Avanço do aborto legal na Argentina dá impulso aos defensores da liberação na América Latina
Organizações defensoras dos direitos da mulher comemoram o voto positivo na Câmara dos Deputados do país sul-americano. Família Bolsonaro critica a decisão
O avanço legislativo de uma lei de aborto na Argentina teve um impacto regional. No Brasil, México, Chile e Argentina, organizações feministas e políticos celebraram o projeto que pretende legalizar a interrupção livre e gratuita da gravidez até a semana 14 de gestação. Se o Senado aprovar definitivamente o texto recebido pela Câmara dos Deputados, a Argentina se somará aos países da região que hoje aplicam o aborto legal: o Uruguai, Cuba, Guiana e a Guiana Francesa. É uma lista pequena e de pouco impacto, levando em consideração a dimensão do problema. A aprovação de uma lei de aborto legal na Argentina pode dar asas aos movimentos que há décadas lutam por isso.
“As defensoras dos diretos das mulheres e as feministas vemos com alegria o processo tão potente que se dá na Argentina: esta maré verde que impregnou nosso país porque nós feministas do Peru também caminhamos com nosso lenço verde”, diz ao EL PAÍS Liz Meléndez, diretora executiva do Centro da Mulher Peruana Flora Tristán, a mais antiga organização feminista do país andino. “Cada conquista vai somando para dizer às nossas autoridades que deve ser garantido o acesso ao aborto livre e seguro pela vida, saúde e liberdade das mulheres”, acrescenta.
No Brasil, a deputada feminista e socialista Sâmia Bomfim, líder do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) na Câmara dos Deputados, também celebrou a dimensão regional do passo dado em Buenos Aires. “É uma grande vitória, conquistada após anos de muita luta do movimento feminista”. “Parabéns, companheiras! É pela vida das mulheres”, escreveu em sua conta do Twitter. Do lado oposto, o presidente Jair Bolsonaro publicou no Twitter um vídeo da comemoração das mulheres na Argentina e seus seguidores responderam condenando a aprovação do projeto. Seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, contrário à ideia de descriminalizar o aborto, aumentou seus ataques contra o parceiro do Brasil no Mercosul, a quem usa como exemplo de todos os males que considera causados pela esquerda. Criticou um vídeo no qual as ruas de Buenos Aires comemoravam o avanço da lei em frente ao Congresso argentino. “O festejo pela perspectiva de assassinar bebês demonstra o grau de degradação vivenciado no país”, escreveu no Twitter.
No México, algumas das principais organizações em defesa dos direitos das mulheres festejaram a medida argentina. O Instituto Simone de Beauvoir mexicano amanheceu com um tuíte premonitório: “Bons e feministas dias”. Também a principal organização a favor dos direitos reprodutivos, Gire, comemorou uma lei que ainda não vê refletida em seu país, lembra. No México a despenalização do aborto, sem os motivos de estupro e saúde da mãe, só é possível na Cidade do México e em Oaxaca, há um ano.
A deputada da Câmara nacional pelo partido Movimento Cidadão, Martha Tagle, disse que espera o impacto positivo da maré verde que vem do sul. “Eu espero que afete de maneira positiva e pressione. O problema é que muitos políticos continuam acreditando que falar do aborto significará um custo político alto e que vivemos em um país muito conservador. Mas o que a Argentina nos demonstrou hoje é o contrário, falar dos direitos das mulheres na região faz muito sentido. O movimento feminista demonstrou que há uma geração de mulheres jovens conscientes de seus direitos aos que não estão dispostas a renunciar”, conta ao EL PAÍS por telefone.
No Chile, a Coordenadoria Feminista 8M, que reúne grupos de todo o território e que organizou as marchas maciças de março, também aplaudiu o ocorrido na Argentina: “Hoje as garotas nos demonstraram mais uma vez essa incansável obstinação do movimento feminista. A Câmara dos Deputados voltou a dizer sim e agora cabe ao Senado. Estamos seguras de que desta vez #SeráLey (Será Lei)”, escreveu a coordenadoria chilena nas redes sociais, no país onde o movimento das mulheres foi a ponta de lança das mobilizações sociais do último ano.
Entre 1990 e 2017 no Chile o aborto foi penalizado em qualquer situação. Há três anos foi permitido no caso de perigo da vida da mãe, má formação fetal e estupro. A ONG Corporación Miles, que impulsionou as mudanças legais favoráveis aos direitos das mulheres, também comemorou o ocorrido no Congresso argentino: “A maré verde avança! O pedido histórico do movimento das mulheres argentino nesta manhã foi ouvido: deputados aprovaram a iniciativa do Poder Executivo que legaliza o aborto inclusive até a 14° semana. Agora cabe ao Senado #AbortoLegal”.
As reações no Chile se estenderam ao Congresso, onde deputadas de todos os setores políticos conseguiram em março um acordo para garantir que a nova Constituição chilena seja redigida por um órgão paritário. “Histórico o que está acontecendo na Argentina! Que linda maré verde de mulheres lutadoras, que agora vai ao Senado! Que a maré chegue ao Chile #QueSeaLey2020 #AbortoSeguro #AbortoLegalYA (Que Seja Lei 2020, Aborto Seguro, Aborto Legal JÁ)”, escreveu a deputada comunista Camila Vallejo.
A peruana Liz Meléndez considera que a decisão da câmara argentina “estabelece um precedente fundamental na América Latina na luta pelo direito a decidir das mulheres”. “Que a aprovação definitiva seja possível na Argentina e a referência do Chile abre uma perspectiva importante. Estamos longe no Peru, mas precisamos continuar lutando, porque o aborto sequer é legal em caso de estupro”, acrescentou. No mesmo sentido, a socióloga e ativista feminista Katherine Soto considera a aprovação na Argentina como “um fato histórico, um precedente importante às mulheres” de toda a região. Soto, que coordena a plataforma da sociedade civil Mulheres Desaparecidas, destaca que em seu país ainda precisa ser debatido um projeto de lei para despenalizar o aborto por três razões. “Temos uma dívida imensa com as meninas e mulheres vítimas de violência sexual obrigadas a ser mães: a violência social e institucional deve ser erradicada com o direito a decidir”, diz.
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