Argentina se torna um gigante geográfico
Novo mapa oficial amplia a plataforma continental e se estende por dois continentes
A Argentina cresceu sob o Atlântico. Em 2016, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar aceitou as reivindicações argentinas sobre sua plataforma continental. Desde agosto, por lei aprovada no Congresso, essa plataforma e grande parte do território antártico (não reconhecido internacionalmente) estão incluídos em um novo mapa do país que em breve será distribuído a todas as escolas. A ampliação territorial envolve 1,7 milhão de quilômetros quadrados (para se ter uma ideia, a superfície da Espanha é de pouco mais de meio milhão de quilômetros quadrados) e confere à Argentina direitos soberanos sobre as riquezas minerais desse solo e subsolo marinhos.
A história da expansão oceânica começou sob a presidência de Carlos Menem, em 1995, com a entrada em vigor da Convenção da ONU. Na época, Frida Armas Pfirter era doutora em Direito Internacional Público e trabalhava para o Tribunal Supremo. Em 1997, foi encarregada de coordenar a Comissão Nacional do Limite Exterior da Plataforma Continental e desde então não deixou de se ocupar do assunto. Mais de uma dúzia de expedições científicas sob duras condições meteorológicas (depois da crise de 2001, deixou-se de pagar os navios e estes retiveram as informações) permitiram localizar o talude da crosta continental e examinar os sedimentos sobre a mesma. Foram 20 anos de trabalho que se concretizou, entre 2009 e 2016, nos 800 quilos de papel aportados como documentação para a Convenção Internacional.
Os novos limites receberam a aprovação da Convenção (uma comissão técnica independente supervisionada pela ONU), o que foi comemorado como um grande êxito nacional pela Administração de Mauricio Macri. Mas, por alguma razão, o então presidente não plasmou o mapa ampliado em uma lei. Isso foi feito em 25 de agosto deste ano pelo presidente Alberto Fernández. “Já foram impressos 15.000 novos mapas, precisamos de 50.000 para que cada uma das 42.000 escolas argentinas tenha seu exemplar. Também serão feitas novas cartas náuticas”, explica a doutora Armas.
A legislação internacional estabelece a soberania absoluta dos países até 12 milhas náuticas (cerca de 22 quilômetros) para além da costa. Depois, até as 200 milhas náuticas (cerca de 370 quilômetros), são reconhecidos direitos como Zona Econômica Exclusiva. A extensão das plataformas submarinas permite que em algumas regiões da Argentina, como no Golfo patagônico de San Jorge, a zona econômica se prolongue até 369 milhas, 683 quilômetros mar adentro.
Nos termos atuais, a Argentina se torna um país bicontinental, com presença na América e na Antártica. Tradicionalmente, o território antártico reivindicado era traçado em um quadradinho junto à costa, algo de que já se queixava o general Perón nos anos quarenta. Agora fica plasmado em sua localização real, com o que a Terra do Fogo, outrora o ponto mais meridional do mapa, quase um porto no fim do mundo, agora se encontra no centro quase exato do país.
Sete nações reivindicam território antártico: Argentina, Chile, Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, França (por sua expedição à Terra Adélia em 1840) e Noruega (por sua expedição à Ilha Pedro I em 1821). Essas reivindicações são reconhecidas no Tratado Antártico por serem anteriores a 1961, mas permanecem congeladas e sem solução.
No novo mapa argentino, é claro, está embutido o problema das possessões britânicas no Atlântico Sul: Malvinas, Geórgias e Sandwich. As águas controladas pelo Reino Unido representam “quase metade da zona econômica argentina”, segundo Daniel Filmus, secretário do Governo para as Malvinas, Antártica e Atlântico Sul, e ocupam boa parte da “reserva de pesca mais importante do mundo”.
Para a Filmus, a aceitação pela ONU do mapa ampliado “reafirma a soberania argentina” sobre as Malvinas e demais ilhas britânicas na região. O ministro argentino das Relações Exteriores, Felipe Solá, destacou que a lei territorial recém-aprovada “aumentará a segurança jurídica para a outorga de concessões que tenham como finalidade a exploração e o aproveitamento de petróleo, minerais e espécies sedentárias”. “Somos donos da coluna d'água, do leito e do subsolo”, afirmou.
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