Governo argentino acelera agenda legislativa com projeto de lei sobre o aborto e imposto sobre grandes fortunas

Alberto Fernández muda o eixo da gestão em um ano marcado pela gestão da pandemia

Manifestantes em Buenos Aires nesta quarta-feira.JUAN MABROMATA (AFP)

O Governo da Argentina busca acelerar a agenda legislativa no final de um ano marcado pela pandemia de covid-19 e pelo agravamento da crise econômica. A coalizão governista Frente de Todos (FdT) acaba de obter a aprovação na Câmara dos Deputados de um imposto sobre as grandes fortunas e uma lei de controle do fogo para proteger ecossistemas de incêndios, iniciativas que agora serão discutidas no Senado. A partir de dezembro, em sessões extraordinárias, também serão debatidos o projeto de legalização do aborto enviado na terça-feira pelo presidente Alberto Fernández e a reforma do sistema de aposentadorias. O Executivo busca avançar com essas pendências antes de março de 2021, ano eleitoral, enquanto negocia uma reestruturação da dívida com o FMI que libere recursos para a recuperação econômica.

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O tiro de partida do contrarrelógio foi na terça-feira. Apoiados por organizações afins ao Governo que se reuniram na praça do Congresso por ocasião do Dia da Militância Peronista, os deputados situacionistas defenderam o aporte solidário das grandes fortunas, que prevê a cobrança única de uma taxa progressiva entre 2% e 3,5% sobre o patrimônio de pessoas físicas que declararam mais de 200 milhões de pesos (cerca de 13,25 milhões de reais). Menos de 10.000 pessoas serão taxadas por este imposto, com o qual o fisco pretende arrecadar 307 bilhões de pesos (cerca de 20,56 bilhões de reais), ou 1,1% do PIB deste ano. Os recursos extras serão distribuídos entre projetos de exploração e desenvolvimento de gás natural (25%), compra e/ou produção de equipamentos e insumos essenciais para a emergência sanitária (20%), ajudas às pequenas e médias empresas (20%), urbanização de bairros marginais (15%) e bolsas Progresar para a conclusão de estudos (20%).

O aporte permitirá “conseguir mais vacinas para que o impacto da chegada da segunda onda [de covid-19] seja o menor possível”, antecipou o chefe do bloco de deputados da FdT, Máximo Kirchner. Também busca reduzir o rombo fiscal ampliado pelos subsídios do Estado para manter o emprego formal durante a quarentena obrigatória e ajudar as famílias com rendas mais baixas. A oposição, por outro lado, alertou que a medida desestimulará ainda mais os investimentos em um país que está no “top ten mundial em pressão tributária”, nas palavras de Mario Negri, presidente do bloco da coalizão oposicionista Juntos pela Mudança. As críticas da oposição coincidem com as dos grandes empresários, que afirmam que também será um entrave à geração de empregos e insinuam que pode gerar uma rebelião fiscal.

Ao longo da longa sessão parlamentar –que durou 20 horas– situação e oposição também divergiram em relação à lei de controle do fogo, promovida por Máximo Kirchner e com amplo apoio de organizações ambientalistas, depois que as chamas arrasaram mais de 300.000 hectares este ano no delta do Paraná, ao norte de Buenos Aires. O projeto aprovado pelos deputados proíbe durante 30 anos a incorporação imobiliária e atividades de qualquer natureza que sejam diferentes do uso que essas terras tinham na época do incêndio. No caso das florestas nativas, áreas naturais protegidas e pântanos, o prazo da proibição é o dobro.

Depois de oito meses de atraso devido à emergência sanitária, o presidente argentino enviou ao Congresso o projeto de lei para legalizar a interrupção voluntária da gravidez até a 14ª semana de gestação, uma de suas promessas de campanha. Fernández, o primeiro mandatário em exercício na Argentina a apoiar a legalização do aborto, enviou paralelamente o Programa dos 1.000 dias, para fortalecer o cuidado integral à saúde da mulher durante a gravidez e de seus filhos e filhas nos primeiros anos de vida.

“Estou convencido de que é responsabilidade do Estado cuidar da vida e da saúde de quem decide interromper a gravidez nos primeiros momentos de seu desenvolvimento”, disse Fernández em mensagem divulgada nas redes sociais em que usa uma gravata verde, cor do movimento a favor do aborto legal. A criminalização vigente desde 1921, enfatizou, não impediu os abortos, ao contrário, levou milhares de mulheres a praticá-los clandestinamente em condições inseguras: “Todos os anos cerca de 38.000 mulheres são hospitalizadas por abortos mal realizados. E desde a recuperação da democracia, mais de 3.000 mulheres morreram por esta causa”.

Se na terça-feira a militância peronista se mobilizou em frente ao Congresso, nesta quarta-feira o fizeram as organizações feministas para comemorar o envio deste projeto e para pressionar nas ruas pela sua aprovação. Em 2018, sob a presidência de Mauricio Macri, a iniciativa redigida pela Campanha Nacional em Favor do Aborto Legal, Seguro e Gratuito foi aprovada na Câmara dos Deputados, mas posteriormente rejeitada pelo Senado, a assembleia mais conservadora. O Governo espera superar todos os obstáculos desta vez.

Entre os principais projetos que o Governo também pretende levar adiante nas próximas semanas está a reforma do Ministério Público Fiscal e uma nova reforma do sistema de aposentadorias, depois da que foi realizada pelo macrismo no final de 2017. Em 2021, com o horizonte das eleições legislativas de outubro, a agenda voltará a desacelerar.

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