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Com alta participação popular em plebiscito, Chile caminha para substituir Constituição de Pinochet

Autoridades eleitorais antecipam que a ida da população às urnas pode ser a mais elevada desde 2012, quando o voto se tornou voluntário no país. Pesquisas antecipam vantagem para mudança

Chilenos fazem fila para votar no plebiscito deste domingo, na capital Santiago.
Chilenos fazem fila para votar no plebiscito deste domingo, na capital Santiago.Esteban Félix (AP)
Rocío Montes

As imagens que se observaram nas ruas, redes sociais e na imprensa chilena neste domingo mostraram longas filas para entrar nos locais de votação no país e no exterior, onde os 14,7 milhões de cidadãos participaram de uma jornada histórica, com o plebiscito para decidir se vão substituir a Constituição vigente de 1980, redigida durante a ditadura de Augusto Pinochet ―que sofreu 53 modificações após a saída do ditador do poder. O referendo foi realizado com a primeira onda da covid-19 ainda ativa ―há 9.748 doentes que não podem votar― e com um detalhado protocolo sanitário, razão pela qual os eleitores compareceram aos 2.715 locais disponíveis seguindo as recomendações. Nem a pandemia nem a violência de uma semana atrás parecem ter contido a participação, portanto os recordes regionais de abstenção do Chile podem ser batidos, o que só se terá certeza com a noite mais avançada. As pesquisas antecipam entre 70% e 85% dos votos pela opção a favor da mudança da Constituição.

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“Será o maior processo de participação desde 2012, quando o voto facultativo foi estabelecido”, adiantou esta tarde Patricio Santamaría, presidente do Serviço Eleitoral (SERVEL). “Vendo o compromisso, a constituição das mesas, o afluxo de eleitores, nos dá a impressão de que vamos superar a maior votação dos últimos oito anos, que foi a que elegeu o presidente [Sebastián] Piñera com 49,2 % dos votos em 2017”, acrescentou. O clima ensolarado e primaveril em Santiago ajudou na participação.

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A participação eleitoral no Chile vem diminuindo continuamente desde as primeiras eleições presidenciais e parlamentares no marco do retorno à democracia, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A tendência cresceu em 2012, quando o voto passou a ser facultativo. A participação caiu de 87% em 1989 para 50% no segundo turno presidencial de 2017, com um mínimo recorde de 36% nas eleições municipais de 2016. De acordo com o PNUD, o Chile também se destaca por sua baixa participação eleitoral em comparação com outros países da região e da OCDE, e inclusive se for comparado com a participação média dos países com voto facultativo (59%).

Segundo o subsecretário do Interior, Juan Francisco Galli, “não houve nenhum incidente que colocasse em risco o processo eleitoral”. Até esta tarde, os carabineiros [as forças policiais] prenderam 30 pessoas. Duas foram presas por estarem em um centro de votação com covid-19 diagnosticada, enquanto outras quatro eram contatos próximos de infectados.

Votação com protocolos

Observou-se entre a população a vontade de participar de um processo eleitoral histórico que busca canalizar o mal-estar social. As pessoas respeitaram a distância social nas longas filas que se formaram fora dos locais de votação e todo mundo usou máscara e álcool em gel. Foi um processo rápido e organizado, onde se observou a mobilização de uma boa logística em função da crise sanitária. O que acontecer neste domingo em relação à pandemia será fundamental para a marcha eleitoral que o Chile enfrentará entre 2021 e 2022.

As mesas começaram a tomar forma cedo ―às oito da manhã no Chile―e depois de quatro horas estavam totalmente constituídas, segundo o SERVEL. Devido à crise sanitária, o horário foi ampliado e funcionarão durante 12 horas, até as oito da noite. Entre duas e cinco da tarde os locais receberam exclusivamente idosos, população de risco em relação à covid-19. De manhã, porém, esse grupo da população compareceu em massa às urnas, como é habitual. Na televisão local foi mostrada uma chilena de 76 anos, Rosa, que saiu de casa pela primeira vez desde março, quando explodiu a pandemia. Como tem hipertensão e diabetes, vestia um traje plástico para evitar o contágio.

Muitos jovens também votaram cedo. São os que compõem majoritariamente o padrão eleitoral: 57,9% não tinham idade para votar no referendo de 1988, sobre a continuidade de Augusto Pinochet, ou nem sequer tinham nascido naquela época. Se finalmente forem às urnas em massa, poderiam reverter um eventual declínio entre os mais velhos. Nas últimas eleições presidenciais e parlamentares de 2017, o grupo que menos participou foi o dos 18 a 24 anos (35%), seguido dos que tinham entre 25 e 34 anos (36%).

O presidente Sebastián Piñera votou cedo em um local do município de Las Condes, no leste da capital. “A imensa maioria quer mudar, modificar nossa Constituição”, disse o presidente, que rompeu a tradição dos governantes de votar no centro de Santiago. “Quero pedir a todos os meus compatriotas que venham votar, todas as vozes são importantes. Que o façam de forma pacífica e cuidando da saúde e que respeitemos o resultado. Que todos joguemos pela unidade e não pela divisão, pela paz e não pela violência”, disse Piñera, que não manifestou sua opção neste referendo e estimulou seu Governo a fazer o mesmo, embora se saiba que seus ministros estão divididos neste processo. O mesmo acontece na direita, onde há defensores da manutenção e da mudança da carta fundamental.

Votação dupla

Duas cédulas devem ser assinaladas no plebiscito. Uma para decidir se aprova ou rejeita a ideia de mudar a atual Constituição de 1980. Pela primeira vez no mundo, os cidadãos serão perguntados, ao mesmo tempo, pelo órgão que a redigirá: se uma convenção constitucional composta por 155 cidadãos especialmente eleitos para esse fim ou uma convenção mista de 172 membros, formada em partes iguais por parlamentares (50% e 50%). Os 86 congressistas que participarem deste órgão, caso ganhe essa opção, se dedicarão integralmente à redação da nova carta fundamental. Caso ganhe a alternativa daqueles que querem substituir a Constituição, haveria outra particularidade: a convenção eleita no próximo dia 11 de abril será paritária, ou seja, composta em igual número por homens e mulheres.

O ex-presidente Ricardo Lagos (2000-2006) referiu-se a esse assunto ao votar: “Estamos diante da possibilidade de redigir a Constituição que queremos. Pela primeira vez as mulheres estarão em igualdade de condições na convenção constitucional e, o que me parece mais importante, é que os jovens estão participando”, acrescentou o ex-mandatário socialista.

Para o dirigente mais bem posicionado da oposição com vistas às eleições presidenciais de 2021, Daniel Jadue, prefeito do município de Recoleta, na capital, este domingo “é um dia histórico, que para os chilenos chega com 30 anos de atraso”. Jadue é militante do Partido Comunista, grupo que não se juntou ao acordo de todas as forças políticas do Congresso em novembro passado para viabilizar uma nova Constituição. Foi a solução institucional para uma crise que colocou a democracia chilena nas cordas depois das revoltas sociais que eclodiram em outubro de 2019.

Os chilenos também votaram de fora do país. Na Nova Zelândia, onde devido à mudança de horário as mesas já foram fechadas, venceu a opção da mudança da Constituição, com 93% dos votos. Foram registrados 858 votos, enquanto no segundo turno presidencial de 2017 foram apenas 121.

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