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Mercado imobiliário escapa da crise com ‘boom’ durante a pandemia, mas alta de juros pode estragar a festa

Em São Paulo, números apontam recorde de lançamentos e vendas. Juros baixos até o início do ano favoreceram construtoras, mas cenário desanda com alta da taxa e da inflação

Prédios em construção na zona oeste de São Paulo.
Prédios em construção na zona oeste de São Paulo.Lela Beltrão
Diogo Magri

O mercado imobiliário celebra a melhor onda de lançamentos de edifícios dos últimos cinco anos. O setor já considera 2021 o período em que houve o maior aquecimento do mercado imobiliário em São Paulo. Dados do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP) mostram que a quantidade de unidades lançadas e vendidas disparou nos meses de janeiro a setembro deste ano. Foram lançadas quase 50.000 nos primeiros nove meses deste ano, o dobro da quantidade de 2020 e o triplo da de 2018. Ao mesmo tempo, foram 47.000 imóveis vendidos, 15.000 a mais que 2020 e 2019, que tiveram números iguais. Segundo especialistas da área, a construção civil fechará neste ano seu maior PIB desde 2014. No entanto, o boom imobiliário corre risco, uma vez que as construtoras precisam lidar com a gangorra dos juros no Brasil.

Se a taxa Selic foi a principal aliada do setor em 2020, por baratear o crédito para as construtoras erguerem imóveis, hoje ela é a principal ameaça. De setembro do ano passado a março de 2021, ela esteve no menor patamar do século: 2%. Boa parte das vendas aconteceu por meio de contratos de financiamentos imobiliários feitos com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que fechou em 4,52% em 2020. Era um bom negócio para a construtora e para o consumidor. Mas o cenário mudou quando os juros começaram a subir justamente para controlar a inflação que perdeu o rumo nos últimos meses. A estimativa para o IPCA deste ano é fechar acima de 10%. A taxa de juros saltou para 7,75%, o que bate em cheio no bolso de quem assinou financiamentos de longo prazo, ou em quem estava fazendo contas para comprar seu imóvel neste ano.

Números da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) apontam para uma desaceleração das vendas no terceiro trimestre. Segundo a Câmara, foram vendidas quase 188.000 unidades em todo o Brasil, entre janeiro e outubro deste ano. São 22,5% de vendas a mais que o período correspondente em 2020. Ao mesmo tempo, o terceiro trimestre de 2021 vendeu 10% a menos que o terceiro trimestre de 2020. Em agosto passado a Selic já estava em 5,25% e passou para 6,25% em setembro. “Estamos sentindo uma arrefecida. Não vamos parar de vender, mas não vai haver a mesma curva ascendente deste ano em 2022″, avalia Celso Petrucci, vice-presidente da CBIC e economista-chefe do Secovi. Petrucci lembra que 2022 é um ano eleitoral, que sempre traz incertezas.

Carlos Bernardes, presidente do conselho consultivo do Secovi, descarta a possibilidade de que essas alterações na oferta e demanda causem grandes mudanças nos preços das unidades, e tampouco uma bolha imobiliária. “Pode haver uma flutuação pequena por um excesso de prédios sendo construídos agora, mas pelo que esperamos de demanda habitacional nos próximos anos, a tendência é que esse efeito seja mitigado a médio prazo”, afirma.

Alguns indícios apontam que alguns compradores começaram a devolver o imóvel, pelo chamado distrato, um número que o setor não gosta de expor. Os dados mais atualizados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC) são do primeiro trimestre de 2021, quando apontavam um crescimento de 18% no número de distratos em comparação com o mesmo período em 2020 (5.751 contra 4.883). Entre janeiro e março, a Selic passou de 2% para 2,75%. A dúvida é o que aconteceu quando a taxa de juros foi subindo para 7,75%, com perspectiva de nova alta em uma próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). A entidade informa que até julho de 2021, os distratos representaram 13% do total de vendas no setor. Em 2018, como comparação, 27% dos imóveis vendidos foram retomados. Entretanto, a entidade não divulga números brutos que possam dar uma comparação melhor da oferta e demanda nesse caso.

A Caixa Econômica Federal, banco com mais financiamentos para compra de imóveis no país, também não revela quantos imóveis foram retomados por não pagamento de parcelas em contratos de financiamento imobiliário. O presidente do banco, Pedro Guimarães, disse durante a divulgação do balanço, que a liberação de crédito continua normalmente. No último trimestre de 2020, as contratações de crédito imobiliário por parte do consumidor referenciado pelo IPCA representaram 17,5% das concessões, com 3,3 bilhões de reais e 13.000 contratos, segundo a instituição. A Caixa tem 66% de participação no total de contratos no mercado e 5,83 milhões de contratos atualmente.

De acordo com a legislação brasileira, a retomada do imóvel por parte do banco pode acontecer a partir do terceiro mês em que as parcelas não são pagas. Quem fechou financiamentos com base no IPCA pode estar pagando o dobro do porcentual cobrado do que quando assinou o contrato no ano passado, por exemplo. “Essa é a nossa maior preocupação”, admite Wilson Rascovit, vice-presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH). “As pessoas, especialmente das classes média e baixa, compram com base na situação econômica do momento, iludidas que os juros baixos se manterão a longo prazo. Depois vem a dor de cabeça”, afirma.

Horizonte de prédios sendo construídos em São Paulo.
Horizonte de prédios sendo construídos em São Paulo.Lela Beltrão

Ainda que o boom tenha arrefecido, é fato que o país tem uma demanda habitacional “sempre alta” em São Paulo, conforme avalia Celso Petrucci, vice-presidente da (CBIC) e economista-chefe do Secovi. “Todos esses fatores tornaram o cenário muito favorável para o mercado imobiliário em 2021, para consumidores e construtores”, garante.

A CBIC prevê que o PIB da construção civil neste ano será o maior desde 2014. “Considerando a pandemia, temos muito que comemorar. Nosso setor não foi tão atingido”, celebra Petrucci.

Um dos fatores que ajudou o boom em São Paulo foi a oferta de imóveis menores, de até 45 metros quadrados. Segundo dados do Secovi, das quase 50.000 unidades lançadas em 2021, 37.500 seguem esse padrão. E dos 47.000 imóveis comprados, quase 40.000 custaram até 500.000 reais. “Quem compra são jovens que conseguem morar em apartamentos pequenos, para pessoas solteiras. O público-alvo são esses jovens estabelecidos, com condições de fazer financiamentos, além de investidores que compram para revender mais caro ou alugar”, afirma Wilson Rascovit. Em São Paulo, esse tipo de empreendimento tem relação direta com o Plano Diretor. Esta é a legislação urbana criada pela gestão do prefeito Fernando Haddad (PT), aprovada em 2014 e que, entre outros pontos, incentivou a construção de apartamentos pequenos a partir da obrigação de um número mínimo de unidades por prédio.

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