“O envenenamento só pode ter sido aprovado pelo Kremlin”
Leonid Volkov, braço direito do opositor russo Alexei Navalni, acredita que Putin esteja por trás da tentativa de assassinato e descarta eficácia de possíveis sanções
Leonid Volkov (Yekaterinburg, 39 anos) é um político opositor russo e braço direito de Alexei Navalni, o arqui-inimigo do Kremlin, em coma após ser envenenado com um agente nervoso, segundo o Governo alemão. Navalni está internado no hospital berlinense Charité, a meio quilômetro da sucursal do EL PAÍS, onde ocorre a entrevista com Volkov, que diz não ter nenhuma dúvida de que o presidente russo, Vladimir Putin, esteja por trás da tentativa de assassinato do célebre ativista anticorrupção.
Volkov é o responsável pelas operações políticas da plataforma de Navalni e vive fora da Rússia há um ano, depois que sua fundação foi acusada de lavagem de dinheiro por uma campanha de crowdfunding. Em uma conversa de uma hora com o EL PAÍS e o jornal La Repubblica, Volkov pede uma investigação independente sobre o caso Navalni e rejeita possíveis sanções, afirmando que só alimentariam a propaganda e o vitimismo oficial.
Pergunta. Vocês acusam o Kremlin de ter envenenado Navalni. Por que têm tanta certeza?
Resposta. É o princípio do pato. Se parece pato, anda como pato e nada como pato, é pato. Putin é o primeiro político do país e Navalni, o segundo. Navalni desmaia durante um voo em plena campanha eleitoral, três semanas antes das eleições: é muito suspeito. Desde o início, os médicos que o atenderam assim que ele saiu do avião na Sibéria também não tiveram dúvida de que tinha sido envenenado e lhe aplicaram o antídoto, caso contrário ele não teria sobrevivido. Agora os alemães confirmaram que [o agente nervoso] é Novichok. Não é algo que se possa comprar em um supermercado, é um veneno militar proibido, ao qual só o Governo tem acesso.
P. Por que Putin usaria um veneno que tem sua assinatura desde o caso de Serguei Skripal [envenenado em 2018]?
R. A ideia é que parecesse uma morte por causas desconhecidas, mas ocorreu uma série de circunstâncias. Se não tivesse havido pressão internacional e não tivessem transferido [Navalni] para a Alemanha, não teríamos sabido que era Novichok nem que Putin estava por trás.
P. Há analistas que dizem que todos os tipos de criminosos podem ter acesso ao Novichok.
R. O Ministério de Interior da Rússia acaba de dizer que não vão abrir uma investigação criminal. Encobrem isso o tempo todo. O Kremlin não diz que alguém o envenenou e que não sabe quem foi. O que diz é que não houve envenenamento, e sim um problema metabólico. Isso fala por si.
P. Acredita que um colaborador de Putin possa ter envenenado Navalni sem que o presidente soubesse?
R. É claro que não, teve de ser aprovado pelo Kremlin. Todo mundo na Rússia entende quem é Navalni, o que essa decisão significa e quais suas consequências. Um decisão dessas só pode ter sido coordenada e aprovada por Putin.
P. Por que agora?
R. Temos eleições regionais e municipais em 13 de setembro e são as últimas antes das eleições para a Duma no ano que vem, é um ensaio geral. Não deixam Alexei [Navalni] concorrer, mas ele comanda a campanha do voto inteligente ou tático. Ou seja, coordenamos os votos daqueles que não sabem como expressar seu mal-estar com Putin, que não são representados pelo Rússia Unida [partido do presidente], são uma oposição ao sistema. Em cada distrito, procuramos identificar os candidatos com possibilidades de derrotar o Rússia Unida e pedimos a todos nossos seguidores que votem neles, independentemente de qual partido sejam e do que defendam. Se ganharem, chegará um momento em que não terão de se subordinar ao Rússia Unida. Esse voto inteligente é muito perigoso para Putin. Alexei é o autor dessa estratégia, ele estava fazendo campanha nas regiões e acharam que a enfraqueceriam se o matassem e o tirassem do caminho.
