Governo da Colômbia se esquiva de pedido de desculpas pela repressão aos protestos de 2019
Sentença da Suprema Corte de Justiça recomendou o pedido de perdão por considerar que Executivo colombiano não pode estigmatizar as manifestações sociais
No momento mais crítico da relação entre a Polícia e os cidadãos da Colômbia, abalada depois das denúncias de abuso policial que resultaram na morte de 13 pessoas nos últimos dias, a Corte Suprema de Justiça da Colômbia, principal instância da Justiça comum no país, recriminou nesta terça-feira o Governo de Iván Duque por estigmatizar os protestos sociais e recomendou que peça desculpas, através do seu ministro da Defesa, pelos “excessos registrados desde a mobilização de 21 de novembro de 2019”, entre outras medidas. Nesta quarta-feira, contudo, o Governo informou que pedirá uma revisão da decisão.
A decisão, segundo o tribunal superior, foi tomada “após ficar evidenciada uma problemática nacional de intervenção sistemática, violenta, arbitrária e desproporcional da força pública nas manifestações públicas”. A sentença, proferida em resposta a uma ação de tutela interposta por 49 cidadãos, ordena também a suspensão do uso de escopetas calibre 12 por parte do Esquadrão Móvel Antimotins (Esmad, tropa de choque) num prazo de 48 horas.
Foi uma arma desse tipo que, durante os protestos de novembro de 2019, causou a morte do jovem manifestante Dilan Cruz, atingido por uma munição tipo bean bag. Mas a sentença judicial não se refere apenas a esse caso, que foi um dos mais visíveis, e sim a uma série de episódios sistemáticos ocorridos em diversas partes do país, que deixaram ao menos 36 manifestantes com lesões oculares e outros ferimentos que exigiram hospitalização.
Revisão
O Governo de Iván Duque evitou nesta quarta-feira pedir desculpas pelos desmandos da polícia na onda de mobilizações que abalou o país no final do ano passado. Em vez disso, por meio de seu ministro da Defesa, Carlos Holmes Trujillo, anunciou que pedirá ao Tribunal Constitucional que reveja a decisão da Corte Suprema.
A sentença menciona “lesões físicas a manifestantes e pela conduta de alguns agentes da polícia e do Esmad (Esquadrão Móvel de Combate a Distúrbios)”, a partir do que “infere-se que haja falhas e incapacidade, por parte das instituições encarregadas de manter a ordem pública, de usar de forma racional e moderada as armas da República, a ponto de gerarem um temor fundado para quem deseja se manifestar pacificamente”.
A resposta do Executivo, porém, foi em outra direção. O Esmad “não incorre em excessos institucionalmente”, defendeu Trujillo ao ler um comunicado do Governo. Nos casos em que os abusos foram apresentados a partir de 21 de novembro no âmbito da greve nacional convocada pelos sindicatos e organizações estudantis, “estes corresponderiam a ações individuais de alguns dos seus membros”, que são atualmente objeto de investigações penais e disciplinares por autoridades competentes, acrescentou.
Outra decisão contida na sentença abrange todos os funcionários do Executivo, que são orientados a “manterem a neutralidade quando ocorrerem manifestações não violentas, inclusive se as mesmas se dirigem a questionar as políticas do Governo Nacional”. Recentemente, um relatório da Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP) revelou que durante as mobilizações sociais de 2019 e do começo de 2020 a Presidência investiu 250.000 dólares (1,37 milhão de reais) em campanhas publicitárias que tinham como objetivo desestimular esses protestos.
O Governo deveria então, de acordo com a decisão, convocar uma mesa de trabalho para “reestruturar as diretrizes relacionadas ao uso da força contra manifestações pacíficas” e desenhar um protocolo, chamado Estatuto de Reação, Uso e Verificação da Força Legítima do Estado e Proteção do Direito ao Protesto Popular Pacífico. Por sua vez, quando o Esmad for mobilizado em algum evento público, a Polícia terá que entregar ao Defensor do Povo (entidade encarregada de velar pelos direitos humanos na Colômbia) uma lista dos chefes de unidade e comandantes encarregados. “Vamos estudar o documento detalhadamente e proceder a um estudo judicioso e tranquilo a seu respeito”, afirmou o ministro da Defesa, Carlos Holmes Trujillo.
A decisão da Corte ganha mais relevância a duas semanas do homicídio e tortura de Javier Ordóñez, um advogado que recebeu choques de pistola taser e golpes enquanto estava sob custódia policial, o que desencadeou duas jornadas de protestos, distúrbios e confrontos entre policiais e manifestantes, nos quais vários agentes dispararam indiscriminadamente contra civis, de acordo com as denúncias documentadas pela Prefeitura de Bogotá. Treze jovens morreram entre 9 e 11 de setembro.
Depois da reação da sociedade civil e da Procuradoria, a Polícia suspendeu 14 agentes que usaram suas armas nas noites de manifestações. O Governo, incluindo seu ministro, alegaram que os protestos foram “coordenados” por dissidências da extinta guerrilha FARC que se distanciaram do processo de paz e por infiltrados do Exército de Libertação Nacional (ELN), a última guerrilha ativa na Colômbia.
“A manifestação ou protesto público e pacífico dos cidadãos é garantido pela Constituição”, respondeu Carlos Holmes Trujillo em seu comunicado nesta quarta-feira. Ele também descreveu e defendeu os atuais protocolos das forças de segurança, mas em nenhum momento se referiu a qualquer tipo de pedido de perdão, ou disse que acataria a decisão. “A ação do Esmad ocorre exclusivamente diante de ações violentas e irracionais que constituem crimes, violam os direitos das pessoas e não são manifestações pacíficas”, enfatizou. O Governo, acrescentou, “continuará a enfrentar o vandalismo e todas as formas de violência e terrorismo, como é sua obrigação constitucional”.
Suas declarações ficaram em linha com a defesa cerrada da força pública que o Executivo empreendeu num momento particularmente crítico e apesar do clamor por uma reforma fundamental. A posição do Executivo de Duque, que até se permitiu fotografar com o casaco da polícia para manifestar o seu apoio, o colocou em choque com vários setores políticos, cidadãos e, agora, os tribunais. “Com provas, pedi ao Governo Nacional que reconhecesse a gravidade do abuso policial, oferecesse perdão e empreendesse a reforma da polícia. Eles disseram não a todos os três. Agora terão que cumpri-los por ordem do Supremo Tribunal Federal “, reagiu a prefeita da capital, Claudia López, uma das principais figuras da oposição, diante de uma decisão que qualificou de” admirável
Embora o protesto social tenha sido desmobilizado este ano por medidas de confinamento, relatos de abusos policiais têm sido frequentes, mesmo no meio da pandemia. A crise de imagem e credibilidade da polícia vem se acumulando desde a onda de manifestações contra o Governo no final de 2019 a que o Supremo Tribunal Federal se refere, e tem sido evidenciada nas pesquisas. Em outra de suas decisões, o tribunal superior insta os funcionários a “manter a neutralidade quando ocorrerem manifestações não violentas, mesmo que tenham como objetivo questionar as políticas do Governo Nacional”. Após a resposta do Ministro da Defesa, o seu cumprimento está em suspenso.
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