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Elon Musk busca fincar satélites nos céus brasileiros, um mercado ainda pouco regulado

Multibilionário dono da Tesla e da SpaceX quer oferecer serviço de internet via satélites de baixa órbita no Brasil para conectar comunidades carentes. Ex-presidente da Anatel prega “cautela” para o setor

Gil Alessi
O ministro Fábio Faria e o empresário Elon Musk durante encontro em novembro.
O ministro Fábio Faria e o empresário Elon Musk durante encontro em novembro.Divulgação

O homem mais rico do mundo, o multibilionário sul-africano Elon Musk, quer fincar raízes no Brasil —ou melhor, nos céus do país. O empresário, responsável pela marca de carros elétricos Tesla e pela empresa de aviação espacial SpaceX, planeja expandir por aqui a sua constelação de satélites de baixa órbita (até 2.000 km da Terra), conhecida como rede Starlink. Em novembro, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, se reuniu com o empresário nos Estados Unidos. No centro da pauta estava a proposta de usar os satélites de Musk para levar internet sem fio a locais remotos que a fibra óptica e a telefonia móvel têm dificuldade de acessar. E, de quebra, monitorar o desmatamento da Amazônia —algo que não parece uma prioridade para o Governo Bolsonaro, tendo em vista os sucessivos recordes de devastação da floresta. “Estamos ansiosos para poder proporcionar conectividade para os menos conectados”, disse o empresário.

A expectativa é de que a rede comece a operar no Brasil em 2022. No final de novembro, Musk protocolou um pedido para realizar o primeiro teste no país, com o objetivo de conectar alunos de um centro estudantil na comunidade Savoyzinho, na Zona Leste de São Paulo, a uma rede de alta velocidade operada por satélites. A demonstração ainda não tem prazo para ocorrer. Este tipo de operação dispensa licitação, de acordo com resolução do Conselho Diretor da Anatel que eliminou os leilões de posições orbitais. Devido à alta complexidade e tecnologia dos sistemas envolvidos, a implementação da rede de satélites depende apenas de uma autorização do órgão regulador —a própria Anatel—, que já deu luz verde para parte da infraestrutura da Starlink.

Atualmente a empresa conta com 4.200 satélites em órbita (1.600 deles voltados para fornecimento de internet). Até 2027 a meta é alcançar um total de 42.000 unidades, fazendo de Musk o senhor dos céus. Em outubro o Chile se tornou o primeiro país latino-americano a contar com a rede Starlink para levar conectividade às áreas rurais ou isoladas. A empresa se encarregou de distribuir os kits para recepção de sinal de satélite (antena e roteador), e o serviço será oferecido gratuitamente por um ano. Após este período as prefeituras dos municípios atendidos terão de arcar com os custos, e o serviço será oferecido também para consumidores em geral. De acordo com informações da empresa, a rede Starlink já opera nos Estados Unidos e em vários países da Europa, como Alemanha, França e Reino Unido.

A preponderância do empresário neste ramo preocupa autoridades e entes regulatórios pelo mundo. Em entrevista ao jornal Financial Times, Josef Aschbacher, diretor da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês), criticou a rapidez com que os Governos abrem as portas para a Starlink. “Você tem uma pessoa que é dona de metade de todos os satélites ativos no mundo. Isso é assustador. Na verdade, ele faz as regras [do setor]. O resto do mundo não está respondendo com a velocidade adequada”, afirmou. Ele também defendeu condições justas de concorrência no mercado: “Os Estados europeus deveriam coletivamente ter interesse em oferecer oportunidades equivalentes para provedores europeus neste segmento.”

Independentemente da voracidade com que Musk busca abocanhar uma fatia enorme deste mercado —e dos céus—, é fato que em alguns lugares do país e do mundo redes orbitais como a da Starlink são a única chance de acesso à internet. “O Brasil é satellite friendly [amigável a satélites], como costumamos dizer. Em várias regiões do país, a única solução, quando não chega meio físico [de conexão], são satélites”, afirma Juarez Quadros, engenheiro especializado em telecomunicações, ministro das Comunicações durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e ex-presidente da Anatel por dois mandatos. Mesmo defendendo a necessidade destas “constelações” de satélites, como são conhecidas, ele prega cautela: “Tudo isso requer muita atenção, não só por parte do Brasil, mas por parte das nações. É algo que ainda não está tão pacificado do ponto de vista regulatório e tecnológico. Importante dizer que a Anatel tem um quadro especializado nessa questão, e eles ainda estão tratando disso”.

A Starlink de Musk não é a única empresa de satélites de baixa altitude cortejada por Faria. Também em novembro ele se reuniu em Glasgow, durante a COP26, com representante da OneWeb, uma competidora da companhia de Musk. Nas redes sociais, o ministro celebrou: “Reunião com a empresa OneWeb, que possui 350 satélites de baixa órbita, planeja alcançar 500 e está lançando dois centros de controle no Brasil. Eles têm grande interesse em colaborar para atender localidades e escolas rurais, além de ajudarem na proteção da Amazônia”. A OneWeb e outras três companhias também já solicitaram licenças à Anatel para operar satélites de baixa órbita no Brasil.

Astronomia

Existe um outro tipo de impacto decorrente destas constelações de satélites. Parte da comunidade científica critica as iniciativas de Musk e de empresas rivais, uma vez que o aumento exponencial de objetos em órbita pode dificultar observações astronômicas. Esses satélites refletem a luz do sol, ofuscando o brilho de outros corpos celestes. Observações telescópicas e medições eletromagnéticas também podem ser afetadas. “Isso me afeta muito, mas pode causar problemas a quem se dedica a procurar cometas, estrelas e outros astros por meio de telescópios, é sério mesmo para a ciência”, explicou o astrofotógrafo Daniel López ao repórter Javier Salas.

A Starlink pode ser apenas uma das pontas do interesse de Faria nas tratativas com Musk. O ministro afirmou em entrevista à revista Veja que convidou o empresário a abrir uma fábrica de semicondutores no Brasil. Atualmente o mundo sofre com a escassez desses circuitos, utilizados em aparelhos eletrônicos como telefones celulares, antenas e carros. Em fevereiro deste ano a Tesla chegou a suspender parcialmente a produção de veículos devido à falta de semicondutores. “Ele me disse que não fazia parte do core business [negócio central] investir em uma fábrica de semicondutores, afinal, ele gosta de investir apenas em tecnologias que ainda não existem, mas reconheceu que precisa de semicondutores para tudo. Um carro da Tesla, por exemplo, precisa de 10.000 peças”, afirmou Faria. O ministro chegou até a propor um local para a construção das instalações: “O Nordeste tem tudo para virar um hub de inovação, que pode vender para a América Latina inteira (...) o Nordeste é como a Califórnia. Foi esse paralelo que fiz para ele”.

A reportagem procurou o Ministério das Comunicações para saber sobre prazos, custos, tamanho da população beneficiada e eventuais contrapartidas para a empresa de Musk. A pasta respondeu que a reunião “foi um contato inicial, no qual foram discutidas possíveis soluções para questões de interesse comum”. Além disso, a nota afirma que somente após todas as autorizações da Anatel “as empresas podem buscar firmar parceiras com o Governo Federal”.

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