_
_
_
_
_

“Somos contra a organização da Copa América”, dizem jogadores da seleção brasileira, mas sem citar covid-19

Em rara manifestação política, texto com lacunas revela dias intensos na delegação, que confirma que jogará a competição sediada em casa. Nesta quinta, STF dará o veredito final acerca da realização do torneio no Brasil

O paraguaio Júnior Alonso disputa a bola com Neymar.
O paraguaio Júnior Alonso disputa a bola com Neymar.NATHALIA AGUILAR (EFE)
Mais informações
AME3471. PORTO ALEGRE (BRASIL), 04/06/2021.- Tite, director técnico de Brasil, se sienta hoy en el banquillo previo al partido contra Ecuador por las eliminatorias sudamericanas al Mundial de Catar 2022, en el estadio Beira Rio de Porto Alegre (Brasil). EFE/ Ricardo Rimoli
O dia em que um ditador trocou o treinador da seleção brasileira
Bolsonaro entre o presidente da FIFA, Gianni Infantino, e o presidente da CBF, Rogério Caboclo, em 2019.
Campeonato torna-se trunfo político e cortina de fumaça para Bolsonaro
Jair Bolsonaro sostiene la Copa América
“Copa América no Brasil é inaceitável para a saúde pública e pode impulsionar a terceira onda”

Numa rara manifestação política, jogadores da seleção brasileira divulgaram em conjunto em suas redes sociais um manifesto onde expressam o descontentamento com a realização da Copa América, marcada para começar no Brasil no próximo domingo em meio à controvérsia por conta da pandemia ―é o Supremo Tribunal Federal brasileiro que dará a palavra final sobre o torneio no país, na quinta-feira. “Temos uma missão a cumprir com a histórica camisa verde e amarela pentacampeã do mundo. Somos contra a organização da Copa América, mas nunca diremos não à seleção brasileira” é a frase que resume e encerra a mensagem divulgada pelos atletas. O texto, que não menciona a crise da covid-19, é cheio de lacunas e subentendidos, reveladores dos dias de tensão na delegação fora de campo. Dentro do gramado, o Brasil venceu o Paraguai por 2 a 0 em Assunção, com gols de Neymar e Lucas Paquetá, pelas Eliminatórias, no último jogo antes da competição sul-americana.

No manifesto divulgado após a partida, os jogadores não citam a palavra pandemia, o principal motivo pelo qual foi criticada a realização da Copa América no Brasil. Dizem que “por diversas razões”, sem explicitá-las, “estamos insatisfeitos com a condução da Copa América pela Conmebol” e afirmam que também não concordariam com o torneio caso fosse sediado no Chile, algo que não foi cogitado publicamente pela entidade organizadora ―antes de chegar ao Brasil, o torneio foi anunciado na Colômbia, que vive onda de protestos sociais, e na Argentina, que enfrenta nova onda de contágios da covid-19.

“É importante frisar que em nenhum momento quisemos tornar essa discussão política”, também ressaltam os jogadores, num malabarismo retórico, temor de serem ainda mais engolidos pela intensa polarização política. É a primeira vez que a delegação brasileira fala em conjunto sobre a realização da Copa América no Brasil, após dias conturbados no ambiente interno da seleção que incluíram o afastamento do presidente da CBF, Rogério Caboclo, acusado de assédio sexual por uma funcionária, e a insatisfação levantada pelos próprios jogadores acerca da realização da competição no país, sem falar na campanha de bolsonaristas contra o técnico Tite.

Em boa medida o teor do texto dos jogadores já havia sido antecipado por Marquinhos, que capitaneou a seleção na vitória contra o Paraguai, na saída do gramado. “Em momento algum negamos vestir essa camisa. A partir de agora vamos ver o que vai ser decidido. Existe uma hierarquia. Sabemos do nosso papel”, disse o zagueiro. Na entrevista coletiva após o jogo, Marquinhos ainda completou que “todos têm o direito de ter sua opinião política, mas que faça em casa, não com a camisa da seleção”.

