_
_
_
_
_

“Não é verdade que a Argentina se nega a reformar o Mercosul”

Ministro do Desenvolvimento Produtivo da Argentina, Matías Kulfas, afirma que uma diminuição das taxas alfandegárias como pedem o Uruguai, Brasil e Paraguai é “puro dogmatismo ideológico”

Enric González
Matías Kulfas
O ministro do Desenvolvimento Produtivo da Argentina, Matías Kulfas, durante a entrevista com o EL PAÍS em seu gabinete, em 31 de março de 2021.Foto:Enrique Garcia Medina
Mais informações
Tres personas se protegen del virus con mascarillas
Um de cada três países da América Latina e Caribe está em situação de “vulnerabilidade financeira”
Imagen tomada por un dron de un nudo viario en Rosedale (Maryland), este miércoles.
Os dois trilhões de dólares de Biden para promover milhões de empregos e sair da crise da pandemia
A woman passes by a wall with a legend reading "No to the Debt Payment" in Buenos Aires, on August 3, 2020 amid the COVID-19 novel coronavirus pandemic. - August 4 marks deadline for concluding debt negotiations with bondholders. On late July, the Exchange Bondholders, Ad Hoc and Argentina Creditor Committee groups rejected the South American country's latest proposal and submitted a counteroffer of their own, which was subsequently dismissed by Argentina President Alberto Fernandez. (Photo by Juan MABROMATA / AFP)
Argentina quer adiar até 2022 a renegociação de sua dívida com o FMI

Matías Kulfas, ministro argentino de Desenvolvimento Produtivo, admite que o Mercosul atravessa “um momento de tensão”. Membros como o Uruguai e o Brasil querem mais flexibilidade e menores taxas alfandegárias externas e a última reunião do órgão, dias atrás, acabou de forma exasperada. “Não é verdade que a Argentina se nega a reformar o Mercosul”, diz Kulfas, durante uma entrevista realizada em seu gabinete ministerial. “Queremos uma reforma, mas com tempo e de modo pragmático. A ideia de que reduzindo taxas alfandegárias tudo se moderniza de uma vez é puro dogmatismo ideológico”.

Pergunta. O Governo argentino acaba de anunciar medidas para atrair investimentos.

Resposta. Sim, flexibilizaremos as restrições cambiais quando se tratar de investimentos grandes, superiores a cem milhões de dólares, em setores exportadores como a mineração, a energia e a agroindústria. Quando chegamos ao Governo já existia o chamado cepo (controle cambiário). Sofríamos uma crise na balança de pagamentos, mais uma em nossa história, somada a um problema de excesso de endividamento. Agora queremos que os setores exportadores possam ter divisas. Não gostamos das restrições, mas não temos alternativas, pela escassez de dólares. A nova ferramenta vai na direção de ir abrindo o cepo e esperamos que quando as exportações melhorem possamos continuar avançando por esse caminho.

P. “Temos que viver com o nosso”, já disse o presidente Alberto Fernández, sobre reduzir as importações.

R. O presidente não tem ideias autárquicas e nacionalistas. Pensa na integração internacional da economia argentina e pensa no Mercosul. O que o presidente coloca é a necessidade de sair de um modelo centrado na especulação financeira para apostar na produção e no trabalho. Queremos fomentar o comércio exterior e receber investimentos estrangeiros. Mas o ponto de partida de nosso Governo é muito complicado, com uma grande crise macroeconômica e a pandemia.

P. Seus parceiros no Mercosul criticam as altas taxas alfandegárias externas (14% em média) e querem estabelecer livremente alianças comerciais com outros países.

