Brasil prende a respiração diante das eleições que testam a potência do bolsonarismo
Com Trump, Bolsonaro terá licença para radicalizar política, enquanto Biden embaralha ambições para 2022. Pleito dos EUA é capítulo importante para ver se a extrema direita chegou ao teto nos dois países
Uma encruzilhada está à frente do Brasil, hoje governado pelo mais leal mandatário do presidente Donald Trump. O resultado das eleições 2020 dos Estados Unidos vai apontar a direção da metamorfose do Governo Bolsonaro nos dois anos e dois meses que lhe restam pela frente na presidência. Trump ou Joe Biden vão modular os passos de Jair Bolsonaro para pleitear a reeleição em 2022. A dúvida, até o momento, é se os ventos de mudança que bateram na América Latina vão inspirar o Brasil com Biden, ou se o Governo Bolsonaro se sentirá à vontade para radicalizar mais, caso Trump bata seu rival democrata nas urnas neste 3 de novembro.
A eleição de Luis Arce, na Bolívia, e a aprovação de um plebiscito por pressão popular no Chile no mês passado deram alento aos que identificam ali uma mudança de pêndulo da direita – e extrema direita — para as linhas mais moderada ou progressista. Se Trump for reeleito, por sua vez, a direita ganha fôlego para se fortalecer e, nesse caso, a mão dura do presidente Jair Bolsonaro ficará mais pesada com os aplausos do modelo trumpista. Leia-se perseguição à esquerda, à imprensa, e aos grupos apontados como ‘inimigos’ da pauta conservadora do bolsonarismo.
O professor Javier Corrales, do Amherst College, em Massachusetts, pondera, entretanto, que mesmo que Trump fique fora da Casa Branca haverá trumpismo na oposição, “muito mais potente”, e continuará inflando o bolsonarismo no Brasil. “Ganhe ou perca Trump, a mão pesada de Bolsonaro será a mesma”, avalia Corrales. “O presidente do Brasil usará o que acontecer nos Estados Unidos para se renovar, mas não mudar para um liberalismo democrático”, diz ele, numa menção aos freios e contrapesos da democracia, constantemente negligenciados por Bolsonaro.
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A eleição nos Estados Unidos, contudo, pega o presidente do Brasil já sob o escrutínio prévio das eleições municipais, onde os candidatos ungidos com o seu apoio não decolam nas pesquisas eleitorais. Em São Paulo, a avaliação negativa do presidente chega a 52%, segundo o instituto Ibope. O candidato Celso Russomano (Republicanos-SP), que divide a liderança nas pesquisas com o prefeito Bruno Covas (PSDB-SP), foi o único a perder pontos na corrida eleitoral paulistana, logo após firmar-se como apadrinhado do presidente. A título de comparação, na eleição presidencial de 2018 Bolsonaro teve mais de 60% dos votos na capital, contra 39,6% de Fernando Haddad, o que demonstra um desgaste no maior colégio eleitoral do país.
Para Corrales, essa rejeição de Bolsonaro se assemelha à de Trump em áreas urbanas dos Estados Unidos, em mais um espelhismo que os dois mandatários experimentam. Ambos são contidos por movimentos de centro nos dois países, diferentemente de outros líderes, como Hugo Chávez ou Alberto Fujimori, na América do Sul, ou Silvio Berlusconi, na Itália, e Viktor Orban, na Hungria. Todos lograram uma popularidade quase absoluta e se estenderam no poder. Todos lograram uma popularidade quase absoluta e se estenderam no poder. Questionado sobre o papel de Bolsonaro nas municipais, o o professor de Amherst College, reflete: “Pode ser que a extrema direita tenha chegado a seu teto”. O mesmo vale para Trump. “Não é normal ter tanto trabalho para se reeleger”, completa.
Por ora, as similaridades de Trump e Bolsonaro se repetem também na espetacularização de seus atos e provocações corrosivas a adversários, nos movimentos anti-vacina, pró-liberação de armas, e na adoção de slogan como “lei e ordem” para lidar com demandas sociais populares. A gestão errática da covid-19 também entra nessa conta, com Brasil e Estados Unidos entre os países com mais mortos no mundo. Agora, já temos a certeza de que Bolsonaro também questionará resultados quando se candidatar em 2022, como faz Trump neste momento.
A diferença fundamental entre os dois mandatários reside hoje na gestão da economia. Enquanto os EUA vão bem, o Brasil vai mal sem um plano econômico para fechar suas contas no ano que vem. Vivendo dos acenos de Trump por mais acordos comerciais, Bolsonaro ainda não tem um retorno concreto de tanto investimento político, a não ser entre seus eleitores mais fieis. “Se eu estivesse nos Estados Unidos eu apoiaria Trump da mesma forma que eu apoio o Bolsonaro no Brasil”, disse Advânia dos Santos ao repórter Aiuri Rebello. Advânia, que vestia uma camiseta com a figura de Trump ao lado da de Bolsonaro, vive num acampamento bolsonarista em São Paulo. Uma eventual derrota de presidente republicano vai obrigar Bolsonaro a segurar a moral da sua tropa que vê nos dois líderes o caminho para evitar o socialismo no Brasil. Se vitorioso, porém, vai reforçar sua plataforma anticomunista, dentro e fora do país.
Seja como for, o resultado do pleito nos EUA vai acabar por empurrar o Governo a tomar as rédeas da política econômica e dançar conforme a música que vier da América do Norte. Desde a definição do orçamento para o ano que vem até o tom utilizado para questões domésticas, como Amazônia, ou externas, como a Venezuela, serão influenciadas. Alguns decibéis acima ou abaixo, a depender do próximo presidente.
O professor Felipe Loureiro, coordenador do curso de relações internacionais da Universidade de São Paulo, diz que com Joe Biden as relações entre o Brasil e os Estados Unidos esfriarão no curto prazo, mas no longo, haverá pragmatismo para avançar pelas vias do comércio para combater o avanço chinês na América Latina. Para ele, questões como a Amazônia serão marginais para Biden num primeiro momento, que precisará focar na pandemia e na China. “Não somos prioridade. A China e a Índia sim”, diz Loureiro.
No caso da Venezuela, o democrata deve retomar a política externa do ex-presidente Barack Obama, com menos virulência no trato e mais diálogo. “O maior exemplo dessa política externa foi a aproximação de Obama do governo Cuba. Não será tanto política de confronto, recuaria do governo de Juan Guaidó, e trabalharia pelo engajamento para tentar modificar o regime”, diz o professor da USP.
Para Bolsonaro, porém, a Venezuela continua a ter um papel absolutamente central para a construção de inimigo comunista que fomenta seus apoiadores, avalia o professor. O presidente brasileiro foi um grande aliado na estratégia de Trump de dar palco aos ataques a Nicolás Maduro para ganhar dividendos com eleitores latinos residente nos Estados Unidos. Foi durante uma visita de quatro horas a Boa Vista, em 18 de setembro, que o secretário de Estado de Trump, Mike Pompeo, discursou de forma virulenta contra Nicolás Maduro, chamando-o de “traficante de drogas”. Com Trump, Bolsonaro continua a ter um aliado – ou mentor — no papel de salvador da nação do perigoso comunismo. Entre teorias negacionistas e gestões midiáticas lá e cá, o Brasil prende a respiração para conhecer os próximos capítulos que serão definidos nesta semana pelos eleitores dos Estados Unidos.