Por fim, o conteúdo da manifestação foi endossado também por Tite e por Juninho Paulista, coordenador de futebol da CBF. “Nós temos posições, mas sabemos que é preciso externar num momento particular. Agora não é esse momento”, declarou Tite. O treinador, cuja demissão chegou a ser cogitada após críticas feitas por apoiadores de Bolsonaro, disse que não se sentiu ameaçado no cargo. “Só pensei em escalar o time certo. Não sou hipócrita, não sou alienado, mas a prioridade é meu trabalho”, afirmou o treinador.

A atuação brasileira nesta terça-feira quebrou um tabu de 35 anos sem vitória sobre o adversário pelas Eliminatórias da Copa do Mundo e fez Tite igualar o recorde de João Saldanha, em 1969, o único treinador do Brasil até hoje a ganhar os seis primeiros jogos do torneio classificatório. Saldanha foi demitido do cargo no ano seguinte por críticas feitas ao regime militar. Tite, apesar das desavenças com o Planalto, parece ter tudo para se manter no comando até o Mundial de 2022.

STF dará a palavra final sobre a Copa América em sessão extraordinária

O caminho acidentado da Copa América no Brasil ainda está longe de acabar. Assim como os principais temas políticos recentes do Brasil, a competição também virou tema no Supremo Tribunal Federal (STF). A realização do torneio em meio à pandemia de covid-19 será debatida e votada pelos ministros do Supremo em sessão extraordinária nesta quinta-feira, 10 de junho, que pode durar até 24 horas. A inserção do assunto na pauta se deve a dois pedidos contra a escolha da sede que têm relatoria de Carmen Lúcia e foram aceitos pelo presidente Luiz Fux: um do deputado federal Julio Cesar Delgado (PSB-MG), com apoio do partido, e outro da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM).

A justificativa de Cármen Lúcia aceita por Fux diz que a sessão extraordinária é necessária pela “excepcional urgência e relevância do caso e da necessidade de sua célere conclusão, considerando que se noticia o início da competição desportiva questionada para o próximo dia 13 de junho”. Na sessão, os ministros votarão acerca de como proceder com o torneio que, desde que foi confirmado no Brasil —a duas semanas de seu início, após as desistências de Argentina e Colômbia—, levanta críticas pela crise sanitária que o país vive no momento. “Trata-se de verdadeiro contrassenso sediar um vento desta magnitude num momento tão delicado, como se não bastassem as dificuldades atuais que já são enfrentadas”, afirma Delgado, que poderá fazer sustentações orais contra a competição na sessão através de seus advogados, antes que os ministros votem, assim como a CNTM.

Da mesma forma, a Advocacia Geral da União (AGU) deve representar a presidência da República no julgamento para defender a Copa América no Brasil. O presidente Jair Bolsonaro não só autorizou a competição no país, que tornou-se trunfo político e cortina de fumaça num momento em que o Governo federal enfrenta crises, como a defendeu publicamente desde a confirmação. “Está tendo Libertadores, Eliminatórias, campeonato brasileiro (...) Essa bronca toda é porque a Globo não tem o direito de imagem”, argumentou ele em conversa com apoiadores. Nesta terça (8), Bolsonaro se encontrou presencialmente com Luiz Fux mas, segundo informação do STF, os presidentes trataram apenas da sucessão do ministro Marco Aurélio Mello, que deve se aposentar em julho deste ano.

A Copa América já tem sedes, datas e tabelas confirmadas, e deve estrear com o Brasil enfrentando a Venezuela no domingo, 13 de junho, no estádio Mané Garrincha, em Brasília. Cuiabá, Rio de Janeiro e Goiânia também receberão partidas da competição, que está prevista para terminar em 10 de julho. A essa altura, apenas a sinalização negativa do Supremo inviabilizaria a realização do torneio neste mês.

Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$

Clique aqui


Inscreva-se aqui para receber a newsletter diária do EL PAÍS Brasil: reportagens, análises, entrevistas exclusivas e as principais informações do dia no seu e-mail, de segunda a sexta. Inscreva-se também para receber nossa newsletter semanal aos sábados, com os destaques da cobertura na semana.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_