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Um dos grandes golpes e escândalos do Vale do Silício vai a julgamento

A empresária Elizabeth Holmes, que alcançou o topo graças ao seu suposto sistema revolucionário de teste de sangue, enfrenta uma dúzia de acusações de fraude e conspiração

Antonia Laborde
Elizabeth Holmes
Elizabeth Holmes, fundadora da Theranos, em um tribunal federal de San Jose, Califórnia, em 2019.JUSTIN SULLIVAN (AFP)
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Elizabeth Holmes, a jovem que deslumbrou o Vale do Silício com seu sistema de teste de sangue capaz de detectar doenças com apenas uma picada no dedo, enfrenta uma dúzia de acusações de fraude e conspiração. Começa nesta terça-feira a escolha do júri que vai definir o futuro da criadora da startup Theranos, na Justiça Federal de San Jose (Califórnia), que corre o risco de ser condenada até 20 anos de prisão. O Departamento de Justiça acusa a empresária e seu ex-sócio e ex-namorado Ramesh Balwani de enganar investidores, médicos e pacientes. Ambos se declararam inocentes. Os advogados de Holmes planejam defender no julgamento que a fraude não foi deliberada e que Balwani manipulou e abusou de sua sócia nos anos em que executou o golpe.

Holmes fundou a Theranos em 2003, quando tinha 19 anos. Ela abandonou a Universidade de Stanford com a ideia de reinventar a infraestrutura do laboratório clínico. Em sua história, ela contava que o medo de seringas e câncer de um tio a levou a inventar um sistema para detectar doenças como HIV ou diabetes em questão de minutos com uma picada do dedo indicador. Investidores da estatura do magnata da mídia Rupert Murdoch colocaram seu dinheiro na empresa, que em 2009 já era avaliada em 9 bilhões de dólares. Ela fez parte do seleto clube dos unicórnios, como são conhecidas empresas que ultrapassam 1.bilhão de dólares antes de abrirem o capital. A mídia falou sobre o nascimento do novo Steve Jobs.

Com apenas 30 anos, Holmes —loira, magra, de olhos esbugalhados e sempre de preto— se tornou a mulher mais jovem a entrar na lista da Forbes das 400 pessoas mais ricas dos Estados Unidos em 2015. A fortuna da empresária foi estimada em mais de 4,5 bilhões de dólares (cerca de20 bilhões de reais), metade do valor da Theranos na época. No ano seguinte, o novo mito da meca tecnológica havia desaparecido da lista e enfrentava o escrutínio de autoridades, cientistas e investidores.

Uma investigação do The Wall Street Journal revelou que os exames diagnósticos não vieram do sistema criado por Holmes: 99 em 100 exames de sangue foram realizados por máquinas que eles compraram da Siemens, empresa com a qual a startup pretendia competir. Além disso, testes feitos com o novo sistema entregaram resultados errados em várias ocasiões, de acordo com a publicação. O Departamento de Justiça acusou Holmes e Balwani de enganar os investidores, dizendo que as máquinas de análise de sangue expressas poderiam realizar uma ampla gama de testes clínicos usando uma gota de sangue, quando ambos sabiam que a eficácia era limitada, pouco confiável e lenta.

A acusação foi um escândalo de proporções. Não apenas porque Holmes se tornou o rosto da inovação biotecnológica, mas porque seu produto era oferecido na Walgreens, a principal rede de farmácias dos Estados Unidos, e nas lojas Safeway em algumas cidades. Era uma startup na qual o ex-presidente Bill Clinton e o magnata Carlos Slim, entre outros milionários, haviam investido. O conselho da própria empresa incluía senadores, generais, empresários de alto escalão e até o ex-secretário de Estado Henry A. Kissinger. Nenhum deles questionou o suficiente sobre o produto. A história da jovem que abandonou os estudos para realizar sua grande ideia, sua visão, foi o suficiente.

A Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC) concluiu que Holmes criou um esquema fraudulento por meio de sua empresa que lhe permitiu levantar 750 milhões de dólares. A SEC também destacou Balwani, que presidia a Theranos e atuava como diretor de operações quando o golpe ocorreu. Ambos convenceram os investidores com informações falsas de que eles tinham um sistema exclusivo de teste de sangue nas mãos. “Eles exageraram e mentiram sobre a tecnologia, os negócios e o desempenho financeiro da empresa”, revelou o regulador. Os suspeitos de fraude serão julgados separadamente.

Nos documentos do tribunal contra a empresária, os promotores federais observam que “dezenas de milhares de pacientes podem ter sido afetados” pela fraude ou podem ter recebido tratamentos e diagnósticos “desnecessários ou prejudiciais”. As testemunhas que irão depor no julgamento incluem uma mulher que estava grávida e que teve um aborto diagnosticado de forma errada pelo resultado do teste e pessoas que foram erroneamente diagnosticadas com HIV. Os promotores solicitaram o banco de dados de pacientes em 2018 para estabelecer um possível padrão de resultados incorretos, mas os funcionários da Theranos o destruíram.

Espera-se que os advogados de Holmes defendam a ideia de que ela não enganou deliberadamente seus investidores e pacientes, e que se exagerou as capacidades e os resultados do produto, foi porque estava cega pela ambição. A frase fake it until you make it (finja até conseguir seu objetivo) provavelmente terá um papel importante no processo judicial. Documentos judiciais apresentados na semana passada pela defesa de Holmes revelam que eles planejam acusar seu ex-parceiro de abuso psicológico, emocional e sexual, “essencialmente dominando-a e apagando sua capacidade de tomar decisões”, de acordo com a mídia local. Balwani nega tudo.

Holmes, agora casada com Billy Evans, herdeiro de uma rede de hotéis da Califórnia, acaba de se tornar mãe. Sua situação pessoal e a pandemia a forçaram a adiar repetidamente o julgamento. As discussões de abertura começarão na próxima semana e o processo está programado para durar quatro meses.

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