_
_
_
_
_

Eleições nos EUA mostram as duas faces do voto latino

Flórida e Arizona. Dois Estados fundamentais na eleição acabaram em lados opostos, mas ambos movidos pelo voto de origem hispânica, que não se comportou como um bloco único

Manifestação promove o voto latino em Joe Biden em Phoenix, no Arizona, no dia 31 de outubro.
Manifestação promove o voto latino em Joe Biden em Phoenix, no Arizona, no dia 31 de outubro.EDGARD GARRIDO (Reuters)
Jorge Galindo

Não foi graças a Miami que Donald Trump ganhou a Flórida em 2016. Hillary Clinton teve o dobro de votos por lá. Quatro anos depois, o condado foi essencial para que o Estado mais imprevisível da União voltasse a cair do lado republicano: Trump tirou mais de 200.000 votos de diferença na metrópole, praticamente cobrindo sua margem de vitória em todo o Estado. Isso não é o que a campanha de Biden esperava. Ela dava sua vantagem em Miami-Dade como certa: várias pesquisas pré-eleitorais do lado democrata antecipavam uma margem de 15 a 20 pontos de vantagem entre eleitores de origem hispânica. A pesquisa de boca de urna da CBS, no entanto, mostrou apenas 8 pontos de vantagem (53-45).

Apoie nosso jornalismo. Assine o EL PAÍS clicando aqui

Fora do relato típico, que coloca a responsabilidade das vitórias conservadoras na Flórida em seus condados nortistas, mais brancos e rurais do que o sul urbano e latino, parece que em 2020 o voto decisivo para validar a vitória de Trump no Estado veio justamente dessa outra parte da Flórida. A campanha republicana soube ler e sondar medos, rejeições, desejos entre cubano-norte-americanos, venezuelano-norte-americanos (e talvez também de origem colombiana), algo que lhe valeu uma vitória fundamental para continuar almejando uma presidência, ainda não decidida.

Mais informações
Donald Trump, en la Casa Blanca este miércoles.
Democracia em suspense
Marjorie Taylor Greene, seguidora de QAnon, ha ganado un escaño para los republicanos en Georgia.
QAnon entra oficialmente no partido Republicano
La senadora transgénera Sarah McBride, en 2018
Sarah McBride é eleita a primeira senadora estadual transgênero nos EUA

Mas, no outro extremo do País, o Arizona se juntou ao cada vez mais amplo clube de Estados sulistas que se tornam azuis ―democratas―graças a uma aliança entre áreas metropolitanas e povoações diversas (na fronteira, mas também nas áreas urbanas), particularmente latinas. Ninguém mais duvida do perfil progressista da Califórnia, do Colorado e do Novo México. Nevada consolidou nesse ano uma trajetória que já havia iniciado anteriormente nessa mesma direção. O Texas continua sendo republicano, mas com margens cada vez menores (7 pontos nesta eleição, 9 há quatro anos). Por enquanto, Phoenix e sua área suburbana produziram a virada no Arizona, único grande Estado que até esse momento passou de um partido a outro.

A margem de Biden entre eleitores hispânicos no Arizona é quase quatro vezes maior que a da Flórida: +30 de acordo com pesquisa de boca de urna. É a mesma vantagem de 2016. No Estado, mudou muito mais o padrão de voto dos brancos com estudo universitário: de +27 para Trump em 2016 a +11 para Biden em 2020, uma guinada espetacular que, na verdade, só aproxima o eleitor metropolitano de classe média e abastada a onde já estava o de origem latina (de qualquer condição socioeconômica), perfilando de fato a nova aliança. Uma que não está isenta de rachaduras: o Texas se manteve republicano, entre outras razões, porque Trump melhorou e muito seus resultados na fronteira. O condado de Starr (onde praticamente todo o voto é de origem hispânica) cedeu 55 pontos de vantagem aos republicanos, entre a eleição de protagonizada por Clinton e a de Joe Biden.

Enquanto isso, a Flórida caminha na direção oposta. A margem democrata entre os latinos era muito mais parecida no Estado e no Arizona em 2016. A mudança se concentrou nos últimos quatro ano de Governo de Donald Trump. A polarização penetrou as fronteira identitárias, se alinhando provavelmente com a dimensão de origem nacional: assim como Cuba e Venezuela são majoritárias nas famílias de Miami e Palm Beach, o México e seus vizinhos centro-americanos são os ancestrais mais comuns no Arizona, aproximando suas preocupações a políticas em que a atual Administração não pode se vender tão bem como em sua (suposta) posição firme em relação aos regimes ditos esquerdistas da América Latina: imigração, fronteira, saúde e justiça, frentes em que o Partido Democrata é notavelmente mais competitivo.

A tensão entre os resultados na Flórida e o bloco azul do Sudoeste ao qual o Arizona se junta agora exemplifica bem não só as múltiplas facetas do voto hispânico, como a maneira em que estas vão se encaixando na estrutura pré-existente na política norte-americana. A política latina se encaixa no molde da polarização, uma consequência inevitável da paulatina assimilação cultural a que a nação norte-americana submete todos os imigrantes que se instalam em seu solo.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_