O que fará uma família com 150 reais para sobreviver por um mês?
O povo paga caro pela dualidade defendida com unhas e dentes pelo Governo, de que é impossível investir em vida sem comprometer a economia e o teto de gastos
Os números alarmantes do crescimento da pandemia de covid-19 no Brasil, com suas dramáticas consequências, tem levado muitos a afirmar que nos encontramos em um Estado de guerra. E, como acontece em toda guerra, a primeira vítima é sempre a verdade.
Mais de 70 milhões de pessoas no Brasil precisam hoje de uma renda básica emergencial digna, que garanta a elas o básico para sobreviver. Ao colocar a economia em primeiro plano como justificativa para não fazer a proteção social dessas famílias, o Governo aprova um limite de 44 bilhões de reais, reduzindo o auxílio emergencial e o número de beneficiários no pior momento da pandemia no país.
Escondidos no debate do ajuste fiscal e na disputa pela versão do tamanho da crise que estamos enfrentando, o Governo empurra a população para uma triste trincheira, em que fica exposta na linha de tiro.
Pelo mundo, vemos países enfrentando a pandemia com a compra de vacinas, com a imunização em massa, com informações precisas, distanciamento social e lockdown para evitar um colapso ainda maior ―humano, social, econômico. O Brasil ficou atrás na fila das vacinas e o Governo trava uma contraordem sobre as medidas sanitárias que protegem a população.
Somado a isso, vemos a ausência de respostas efetivas do ponto de vista da proteção social, sobre ter direito à vida, à proteção e à sobrevivência neste momento tão delicado e que resulta em uma crise humanitária sem precedentes no Brasil.
Garantir uma renda emergencial de 600 reais e 1.200 reais para mães solo virou, na fala do Governo, algo inconsequente e impossível do ponto de vista fiscal. Assim como a compra de vacinas, os medicamentos necessários para as UTIs, leitos, oxigênio, recursos humanos e todas as medidas que deveriam ser coordenadas pelo Ministério da Saúde, que acumulou dois ministros nos últimas dias sem ter nenhum.
Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$
Clique aquiEnquanto o mundo toma as medidas necessárias para a manutenção da vida, o Governo brasileiro segue como quem nada vê, nada ouve e nada fala ―ou melhor, quando fala, consegue, de forma inconsequente, disparar uma série de acusações e impropérios que não têm relação com a realidade.
Nessa guerra, organizações e movimentos sociais, além de pessoas não negacionistas, têm falado desde o início da pandemia sobre as consequências sociais nefastas causadas ou ampliadas pela covid-19, afirmando que não serão superadas enquanto a doença não for controlada por uma atuação competente do governo federal. E isso passa diretamente por políticas de saúde e de proteção social, sim.
Até mesmo banqueiros, economistas e empresários, em carta dura assinada esta semana e endereçada ao Governo federal, manifestaram essa preocupação e cobram mais vacinas, máscaras gratuitas e medidas de distanciamento social, rejeitando totalmente o falso dilema, que o presidente e seus ministros insistem em divulgar, de que, entre salvar vidas e garantir o sustento, é melhor ficar com a segunda opção.
Ultrapassamos a marca trágica de 3.000 mortes por dia e caminhamos para superar um total de mortes acumuladas de 300.000 ainda no mês de março, tudo associado à completa falta de políticas de renda aos pequenos, amparo e proteção aos empregos e uma política de renda emergencial condizente com o que estamos vivendo.
O que fará uma família que receberá 150 reais para sobreviver por um mês? A situação social é desoladora. Metade da população brasileira não tem proteção social para garantir o mínimo que permita manter o isolamento social.
O povo paga caro pela dualidade defendida com unhas e dentes pelo Governo, de que é impossível investir em vida sem comprometer a economia e o teto de gastos. A essa mentira somam-se outras: não dá para comprar vacina, não dá para manter uma renda digna, não dá para fazer isolamento social.
Resultado: pessoas pagam com a vida a incúria do Governo federal. Então, para os que, como nós, não estão preocupados com a conquista de territórios e de poder nesta guerra, o mais importante continua sendo salvar vidas.
Paola Carvalho é diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica, uma das organizações participantes da campanha #auxílio ao fim da pandemia.
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