P. O senhor teme ser o próximo da lista?
R. Não sabemos como é essa lista, nem se existe. Ninguém que atua na oposição política na Rússia pode se sentir seguro, mas sempre pensei, e até falei para Alexei, que se decidissem matar alguém, seus lugares-tenentes, pessoas como eu, seríamos alvos naturais. Porque o dano à organização seria o mesmo, mas não haveria reação internacional porque não somos tão famosos quanto ele. O Kremlin escolheu a opção mais radical, mas dá a impressão de que não calculou todas as consequências.
P. O que aconteceu naquelas horas cruciais que Navalni passou em um hospital da Sibéria? Por que Putin acabou aceitando a transferência?
R. Em primeiro lugar, pela pressão local e internacional, graças a muitos líderes europeus, não só Angela Merkel. Havia 150 pessoas no avião em que ele desmaiou, e a pressão explodiu desde o começo. Mas também porque o plano falhou. Houve muitos problemas de execução. Retiveram [Navalni] por mais 24 horas porque talvez alguém tenha dito a eles que o Novichok não era detectável 48 horas depois, e provavelmente era assim quando essa substância foi criada na União Soviética nos anos oitenta, mas agora não. Hoje há meios técnicos que antes não existiam. A pressão internacional estava aumentando e eles sabiam que precisavam deixá-lo sair.
P. Como os líderes europeus deveriam reagir?
R. Merkel foi muito dura e espero que os demais líderes europeus também sejam. Espero que haja uma investigação internacional independente, que haja pressão sobre Putin para que se investigue o caso. Não acredito que Putin vá admitir, porque já disseram muitas vezes que não houve veneno e não vejo como podem corrigir isso agora. O que os europeus realmente poderiam fazer é ir atrás do dinheiro de Putin na Europa. Na Itália, na França, na Áustria, na Alemanha e no Reino Unido. Esse seria um verdadeiro castigo.
P. Estão sendo estudadas sanções.
R. Não pedimos sanções. No Kremlin, cada vez que ouvem falar de sanções, abrem uma garrafa de champanha. As sanções são boas para os ditadores. Elas reforçariam a retórica do Kremlin de que “todo mundo está contra nós”, de que “a União Europeia e os Estados Unidos querem destroçar nossa economia e temos de nos unir em torno do nosso líder Putin”. Nenhum ditador foi derrubado com sanções, pelo contrário, ajudam sua propaganda. Além disso, é muito complicado projetar sanções para que afetem apenas os ditadores e não a população.
P. O Kremlin diz estar aberto ao diálogo e pede mais informações à Alemanha.
R. A estratégia do Kremlin é sempre a mesma. Fazer o máximo possível de barulho, gerar desinformação até que a verdade se dilua. O Kremlin finge que a versão mais óbvia não existe para criar centenas de versões alternativas e para que as pessoas comuns se confundam e não entendam nada. Porque ele não se importa com o que as pessoas pensem em outros países, e sim com a opinião nacional. Tem gente que até nega que [Navalni] esteja no Charité. É tudo fake news. Não se trata de parecer razoável, mas de fazer o máximo possível de barulho.
P. O que o Kremlin teme de uma organização como a sua?
R. Pode ser que a situação política pareça estável na Rússia, com Putin no poder há 20 anos e sem que ninguém duvide que Putin tenha as ferramentas necessárias para continuar no poder até morrer. Ao mesmo tempo, porém, todo mundo sabe que o poder de compra das famílias não para de diminuir há oito anos e que a popularidade de Putin está caindo e a de Navalni, crescendo. Falta muito para que essas duas tendências se cruzem, mas não querem esperar que esse momento chegue e seja tarde demais.
P. Sua organização pode funcionar sem Navalni?
R. Sim, funciona agora. Temos mais de 200 funcionários.