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Kobe Bryant, a lenda do basquete que driblou o impossível

Tão conhecido na China, Austrália e Espanha como nos Estados Unidos, seu legado foi muito além do esporte, de seu jogo e de seus recordes

Kobe Bryant no dia em que se retirou das quadras em 2016.
Kobe Bryant no dia em que se retirou das quadras em 2016.Harry How (Getty)
Robert Álvarez

A morte, e ainda mais se é tão prematura como foi a de Kobe Bryant (41 anos e 156 dias), confere uma nova perspectiva sobre a dimensão de toda uma vida. E especialmente se é uma estrela da NBA, uma lenda do basquete, um dos primeiros astros do esporte globalizado, tão conhecido na China, Austrália e Espanha como nos Estados Unidos.

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O destino quis que a tragédia acontecesse um dia depois de LeBron James o superar na terceira colocação da classificação de maiores pontuadores. Um detalhe menor, até mesmo previsível, mas revelador da grandeza do homem apelidado de Mamba Negra e tão acertadamente definido por Jeanie Buss, a proprietária dos Lakers. “Obrigado por sua mentalidade, por sua capacidade de trabalho, por agir sem medo de nada, por elevar o nível de seus colegas de time e de toda a Liga. Pedimos luta e você nos deu coração e nos mostrou como ganhar. Que enorme marca deixou. Seu legado vai além do basquete. Nunca mais os Lakers vestirão o número 8 e o 24 porque foram aposentados”, disse a ele em 19 de dezembro de 2017, o dia em que aposentaram não só uma, mas as duas camisetas que vestiu na equipe em que jogou durante toda a sua carreira, de 1996 a 2016.

Ele se aposentou em 13 de abril de 2016, com 37 anos, em uma partida memorável contra o Utah em que marcou 60 pontos. Era capaz disso e de muito mais, como a vez em que marcou 81 pontos em uma partida contra o Toronto, em 2006. Nada comparado à autêntica raiz de sua paixão pelo basquete, a competitividade elevada ao máximo. Era obsessivo. Para ele não havia nada impossível. Nem mesmo um mito do esporte como Michael Jordan o intimidava. Contou dessa forma seu primeiro duelo com o legendário astro dos Chicago Bulls.

Em um podcast com o treinador da Universidade de Connecticut, Geno Aurienmma, contou a maneira como enfrentou seu primeiro duelo com Michael Jordan: “Estava pensando em meu interior. ‘Não ligo. Vou destruir esse cara. Não ligo que tenho 18 anos, quero sangue’. E a primeira coisa que ele fez foi pegar a bola no canto, uma pequena finta, e escapuliu pela linha de fundo. Ele me deixou enfeitiçado. Lembro que ri sozinho por toda a quadra. Vi esse movimento milhares de vezes e não podia acreditar. E depois disso, disse a mim mesmo, ‘OK, vamos trabalhar’. Sempre que o enfrentava, era um desafio para mim como iria responder aos seus movimentos”.

Kobe não chegou a conquistar os seis anéis de Michael Jordan, mas terminou sua carreira com números invejáveis: cinco anéis, terceiro maior cestinha da história – superado somente por Abdul Jabbar, Karl Malone, e agora LeBron James –, 18 vezes All Star, duas vezes MVP das finais e uma vez MVP da temporada, em 2007-2008. Tudo sempre com os Lakers. E com a seleção dos Estados Unidos, duas medalhas de ouro, a das Olimpíadas de 2008 em Pequim e de 2012 em Londres, em que foi a alma da equipe que se redimiu de seu fracasso de 2004 em Atenas.

A influência de seu pai Joe Bryant em sua carreira foi enorme. Jogador dos Sixers, San Diego Clippers e Houston Rockets, quando Kobe tinha seis anos foi contratado pelo Rieti em uma etapa na Itália que durou sete anos. A família retornou aos Estados Unidos em 1991. Após se destacar como ala-armador e lateral e acabar o ensino médio, decidiu não passar pela universidade e entrou no ‘draft’ de 1996. Foi escolhido na 13º posição por Charlotte, que o trocou com os Lakers pelo sérvio Vlade Divac.

Chegou com Michael Jordan e se foi, vinte anos depois, deixando que Stephen Curry e LeBron James continuassem com a estirpe dos legendários. Anunciou que se aposentava em novembro de 2015, desesperado pelas lesões sérias que sofreu em sua última etapa, no tendão de Aquiles, no joelho e no ombro. As viagens dos Lakers se pareceram mais com uma turnê de uma estrela mundial do rock. Foi homenageado em cada uma das quadras nas quais foi tão odiado e vaiado durante tantos anos. No final aflorou um sentimento de gratidão e admiração para um jogador único, de uma competitividade extrema. “Percebi que havia conquistado tudo aquilo que havia sonhado”, disse Kobe. “Não era tão importante ser o melhor da história, e sim o rumo de minha carreira e a influência sobre a próxima geração”.

Com Kobe ao seu lado, todos sabiam que a exigência seria infinita. Seu amigo Pau Gasol sabia bem disso, colega de time desde sua contratação pelos Lakers em 2008, até sua saída em abril de 2014. O pivô espanhol, que soube da morte de Kobe em Girona, onde se recupera de uma lesão no pé, escreveu uma emotiva carta quando o ídolo dos Lakers se aposentou: “Em meu primeiro dia com os Lakers, encontrei a equipe no Ritz em Washington D.C. e quando era 1h30 da madrugada alguém bateu em minha porta. Foi assim que descobri que Kobe não dorme muito. Sentei na cama, acho, e ele se sentou na mesa ao lado da televisão. Deu as boas-vindas à equipe e me disse que era o momento. Era o momento de ganhar. Ele sentia que eu poderia levá-lo ao topo novamente e queria se certificar de que eu soubesse”.

E foi assim que começou o segundo triênio triunfal de Kobe, o que o levou a disputar três finais e ganhar duas em 2009 e 2010, para engrandecer como merecia a carreira daquele jovenzinho que, quando tinha 21 anos, começou a coleção de três anéis seguidos, sob a asa protetora de Shaquille O’Neal, Derek Fisher e sempre, à época e depois com Pau, dirigido do banco por Phil Jackson. Os dois anéis com Pau também foram uma espécie de desagravo com Shaquille O’Neal. Tiveram seus atritos, e o grandalhão, em suas bravatas, chegou a dizer que Kobe não seria capaz de voltar a ganhar. Ganhou, com Pau.

Sua relação também teve altos e baixos e Kobe não hesitou no momento de exigir seu amigo: “Sinto falta dele. Sinto falta de sua presença. Sinto falta de sua atitude. Poucos jogadores a têm. O ‘Cisne Branco’, o ‘Cisne Negro’, todas essas coisas não me incomodavam. Não me frustraram. Demonstrou que se importava comigo. Foi um amor duro. Ele me desafiava porque esperava mais de mim. Quando alguém te desafia quer dizer que se preocupa por você. Quando te ignoram é que você não importa. É aí que precisa se preocupar. Talvez eu seja mimado porque sei o que é sentir a vitória e adoro essa sensação. Muda meu humor. Me afeta. Acho que ganhando estenderei minha carreira e me motivará a fazer mais. Ter estado ao lado de Kobe teve um impacto em minha vida”.

No dia que aposentaram as camisetas nos Lakers, com sua esposa Vanessa e suas quatro filhas, Natalia Diamante, Gianna-Maria Onore, Bianka Bella e Capri, seu predecessor Magic Johnson lhe disse no centro da quadra do Staples Center. “Este país precisa da união que você trouxe aos Lakers durante 20 anos”.

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