_
_
_
_
_
Crítica
Género de opinião que descreve, elogia ou censura, totalmente ou em parte, uma obra cultural ou de entretenimento. Deve sempre ser escrita por um expert na matéria

‘Uma vida oculta’: Sublime em tempo parcial

Excessivamente afetado, o filme mais recente de Terrence Malick não resiste; faz tempo que sua sistemática, sempre a mesma, pesa

Cena de 'Uma vida oculta', de Terrence Malick. No vídeo, o trailer do filme.
Javier Ocaña

O lirismo não se dá bem com a reiteração e a grandiloquência, porque o que está à espreita logo ao lado são a autocomplacência e o excesso. Talvez por isso, paradoxos da vida artística, as pausas sempre vieram a calhar para Terrence Malick. Tempo até demais, dizíamos então os seus fãs, de até 20 anos entre Cinzas no paraíso e Além da linha vermelha. Entretanto, quando o norte-americano conseguiu deixar seus longos retiros e se pôs a fazer cinema com a regularidade dos outros, com cinco longas-metragens entre a obra-prima A árvore da vida (2011) e este Uma vida oculta (2019), que estreia nesta semana, acabou deixando transparecer suas linhas artísticas, as metáforas e até os ritmos. Talvez seja impossível ser sublime em tempo integral.

Outras notícias sobre cinema
John Malkovich com seus esplendorosos 66 anos. “Se você nunca teve aspecto jovem, jamais parecerá velho”.
John Malkovich: “Meu pai morreu jovem e meus irmãos também. Nunca pensei que chegaria até aqui”
Cena do filme 'Você não estava aqui', de Ken Loach.
‘Você não estava aqui’, novo filme de Ken Loach, ganha trailer
A atriz Léa Garcia em cena do longa 'Um dia com Jerusa'.
O cinema brasileiro começa a sair da vertigem

Mesmo assim, Uma vida oculta traz certa recuperação da emoção após a (em alguns momentos) ridícula Amor pleno e o fracasso (quase) unânime de crítica de Cavaleiro de copas (2015) e De canção em canção (2017). Desta vez, a minúcia visual e textual do Malick mais recente vem de mãos dadas com um tema maior e com subtextos muito interessantes, que se ligam bem ao magnífico Além da linha vermelha, o que deixa o filme de pé, pelo menos, durante os primeiros 75 minutos das desnecessárias três horas totais.

Na odisseia pessoal e social do camponês austríaco atropelado pela guerra, pelo nazismo e pela História (com maiúscula), objetor da ideologia do ódio em um tempo de rancor e de ovelhas no rebanho, há temas de enorme complexidade que Malick capta através de suas habituais paisagens física e humana, a da natureza e a dos rostos. São as certezas de um mártir sem nome, um desses esquecidos que, como bem se ocupa de explicitar a trama, nunca se destacaram, mas permitiram lançar as bases de nossas sociedades atuais. São os retalhos de felicidade e verdade em meio à poesia, as corridas, as brincadeiras e os choros das crianças. É a dignidade nos olhares de um homem e uma mulher que se amam. São as humilhações da massa ressentida.

Na segunda e terceira partes da narrativa, a da prisão e a do julgamento, entretanto, o cinema atual de Malick, excessivamente afetado, não resiste. Porque faz tempo que sua sistemática pesa, sempre a mesma, com três essências: os planos com steadycam e a utilização das lentes grande-angulares; a constante voz em off e a narração de tom lírico; e a utilização de músicas clássicas sobre a beleza da imagem. O fantástico diretor de Terra de ninguém não precisa de outra pausa, e sim, talvez, renovar um tanto seu estilo, porque muitas imagens de seus últimos filmes parecem intercambiáveis.

UMA VIDA OCULTA

Direção: Terrence Malick.

Elenco: August Diehl, Valerie Pachner, Franz Rogowski, Karl Markovics.

Gênero: Drama. EUA, 2019.

Duração: 180 minutos.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_