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Espanha tem alta preocupante de casos de covid-19 após reabertura

Coronavírus volta a se espalhar por todo o país, embora doença aparente estar menos letal agora. Alguns surtos podem ser apenas um susto. Mas as autoridades alertam para a alta das internações e temem uma bola de neve de contágios

Após meses em remissão, a Espanha voltou a registrar um aumento nos novos casos de covid-19. No fim de maio, o número diário confirmado pelo método PCR havia caído a menos de 500, e em junho chegaram a ser menos de 250 novos casos por dia, mas agora voltam a superar os 1.000 positivos a cada 24 horas.

Os contágios parecem se multiplicar. Segundo o Instituto de Saúde Carlos III, de Madri, o índice de propagação ronda 1,3 ―calculado a partir da data do início dos sintomas― e está há duas semanas acima de um. Isso significa que os contágios se aceleram e poderiam se tornar exponenciais.

O repique está chegando a alguns hospitais. Dizem os médicos de várias regiões e também se nota nas estatísticas oficiais: as internações na Espanha vêm subindo há 10 dias. Na última semana foram hospitalizadas entre 30 e 40 pessoas a cada dia, cifras que não se viam desde maio― embora continuem muito longe das 2.000 internações por dia durante o colapso sanitário de abril. A volta do crescimento de internações nos hospitais começou entre 10 e 12 de julho, uma semana depois de voltarem a subir os casos positivos, como é habitual com a covid-19.

Há surtos em todas as 17 comunidades (regiões) espanholas, um recrudescimento que transparece na estatística oficial. É talvez o pior sinal. Não se trata apenas de focos localizados nas províncias de Huesca, Lleida e Barcelona, onde já se fala em transmissão comunitária, mas sim de um aumento quase generalizado dos casos: segundo as cifras do Ministério da Sa, o vírus está crescendo em pelo menos 10 das 17 comunidades.

Não é casual que os repiques ocorram agora. “Eu os atribuo ao fim da quarentena”, diz Ignacio Rosell, especialista em saúde pública e membro do Comitê de Especialistas de Castela e Leão. “Com a nova normalidade há mais risco. Cada vez mais as pessoas estão confiantes, e se somam circunstâncias sazonais, como trabalhos temporários na colheita, os contatos do verão [no Hemisfério Norte] e os reencontros familiares”.

Havia duas incógnitas: a atitude dos espanhóis agora e os preparativos dos Governos regionais. “Vimos que alguns relaxaram e também que a maioria das comunidades não preparou bem seus programas de monitoramento de infectados e seus contatos. Estes fatores combinados fazem que estejamos vendo um grande número de repiques, e alguns muito preocupantes”, argumenta Helena Legido-Quigley, professora associada da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

A especialista tem críticas às Administrações locais: “A maioria não contratou nem preparou seu sistema com o pessoal necessário. A ideia de estarmos confinados também era lhes dar tempo, mas não fizeram a lição de casa, e isto terá consequências muito sérias para a saúde e a economia”. E também ao Governo central: “Não deveríamos ter passado de fase sem termos estes sistemas preparados. Em todos os níveis governamentais, asseguraram-nos que estávamos preparados, quando não estávamos”.

O vírus cresce na Espanha e tem uma incidência alta (mais de 10 casos por milhão de habitantes) nas regiões de Aragão, Navarra, Catalunha, País Basco, La Rioja (todas no norte da Espanha) e Estremadura (no oeste). Mas também se espalha em áreas que antes tinham menos incidência, como Múrcia (sudeste), Andaluzia (sul), Comunidade Valenciana (leste) e ilhas Canárias (no Atlântico). Alguns surtos são pequenos e podem não passar de um susto. Mas preocupa o padrão e a experiência de março, porque demonstra como uma bola de neve de contágios pode crescer rapidamente.

Em Barcelona, compradores em uma banca de livros e flores, nesta quinta-feira. Catalunha é uma das regiões mais afetadas por segunda onda do coronavírus.
Em Barcelona, compradores em uma banca de livros e flores, nesta quinta-feira. Catalunha é uma das regiões mais afetadas por segunda onda do coronavírus.Albert Garcia (EL PAÍS)

Os repiques já se fazem notar nos hospitais de algumas comunidades. Os dados mostram os casos e as hospitalizações em cada região, que são crescentes em Aragão, Navarra, Catalunha, País Basco, Estremadura, Comunidade Valenciana, Múrcia e Andaluzia. Em outras comunidades, o recrudescimento é menos claro ―como em La Rioja, Cantábria, Canárias, Baleares, Galícia e Astúrias―, mas poderia estar começando. Madri só registra um ligeiro crescimento, que poderia não dar em nada, mas que é inquietante pela situação outras províncias populosas, como Barcelona e Zaragoza.

