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Ortega quer prisão perpétua a opositores que praticarem “crimes de ódio” na Nicarágua

Evocando a “segurança do Estado”, Executivo sandinista redige duas leis para amedrontar dissidentes

Wilfredo Miranda Aburto
O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, e a vice-presidenta, Rosario Murillo, participam das comemorações do 199º aniversário da independência da Nicarágua, em 15 de setembro, em Manágua.
O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, e a vice-presidenta, Rosario Murillo, participam das comemorações do 199º aniversário da independência da Nicarágua, em 15 de setembro, em Manágua.NICARAGUA'S PRESIDENCY (Reuters)

O Governo de Daniel Ortega enviou ao Parlamento, sob seu controle, dois projetos de lei que pretendem desarticular qualquer musculatura opositora na Nicarágua: a instauração da pena de prisão perpétua para “castigar crimes de ódio” e a criminalização de qualquer financiamento externo, alegando razões de “segurança nacional” para “pôr fim à ingerência estrangeira nos assuntos internos” do país centro-americano.

No começo deste mês, Ortega enviou ao Parlamento com caráter de urgência o projeto de lei da prisão perpétua, em meio a uma onda de feminicídios de meninas e mulheres no país, o que levou a crer que essa seria a principal razão para incluir essa pena no Código Penal nicaraguense. Entretanto, em 15 de setembro, durante o ato de comemoração da independência da Nicarágua, o mandatário sandinista revelou que a nova norma busca castigar opositores, a quem o Governo acusa de “cometer crimes de ódio” e “contra a paz” desde abril de 2018, quando eclodiu a crise sociopolítica na Nicarágua.

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“Eles querem continuar a cometer assassinatos, a colocar bombas, a colocar destruição, mais destruição do que provocaram em abril de 2018, somando-se a isto o dano que a pandemia provocou. Eles não têm alma, não têm coração, não são nicaraguenses, são filhos do demônio, são filhos do diabo. Estão cheios de ódio. São criminosos”, vociferou Ortega em um discurso no qual também criticou as sanções internacionais impostas ao seu entorno mais próximo, devido às denúncias de corrupção e violações dos direitos humanos feitas pela oposição.

O segundo projeto de lei foi apresentado pelo Executivo sandinista nesta terça-feira e se titula Regulação de Agentes Estrangeiros. O anteprojeto argumenta que, para prevenir “crimes contra a segurança do Estado”, deve ser proibido que “todo agente estrangeiro, seja organização ou pessoa física, que receber financiamento de governos e agências internacionais intervenha em questões ou na política interna”.

“Fica também proibido financiar ou promover o financiamento de qualquer tipo de organização, movimento, partido político, coalizões ou alianças políticas ou associações que desenvolvam atividades políticas internas na Nicarágua. Tampouco poderão ser funcionários públicos ou candidatos a cargos públicos de qualquer natureza”, afirma explicitamente o artigo 12 do projeto.

Assim como na normativa da prisão perpétua, a proposta de Regulação de Agentes Estrangeiros inclui uma ampla margem para arbitrariedades, segundo juristas independentes. Por exemplo, o projeto sobre o financiamento confere ao Ministério de Governo (Casa Civil) poderes extremos para “fiscalizar qualquer pessoa ou entidade” que se enquadrar no conceito de “agente estrangeiro”. Nessa categoria podem entrar opositores, jornalistas, igrejas, organizações da sociedade civil, associações médicas e outras. E o castigo varia de multas a pessoas físicas até confiscos, congelamento de recursos e dissolução de pessoas jurídicas.

“A lei de prisão perpétua eu considerei bastante cínica, porque já foi receitada a presos políticos, como o camponês Medardo Mairena, uma pena de até 210 anos, apesar de a Constituição estabelecer a pena máxima de 30 anos. Mas esta proposta de agentes estrangeiros é extremamente perigosa, porque é um instrumento pseudolegal para bloquear qualquer apoio do exterior a processos de democratização interna”, afirma Violeta Granera, integrante da Coalizão Nacional Azul e Branco, uma das principais frentes de oposição.

“Embora seja verdade que Ortega não precisa de leis”, acrescenta Granera, “o fato é que ele deseja se escudar numa ilegalidade inexistente para enganar a comunidade internacional. Mas sobretudo para amedrontar a oposição, que está próxima na luta por abrir a porta a uma transição democrática de maneira pacífica”.

Ambos os projetos de lei são interpretados pela oposição como uma nova tentativa do Governo sandinista de intimidar e neutralizar qualquer tentativa de organização política para as eleições gerais marcadas para novembro de 2021.

Bloqueio do financiamento

Embora ainda não haja condições eleitorais para eleições confiáveis, devido ao Estado policial que vigora na prática e à falta de transparência do sistema, uma votação significa a possibilidade de pôr fim à crise sociopolítica que a Nicarágua atravessa desde abril de 2018, quando as forças policiais e paramilitares de Ortega reprimiram manifestantes, com um saldo de pelo menos 325 execuções extrajudiciais.

“É a cubanização total da Nicarágua. Em que sentido? Os regimes autoritários utilizam a estratégia de dar um suposto conteúdo legal aos mecanismos de repressão do Estado. São artimanhas para legitimar ditaduras, neste caso o conceito de soberania. Realmente querem criminalizar a solidariedade internacional bloqueando o financiamento à sociedade civil, mas também impedindo o financiamento privado à oposição”, queixou-se Félix Maradiaga, cientista político e um dos rostos mais visíveis da oposição nicaraguense.

Maradiaga acredita que a “aposta” destes dois projetos de lei encaminhados ao Parlamento “seja mais perversa” do que apenas inibir candidatos opositores ou intimidar manifestantes acenando com penas de prisão.

“O que se pretende é dar sustentação jurídica a um conceito copiado de regimes fascistas e comunistas que eles (o Governo) vêm trabalhando: que toda oposição é ‘vende-pátria e traidora’. O Ministério de Governo pode designar qualquer nicaraguense que receber recursos como agente estrangeiro, e não só a oposição organizada, mas também instituições filantrópicas que ajudam presos políticos, por exemplo. É também uma ferramenta contra o próprio setor privado”, disse Maradiaga, que foi processado pelo Governo em 2018 por supostamente “financiar o terrorismo”.

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