Maduro restringe o retorno dos emigrantes venezuelanos e muda o discurso ‘de braços abertos’
Medidas implicam redução de cerca de 80% no número de regressos permitido
A cena, com algumas variações, se repetiu nos últimos meses em várias cidades da Colômbia. Centenas de venezuelanos empurrados por suas limitadas opções de sobrevivência em meio à pandemia, muitos com crianças nos braços, permaneciam neste fim de semana em um acampamento improvisado às margens da rodovia norte, uma das vias de acesso a Bogotá, com a esperança de pegar um ônibus que os leve até a fronteiriça Cúcuta, a mais de 500 quilômetros de distância, e dali poder cruzar para a Venezuela. Desde esta segunda-feira, eles enfrentam obstáculos adicionais em sua improvável jornada, já que o Governo de Nicolás Maduro impôs novas restrições ao retorno de seus cidadãos.
Com o avanço da quarentena, o líder chavista mudou seu discurso “de braços abertos” aos emigrantes que, às dezenas de milhares, começaram a refazer seus passos quando a crise da covid rompeu sua precária estabilidade nos lugares aonde tinham ido para escapar da hiperinflação, escassez e insegurança. “Eles retornam fugindo da xenofobia nesses países”, insistiu Maduro, na tentativa de capitalizar o retorno, depois que seu Governo produziu um êxodo em massa. Agora, na narrativa chavista, fala deles como “armas biológicas”. Na parte diária dos casos confirmados, as autoridades destacam que a maioria deles são “importados” da Colômbia e do Brasil. Maduro chegou a afirmar que o presidente da Colômbia, Iván Duque, envia “pessoas contaminadas” para a Venezuela, mas neste domingo foi um passo além.
“Digo a toda a Venezuela que não aceitemos pessoas que tenham andado pelas trilhas e burlado os controles sanitários para voltar para sua casa”, disse ele na televisão. "Todo o esforço que fizemos, e para que uma pessoa por capricho e irresponsabilidade acabe contaminando sua família. Peço ajuda a todos os governadores e ao povo. Se você tem um vizinho, chame a polícia, as Forças Armadas, o hospital de prontidão mais próximo para que possamos buscar essa pessoa.”
A Colômbia soma mais de 1.200 mortes associadas à covid e beira 40.000 casos detectados. A Venezuela, com baixa capacidade de diagnóstico, registra oficialmente 2.377 casos e 22 mortes.
Essa guinada com contornos discriminatórios complica a já delicada situação dos emigrantes. As relações entre Bogotá e Caracas estão interrompidas há mais de um ano. Duque classifica Maduro como um “ditador”. Seu apoio irrestrito a Juan Guaidó, que ele reconhece como presidente interino, aumentou a tensão entre dois Governos permanentemente em confronto. No entanto, apesar de a Colômbia manter suas fronteiras fechadas desde março, como parte dos esforços para conter o vírus, as autoridades migratórias abriram corredores humanitários ao longo de uma linha de fronteira porosa de mais de 2.200 quilômetros. Desde os departamentos colombianos de Norte de Santander, Arauca e, em menor medida, La Guajira —onde a travessia é esporádica—era permitida a passagem de mais de 500 repatriados por dia.
Mas Maduro decidiu impor novas barreiras nesta semana, ao reduzir os números autorizados a entrar. Primeiro, limitou a três dias por semana a passagem a partir de Arauca pela Ponte Internacional José Antonio Paéz e, desde esta segunda-feira, faz o mesmo com a Ponte Internacional Simón Bolívar, a principal passagem de fronteira, entre o Norte de Santander e o Estado de Táchira. O trânsito de pessoas só será permitido às segundas, quartas e sextas-feiras, em grupos de no máximo 300 pessoas, em Norte de Santander, e cem, em Arauca.
Essas restrições implicam uma redução de quase 80% no retorno dos venezuelanos, de acordo com os cálculos da Migração Colômbia (agência do Governo), o que representa novas dificuldades na gestão do atendimento aos imigrantes que em várias cidades solicitam ajuda para retornar. Evitar aglomerações que possam resultar em focos de contágio no Norte de Santander e Arauca continua sendo uma preocupação. “Teremos que tomar as decisões adequadas que nos permitam garantir o direito de migrar, mas também uma proteção de saúde para a população venezuelana que reside no país, bem como para a população em trânsito", disse Juan Francisco Espinosa, diretor da Migração Colômbia.
A pandemia retratou com crueza a situação precária dos imigrantes e refugiados venezuelanos espalhados por toda a América Latina. A Colômbia, de longe o principal destino de uma diáspora que já ultrapassa cinco milhões de pessoas em todo o mundo, atualizou seus números oficiais no mês passado. No final de março, quando a quarentena nacional já estava em vigor, a Colômbia abrigava 1.809.000 cidadãos venezuelanos, uma ligeira queda de 0,9% em relação a fevereiro. É a primeira vez em cinco anos que a população de imigrante diminui. No entanto, um relatório recente da Human Rights Watch (HRW) aponta na direção oposta, ao observar que o avanço da pandemia na Venezuela pode “fazer com que mais pessoas tentem deixar o país”.
Durante a crise da saúde, mais de 71.000 venezuelanos retornaram voluntariamente a seu país em quase mil ônibus coordenados com prefeituras e Governos, que os levaram à fronteira, partindo de diferentes partes da Colômbia. As medidas de confinamento os impedem de ganhar a vida nas cidades onde encontraram refúgio e muitos foram desalojados de suas moradias. A situação tende a piorar. De acordo com todas as projeções, nos principais países anfitriões, onde os venezuelanos costumam alimentar as fileiras da informalidade, a pobreza e o desemprego aumentarão. O Governo de Duque reiterou em várias ocasiões que não fomenta esses retornos, mas deve ser respeitado o seu direito de voltar para seu país mesmo no meio das quarentenas e em meio ao fechamento das fronteiras.