R. Não é verdade que nós não queremos mudar nada no Mercosul. Expusemos a nossos parceiros uma modificação da taxa alfandegária exterior comum e fomos muito ambiciosos: propusemos que em aproximadamente 1.800 itens a taxa baixe a 0%. O que acontece é que nosso olhar é pragmático. O primeiro é dar coerência à estrutura alfandegária, que ficou velha porque foi definida em meados dos anos de 1990. É preciso modernizar. A questão é como. A ideia de que reduzindo as taxas alfandegárias tudo se moderniza de uma vez é puro dogmatismo ideológico. É preciso discutir em que proporção serão reduzidas e em quais itens serão mantidas. Isso leva tempo. Na Argentina temos experiência com essas coisas, em vários momentos de nossa história tomamos decisões ideológicas, reduzimos as taxas e abrimos nossa estrutura financeira, e terminamos com uma crise na balança de pagamentos. Por isso somos cautelosos.

P. Os ânimos se acalmarão no Mercosul?

R. Apostamos nisso. O Mercosul é um bom projeto e os problemas são resolvidos dialogando. Em qualquer sociedade há momentos bons e ruins, e no Mercosul este é um momento de tensão.

P. “Nenhuma política industrial funciona se a macroeconomia é instável”. O senhor disse isso tempos atrás. É possível fazer política indústria com o quadro macroeconômico atual?

R. Vamos avançando à estabilidade. Conseguimos vencimentos mais razoáveis à dívida privada e negociamos agora com o Fundo Monetário Internacional. A lei de orçamentos contempla uma redução do déficit. Estamos recuperando o crescimento, a níveis até mesmo mais altos do que antes da pandemia. A situação irá se normalizar, apesar de todas as dificuldades.

Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$

Clique aqui

P. Os controles sobre os preços de milhares de produtos foram prorrogados até maio. Muitos fabricantes se queixam de que seus insumos sobem. E a inflação voltou a aumentar.

R. A inflação é um problema adicional. Chegou a 53% em 2019 e pudemos reduzi-la a 36% em 2020, mas no final do ano passado começaram a subir mundialmente os preços das matérias-primas e nós não pudemos, como outros países, absorver esse choque com política cambiária e outras ferramentas. Precisamos impor o mecanismo de preços máximos, que não significa um congelamento de preços. É verdade que muitos insumos subiram e isso afetou a margem de rentabilidade dos fabricantes. O problema existe. Queremos acabar com o mecanismo de preços máximos, mas sem que isso signifique uma explosão inflacionária.

P. Que efeito podem ter sobre os possíveis investidores estrangeiros exigências como a do poderoso Sindicato dos Caminhoneiros, que pede indenizações para todos os funcionários quando uma empresa muda de donos?

R. Mantemos um diálogo permanente com os setores da produção e do trabalho e nos últimos meses, apesar da crise, quase não sofremos conflitos sindicais. Evidentemente, há coisas das quais não gostamos. Por isso, no caso que você cita, o Ministério do Trabalho ditou a conciliação obrigatória. Não apoiamos a iniciativa do Sindicato dos Caminhoneiros porque não avalizamos os abusos, de um lado e do outro. O investidor internacional verá na Argentina o mesmo que nós vemos, um potencial enorme em recursos naturais, industriais e humanos. Naturalmente, os investidores desejam a previsibilidade e a estabilidade macroeconômica. O Governo também as deseja.

P. A disputa com o Governo anterior por se endividar com o FMI ajuda na previsibilidade?

R. O presidente traçou uma linha de trabalho clara: contra um problema de excesso de endividamento, é preciso diálogo e acordos. Essa é a linha em relação ao FMI. No meio, claro, há debate político. A realidade é que o acordo do Governo anterior com o FMI é extremamente chamativo, porque foi o maior empréstimo na história da organização e, sobretudo, não serviu para nada: não estabilizou a economia e não financiou planos de desenvolvimento. Diante disso, alguns setores expuseram a necessidade de realizar indagações adicionais pela via judicial. Tudo isso não significa que não iremos pagar. Mas é necessário pagar com recursos gerados graças ao crescimento, não com os clássicos programas de ajuste aplicados pelo Governo anterior.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_