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Venezuela se prepara, pela terceira vez, para uma nova moeda

Na terceira reconversão sob o chavismo, para cada milhão de bolívares será emitida uma nova nota de um bolívar

Un transportista muestra un fajo de bolívares
Um trabalhador dos transportes mostra um maço de bolívares, em 12 de março de 2021, em Caracas, quando uma bengala de pão custava um milhão de bolívares.RAYNER PEÑA R. (EFE)

Os venezuelanos sabem o que acontece com cada reconversão. Seus rendimentos passarão de novo pela poda da desvalorização e eles ficarão mais pobres. Nada mudará realmente quando o bolívar deixar a denominação de soberano, o acréscimo que Nicolás Maduro lhe deu em 2018 ao substituir o então chamado bolívar forte. Apesar de que continuará a haver notas, ele agora a chamou de bolívar digital, talvez pela importância que as transações eletrônicas adquiriram em uma economia hiperinflacionária e pela alta penetração do dólar norte-americano no país.

Alguns dias antes de o bolívar perder mais seis zeros, as ruas de Caracas estão agitadas. Teresa Hernández, 42, fez fila para estocar carne e aproveitar para economizar antes da alta dos preços que acompanha cada ajuste monetário. Tudo ficará mais caro depois desse limbo de dois dias em que os bancos permanecerão fechados para ajustar seus sistemas, dando lugar ao novo bolívar nesta sexta-feira, com os 14 zeros que perdeu em 13 anos. “A reconversão já chegou, porque agora comprei menos com o mesmo dinheiro”, comenta a mulher com ironia.

Há meses, os valores das compras são impossíveis de calcular na Venezuela. Mais uma vez, os pontos de venda se tornaram escassos e as transações têm que ser divididas em partes para serem processadas pelo número de zeros. De vez em quando os venezuelanos aplicam sua própria reconversão na linguagem e os quatro milhões que um dólar pode custar, na fala popular passam a 4.000 e para alguns até quatro. Pagar é uma complicação da vida cotidiana da Venezuela. Essa nova desvalorização ocorre em meio a uma maior presença do dólar, o que significou um respiro para a economia, mas também criou um novo fosso entre quem pode obter renda em moeda estrangeira e quem não pode.

“Essas mudanças são cosméticas. Não há nada de fundamental aqui”, sentencia Daniel Osorio, presidente da consultoria Andean Capital Advisors, em Nova York, e que atende a região da América Latina. “Não existe uma política monetária ou uma política fiscal séria, organizada e ortodoxa. Isso é improvisar para conter essa hiperinflação, que eles nunca vão deter com o que estão fazendo”, acrescenta, referindo-se à decisão anunciada no dia 25 de julho pelo presidente Maduro.

A inflação de preços no país é tamanha que ficou impossível de medir e reflete uma crise de confiança nas autoridades, explica Osório. “Tentam remover os zeros de uma moeda para torná-la mais bonita, de modo que a hiperinflação não seja perceptível, mas a hiperinflação não se importa com quantos zeros a moeda de um país tem. Não muda o fato de que as pessoas têm menos dinheiro e menos capacidade de gastar a cada dia”, diz Osorio.

A última reconversão, em que eliminaram cinco zeros, foi em 2018. Naquele momento, as novas cédulas estavam, como antes, adornadas com o rosto do herói latino-americano Simón Bolívar e só se diferenciavam das anteriores pelos zeros e a cor. Mas há muito tempo essas notas não são vistas na mesma proporção do dólar, porque perderam rapidamente o valor. Depois de 15 anos de controle cambial, em 2019 a economia foi liberalizada sem nenhum anúncio e a cédula que é impressa nos Estados Unidos, com a cara de George Washington, circula livremente sem ser um crime. Por outro lado, os bolívares podem ser vistos jogados nas ruas, por seu escasso valor.

A falta de notas ou moedas de pequeno valor para dar troco e a impossibilidade de trocar notas rasgadas ou deterioradas é uma dor de cabeça diária em meio à dolarização informal. “Você tem troco para uma nota de 20 [dólares]?”, perguntava uma mulher antes de pedir seu almoço em uma praça de alimentação local esta semana. Diante da recusa, foi embora sem comer.

Para quem recebe seus rendimentos em dólares, qualquer gestão implica planejamento de cenários: que o negócio possa mudar e não se gaste o valor total da nota em produtos que não sejam necessários; que parte do valor possa ser pago com a nota e o restante preenchido com transferências eletrônicas de bolívares; que a empresa aceite cartões ou transferências internacionais. Algumas lojas começaram a dar troco com dinheiro eletrônico, por meio de um novo serviço bancário. Uma aritmética exaustiva diária que tem que ser repetida em todas as transações e gastos que podem ser feitas em um dia. Os setores mais pobres resolvem isso com a troca de produtos.

Roberto, que trabalha como mototaxista em Caracas, se preocupa porque poucos clientes o pagam em moeda estrangeira. A maior parte dos pagamentos de corridas é feita em bolívares, por meio eletrônico, que não funcionarão nestes dois dias de adoção das novas medidas. Ele não atribui importância ao efeito da reconversão na economia. “Só estão colocando panos quentes”, diz. Para Marcelo Moret, que trabalha no transporte público de passageiros, quase o único lugar em que circulam notas de bolívar, “o novo padrão monetário ainda não nasceu e já está morrendo” por causa da aceleração da inflação observada nas últimas semanas. Uma passagem de ônibus em Caracas custa 25 centavos de dólar (cerca de 1,35 real), ou o equivalente a um milhão de bolívares. Mas, mesmo com esses valores, os bolívares são insuficientes e as pessoas que podem, pagam em dólares. Após a reconversão, diz Moret, será necessário aumentar a tarifa.

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