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A acachapante maioria conservadora na boca de urna abre caminho ao Brexit de Boris Johnson

Segundo levantamentos, o primeiro ministro alcançaria 368 deputados na Câmara dos Comuns. J. Jeremy Corbyn afundaria a oposição até as 191 cadeiras

Rafa de Miguel
Boris Johnson, com seu cachorro Dilyn diante do colégio onde votou em Londres nesta quinta.
Boris Johnson, com seu cachorro Dilyn diante do colégio onde votou em Londres nesta quinta.Frank Augstein (AP)

As pesquisas de boca de urna indicaram, na noite desta quinta-feira, uma vitória confortável do candidato conservador Boris Johnson nas eleições gerais e o naufrágio do Partido Trabalhista. Johnson alcançaria 368 deputados na Câmara dos Comuns, de acordo com essas pesquisas. 42 deputados acima da maioria de 326. Assim, o caminho para o Brexit estaria desobstruído. Jeremy Corbyn afundaria a oposição até as 191 cadeiras e teria dificuldade para continuar à frente de seu partido. Com 55 deputados, os nacionalistas escoceses seriam a terceira força de Westminster, mas com pouca influência.

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Os eleitores no Reino Unido, especialmente os mais próximos à esquerda, enfrentaram um duplo dilema. Por um lado, entregar-se à corrente do cansaço e da resignação que domina o país e aceitar o Brexit como um mal irremediável que deve ser deixado para trás o mais rápido possível ou enfrentar mais uma vez esse destino incerto. Por outro lado, decidir se as coisas devem continuar como até agora ou se é necessária uma revolução econômica e social como a proposta pelo Partido Trabalhista para acabar com uma década de austeridade e desigualdades. O número dois do partido, John McDonnell, admitiu à BBC depois de tomar conhecimento das pesquisas de boca de urna que são “resultados extremamente decepcionantes”. Seria, de fato, o pior resultado dos trabalhistas desde 1935.

Paradoxalmente, as eleições que foram inicialmente vistas como um novo plebiscito camuflado sobre a saída da UE acabaram sendo carregadas com um profundo e substancial conteúdo político. Diante das vagas promessas de mudança de um candidato como Johnson, totalmente confiante em seu carisma pessoal para conquistar a vitória, as propostas da esquerda começaram a ganhar força e ressonância. Os conservadores dedicaram mais tempo a brandir o fantasma de um “Governo marxista e lunático” chefiado por Corbyn do que a esboçar os benefícios de um novo mandato conservador em Downing Street.

Johnson, no entanto, se ajustou ao roteiro e repetiu insistentemente o lema de sua campanha: Get Brexit Done (Concluamos o Brexit), enquanto a imprensa debatia dia após dia cada uma das propostas da oposição: nacionalização da água, da eletricidade e das ferrovias; banda larga gratuita para todas as moradias; aumento do imposto de renda pago pelas grandes corporações (de 19% para 26%). E, principalmente, a salvaguarda do sacrossanto Sistema Nacional de Saúde (NHS na sigla em inglês). O futuro dessa rede de assistência se tornou a questão mais debatida. Johnson teve de se esforçar para negar suas intenções de privatizá-lo, como afirmavam os trabalhistas. E contribuiu para a suspeita com seu maior erro de campanha: recusar-se a olhar a foto de um menino de quatro anos com pneumonia deitado no chão de uma sala de espera do pronto-socorro de um hospital público de Leeds.

Jeremy Corbyn começou a campanha de uma eleição que o pegou de surpresa em seus níveis mais baixos de popularidade. Sua ambiguidade sobre o Brexit, os casos de antissemitismo dentro de seu partido, e especialmente a imagem martelada pela imprensa conservadora de um fóssil político resgatado dos anos setenta, desencadearam dúvidas e pessimismo entre seus eleitores e entre membros de seu partido. Não apenas perigava o voto das classes médias progressistas que pareciam optar pelo europeísmo sem nuances do Partido Liberal Democrata. O mesmo acontecia com o voto dos feudos trabalhistas tradicionais do centro e do norte da Inglaterra (a chamada muralha vermelha), que em 2016 votaram a favor do Brexit e nos quais o conservador Johnson havia colocado seu ponto de mira.

Filas nas sessões eleitorais

A decisão de convocar eleições gerais em um 12 de dezembro causou pânico entre os partidos. Habituados a realizá-las na primavera, cruzaram os dedos para que os cidadãos não reagissem com desdém ao fato de serem convocadas duas semanas antes do Natal, com frio, chuva –nesta quinta-feira choveu em todo o Reino Unido– e noite fechada a partir das quatro da tarde no horário local. No entanto, as sessões eleitorais tiveram filas de eleitores como não se viam há anos. Quase dois milhões de eleitores com menos de 35 anos se inscreveram para participar, um sinal difícil de interpretar, mas que deixou nervosa a equipe de campanha de Johnson.

Os cidadãos britânicos decidiram levar a sério estas eleições, consideradas por muitos como as mais importantes em uma geração, com o desejo de começar a deixar para trás a divisão provocada pelo Brexit durante três longos anos.

À medida que a campanha avançava, começou a ficar claro que o fantasma da fragmentação política não era tão ameaçador. As altas expectativas do Partido Liberal Democrata e de seu candidato, Jo Swinson, foram sendo reduzidas nas pesquisas. E o Partido do Brexit, do ultranacionalista Nigel Farage (transformado em cópia grosseira do original que Johnson representa) desapareceu das manchetes.

Os dois principais partidos temiam, no entanto, que suas expectativas pudessem ser prejudicadas por essas formações minoritárias. Isso não aconteceu, de acordo com as pesquisas de boca de urna. Os liberais democratas teriam obtido 13 cadeiras e o Partido do Brexit ficaria fora do Parlamento. Somente uma formação alheia ao bipartidarismo começou com boas expectativas e as manteve durante toda a disputa eleitoral. O Partido Nacional Escocês (SNP na sigla em inglês) não deixou de consolidar apoios durante as cinco semanas, com uma mensagem clara entre seu eleitorado: contribuir para deter o Brexit e conseguir que no próximo ano haja um novo referendo de independência.

Como na história de Monterroso, os britânicos acordarão na sexta-feira e o dinossauro Brexit continuará lá. O 31 de janeiro, a última prorrogação concedida por Bruxelas está muito perto, mas se a esmagadora maioria de Johnson adiantada pelas pesquisas de boca de urna for confirmada, o Reino Unido sairá da UE nessa data.

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