Esta série de dados é ligeiramente diferente da anterior. A primeira mostrava os positivos por data de sintomas, que é útil porque nos mostra que o repique que vemos se deve a contágios recentes (e não à notificação de casos antigos). Mas esta segunda série reúne os contágios por data de diagnóstico e tem a vantagem de representar a tendência de apenas dois dias atrás.

A melhor noticia é que as mortes não aumentaram. Se fosse esse o caso, aconteceria com duas ou três semanas de atraso sobre os contágios, pelo processo normal da doença. Mas, além disso, é possível que o vírus esteja (ou ao menos pareça) menos letal nesta onda, porque estão sendo detectados mais contágios de jovens. A idade mediana dos novos casos está em 48 anos, contra 60 em abril. Isto se deve em parte a um viés de detecção por gravidade, já que naquela época só conhecíamos os casos mais severos, que frequentemente eram em pessoas mais velhas. Mas também pode ocorrer que agora se contagiem menos idosos porque eles têm menos contatos em geral, e menos pessoas vulneráveis como um todo, pois possivelmente estas extremaram suas precauções.

É importante não comparar as cifras absolutas com as de março ou abril, porque a detecção hoje é melhor e uma percentagem mais alta dos casos reais está sendo registrada. “Em março, por cada positivo PCR podia haver 10 (ou mais) não diagnosticados. Agora certamente são muitos menos”, afirma Rosell. “Mas, se ficar descontrolado, se entrar nos asilos de idosos, se se espalhar entre pessoas vulneráveis, é claro que os casos graves aumentarão.”

A nova onda, por regiões

Na Catalunha e em Aragão, o vírus se expande por toda parte. Não é só em Barcelona e Lleida (duas províncias da Catalunha) que ocorre a transmissão comunitária. Os casos crescem em todas as províncias catalãs e aragonesas. Em Tarragona, a província catalã menos afetada pelo vírus até agora, os novos positivos superaram os 10 por milhão pela primeira vez desde maio. Em Zaragoza estão a caminho de superar os 100 por milhão, e os casos crescem quase ao ritmo de março.

O grupo de pesquisa em Biologia Computacional e Sistemas Complexos da Universidade Politécnica da Catalunha acompanhou os dados há meses com um sistema de semáforo: “Aparecem para nós em vermelho ―transmissão comunitária muito provável― as províncias de Lleida, Huesca e Zaragoza”, diz Clara Prats, pesquisadora desta equipe: “Barcelona aparece laranja, provavelmente porque a parte da Catalunha central compensa a situação da área metropolitana (em vermelho muito claro). Girona está em amarelo, mas a transmissão comunitária se reduz (por enquanto) a uma zona muito localizada do Alt Empordá”.

No País Basco houve ao menos sete surtos oficiais desde junho, dois deles localizados em centros hospitalares, com quase 280 contagiados no total dos sete focos. Na vizinha Navarra há nove focos com 240 infectados. Em Álava e Bizkaia, duas províncias bascas, estão sendo registrados menos casos, mas a tendência de piora se observa em todas as partes.

Metade da Estremadura piora. Em algumas comunidades há (por enquanto) importantes diferenças regionais. O caso mais claro é a Estremadura: em Badajoz, uma das suas duas províncias, na fronteira com Portugal, os casos crescem há duas semanas e estão a caminho de superar os 100 por milhão de habitantes, enquanto na outra, Cáceres, continuam em queda e não chegam a um por milhão.

Surtos na costa mediterrânea. As províncias Valencia, Castellón, Alicante (na Comunidade Valenciana) e Múrcia ainda não superam os 10 casos por milhão, mas a tendência deixa más notícias: todas essas quatro províncias da costa mediterrânea têm piores cifras agora do que há um mês.

Repiques em três províncias andaluzas. A Andaluzia foi uma das comunidades menos afetadas até agora pelo coronavírus, apesar de ter algumas das cidades mais povoadas da Espanha. Em seis das suas províncias os casos continuam sendo poucos e a situação por enquanto é estável, mas há outras três onde os positivos claramente recrudesceram: Málaga, Granada e Almería. O Governo regional identificou desde o começo da flexibilização da quarentena pelo menos 35 surtos, com mais de 600 positivos, concentrados sobretudo nessas três províncias.


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