Por que a Economia do Comportamento é a próxima fronteira que a gestão pública precisa cruzar
Além das contribuições mais evidentes para áreas como marketing e recursos humanos, a combinação dos saberes da economia e da psicologia também pode colaborar para ações governamentais mais eficientes
Você se prometeu fazer dieta, mas não resistiu ao chocolate depois do almoço. Viu os planos de poupar um pouco mais serem adiados de novo por compras realizadas por impulso. Ou havia planejado aprender algo novo, mas passou a tarde passeando por conteúdos aleatórios no celular.
Se você se identifica com situações como essa, saiba que não está sozinho ―e é justamente por essas decisões aparentemente irracionais não serem fenômenos individuais ou isolados, mas inerentes ao comportamento humano, que sua natureza e seus impactos na sociedade são cada vez mais objeto de estudo de um campo em ascensão: a Economia do Comportamento.
Além das contribuições mais evidentes para áreas como marketing e recursos humanos, os conhecimentos advindos da combinação dos saberes da economia e da psicologia também podem colaborar para ações governamentais mais eficientes ―e é para estimular o uso desses novos conhecimentos que o BID criou o primeiro curso online em português de Economia do Comportamento para Melhores Políticas Públicas.
Por exemplo: o Reino Unido percebeu que a taxa de pagamento do licenciamento veicular aumentava quando a carta de cobrança incluía uma foto do carro do devedor do imposto (talvez como uma forma subliminar de lembrar à pessoa do risco de perder aquele bem). Sem esse conhecimento, talvez o Governo britânico teria arrecadações mais baixas ou gastaria mais com campanhas de conscientização ―um exemplo que mostra, na prática, o potencial da Economia do Comportamento para finanças públicas mais saudáveis.
Por falar em saúde, aliás, esse é outro setor que pode se beneficiar dos insights da Economia do Comportamento: desvendar os mecanismos mentais que levam uma pessoa a preferir chocolate a maçã são úteis para estimular melhores hábitos individuais e coletivos. E estudo de casos como esses, dos setores tributário e sanitário, fazem parte do curso gratuito oferecido pelo Banco.
Atalhos cerebrais
Uma das principais contribuições da Economia do Comportamento é evidenciar que nossos processos de tomada de decisão são mais complexos do que o simples “faço porque faz bem ou evito porque faz mal”.
Isso porque, como mostram os achados dessa área, em vez do que julgar alguma ação com base em critérios objetivos como custos, riscos, efeitos e oportunidades, em alguns momentos, nossa mente toma atalhos para decisões mais rápidas pautadas em retornos imediatos ―como prazer ou aversão a perdas― ou com base em generalizações, medos ou experiências passadas.
Em outras palavras: você não vai ao mercado comprar apenas o produto mais custo-efetivo, nem age 100% do tempo da maneira mais segura e eficiente no trabalho ou no trânsito, mas se deixa levar por impulsos, preconceitos ou incentivos. E apesar de tudo isso parecer tão evidente, vimos como a economia, a medicina e a gestão empresarial trataram o comportamento humano como o resultado de decisões simplesmente racionais.
Até que, nos últimos anos, com avanços das pesquisas comportamentais, novas camadas de nossos processos mentais foram sendo reveladas, e novas estratégias para induzir comportamentos esperados, desenvolvidas.
Como um parâmetro do prestígio dessa área, de 2002 para cá, três pesquisadores ganharam o Prêmio Nobel da Economia por trabalhos que relacionavam economia e psicologia.
O mais recente desses ganhadores, o economista norte-americano Richard Thaler, premiado em 2017, tornou-se conhecido pela teoria dos nudges ―que pode ser traduzido como “empurrãozinho”, em português.
Em seus estudos, o professor Thaler defende que pequenos empurrões podem estimular certos comportamentos. Um exemplo: ele percebeu que um dos fatores preponderantes na conduta humana é a inércia. Por isso, para aumentar a adesão de trabalhadores a planos de previdência complementar, em vez de investir milhões com campanhas de adesão, uma saída adotada nos Estados Unidos e endossada por Thaler é inscrever automaticamente todos os empregados nos programas. Assim, quem realmente não concordasse teria de pedir para sair, e aqueles que até gostariam de se inscrever, mas não o fariam por preguiça, seriam contemplados.
O sucesso dessa abordagem foi tamanho que países como Reino Unido e Austrália incorporaram especialistas em economia do comportamento em suas equipes de governo.
É evidente que os preceitos da Economia do Comportamento não podem ser levados em conta de maneira isolada. É preciso que todo o arcabouço ético, legal e regulatório de cada país ou estado seja tomado em consideração.
Entretanto, são igualmente chamativos os potenciais de ganho não só para a gestão pública, como para a sociedade em geral, proporcionados pela incorporação de técnicas que tornem mais efetivas as políticas públicas.
No BID, incorporamos em nossos projetos, há uma década, os achados das áreas comportamentais. Nudges e outras técnicas têm contribuído para desenharmos ações que ajudem os governos, por exemplo, a diminuir a evasão fiscal no Brasil e na Argentina, aumentar índices de vacinação na Guatemala, entre outras iniciativas.
Nas últimas décadas, a administração pública do Brasil e do mundo avançou muito com a adesão de melhores práticas de gestão de recursos humanos e financeiros, políticas públicas baseadas em evidências e racionalização de processos. Agora, ao que tudo indica, chegou a hora de se aventurar nos territórios da irracionalidade para alcançar resultados ainda mais expressivos.
Morgan Doyle é representante do Grupo BID no Brasil.
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