EUA —agiu do mesmo modo com o pedido de extradição da Suécia pelo caso de supostos abusos sexuais cometidos por Assange, posteriormente arquivado—. Em contato com o EL PAÍS, o CPS confirmou que a petição de apelação foi apresentada no Tribunal Superior britânico em 15 de janeiro.

Esse é o primeiro passo: notificam que apelam da não extradição. A partir daí, os advogados da acusação tiveram um mês para fundamentar o recurso. A previsão é que os EUA apresentem os argumentos no final desta semana. Se o juiz do tribunal os aceitar, o recurso de apelação passará a ser julgado por um painel de vários juízes em uma sessão sem data marcada. A estadia de Assange na prisão aumentaria, onde está há mais de 22 meses, desde que a Scotland Yard o prendeu na Embaixada do Equador em Londres, em abril de 2019, após sete anos refugiado.

Se por fim o tribunal der o sinal verde à extradição, Assange poderá recorrer ao Supremo britânico e ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Como essa vintena de organizações civis e de direitos humanos que escreveram na segunda-feira ao promotor norte-americano Wilkinson, advogados, escritores, ensaístas e jornalistas também pediram a Biden que retire as acusações contra o australiano. Os EUA apelaram dias antes de Trump passar o cargo, ainda que não fisicamente, ao líder democrata. Durante a Administração do magnata nova-iorquino, com Jeff Sessions na Promotoria, foi formalizada, em 2018, a acusação contra o editor australiano. E os grandes vazamentos publicados pelo Wikileaks —entre eles, a difusão de dezenas de milhares de telegramas diplomáticos, dos quais o EL PAÍS participou— chegaram à Rede durante o mandato de Barack Obama. Mas com o democrata no poder, apesar de antes existir uma investigação aberta contra Assange, nunca foram apresentadas acusações. Veio o temor de deixar um precedente perigoso que afetasse o livre exercício do jornalismo.

E é essa a linha seguida pelos defensores de Assange, com sua esposa, a advogada de origem sul-africana Stella Moris, na liderança. Biden, vice-presidente com Obama e que em 2010 chamou Assange de “terrorista de alta tecnologia”, não se pronunciou a respeito —a apelação pode ser retirada do processo a qualquer momento—. Mas um porta-voz do Departamento de Justiça, Marc Raimondi, afirmou na terça-feira que Washington continuaria “tentando sua extradição”.

A equipe de advogados do antigo hacker, liderada pela australiana Jennifer Robinson, do escritório londrino Doughty Street Chambers, prefere manter a prudência e não fazer comentários sobre o estado do processo contra Assange e as condições em que se encontra —Moris denunciou na Rede que o australiano passa frio porque a prisão não lhe entregou as roupas de inverno que lhe enviaram—. Desde que a juíza Baraitser negou a extradição de Assange, a defesa esteve à espera de que a acusação movesse suas peças para assim preparar os argumentos contra uma possível apelação.

Paradoxalmente, o processo contra Assange, vinculado à transparência e ao direito à informação, foi tremendamente opaco. Rebecca Vincent, diretora de campanhas internacionais do Repórteres sem Fronteiras (RSF), uma das pessoas que monitoram a causa com mais empenho, reconheceu o fato por telefone. Se a apelação e a extradição forem adiante há duas coisas em jogo, diz Vincent: a saúde de Assange e o “futuro” do jornalismo. “Nenhum jornalista pode ter certeza de que não será processado por publicar informações como as publicadas pelo Wikileaks”, afirma a porta-voz do RSF.

Para o que pode vir pela frente, Stella Moris, com quem o editor australiano tem dois filhos, abriu uma arrecadação de fundos na Rede para sustentar sua defesa. Arrecadou até agora mais de 62.000 euros (403.000 reais).

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