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JOSÉ GABRIEL PALMA | ECONOMISTA CHILENO

“O Chile precisa de um setor público capaz de gerar uma nova política de desenvolvimento”

O professor emérito da Universidade de Cambridge critica o modelo de crescimento seguido desde os anos oitenta e apela à intervenção pública para diversificar a economia

José Gabriel Palma, em uma imagem recente.
José Gabriel Palma, em uma imagem recente.
Ignacio Fariza

O panorama parece tudo, menos desimpedido para a economia chilena. Os protestos afetaram o setor de serviços, arrastando o PIB para o menor crescimento em uma década. E, principalmente, colocaram diante do espelho uma das economias mais dinâmicas da região: o suposto milagre está mais em questão do que nunca. Com a desaceleração como pano de fundo e meses depois da publicação de um estudo devastador sobre seu país, que veio à luz poucos dias antes do início dos protestos, o economista José Gabriel Palma (Santiago, 1947) conversou com o EL PAÍS por videoconferência em seu escritório na Universidade de Cambridge, onde é professor emérito –função que compatibiliza com o trabalho como professor da Universidade de Santiago. Foge de uma leitura de curto prazo dos dados e prefere traçar um horizonte de longo prazo. E aí seu diagnóstico é claríssimo: “O Chile fechou um ciclo e precisa de um Estado capaz de gerar uma nova política de desenvolvimento”. Nada contra a corrente.

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Biarritz (France), 24/08/2019.- Chilean President Sebastian Pinera as he disembarks from his plane upon landing at the Biarritz Pays Basque Airport in Biarritz on the opening day of the G7 summit in Biarritz, France, 24 August 2019. The G7 Summit runs from 24 to 26 August in Biarritz. (Abierto, Francia) EFE/EPA/JULIEN DE ROSA
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Pergunta. O crescimento da economia chilena caiu pela metade em 2019. Até que ponto os protestos pesaram?

Resposta. A economia chilena é, na verdade, duas: uma exportadora, que não foi afetada e continua crescendo, e outra de serviços e de construção, de baixa produtividade e que sofreu devido à impossibilidade de muitos empregados chegarem aos seus lugares de trabalho.

P. O que o senhor espera para 2020?

R. Um crescimento mínimo que virá, fundamentalmente, do setor exportador. É claro que teremos um ano complicado, de forte desaceleração em uma economia que já vinha muito desacelerada. A direita acreditava que tudo dependia das expectativas, mas [Sebastián] Piñera ganhou e não aconteceu nada. Além disso, outra reação de descontentamento não pode ser descartada se acontecer pouco ou nada com relação ao processo constituinte em andamento.

P. E o investimento?

R. Aqui sim os protestos terão efeito. Por exemplo, a chegada de capitais estrangeiros vai desacelerar, embora no Chile o investimento externo em áreas verdadeiramente produtivas seja mínimo.

P. Até que ponto a depreciação do peso deve preocupar?

R. Desde 2001 foi seguida uma política muito ortodoxa, de taxa de câmbio livre. Mas, diferentemente de outros países, o Chile tem poucas reservas para evitar a depreciação do peso: o Brasil, por exemplo, possui três ou quatro vezes mais reservas em termos comparáveis. O banco central se casou com seu próprio fundamentalismo e não se preparou para uma situação em que tivesse que agir. E agora tem de ter muito cuidadoso.

P. O senhor não gosta que a taxa de câmbio flutue livremente.

R. Em uma economia como a chilena e em um contexto internacional como o atual é absurdo, autodestrutivo por causa da incerteza que provoca. Aí está a experiência de muitos países asiáticos nos quais o câmbio estável e competitivo foi fundamental para diversificar a economia. E há algo de que não se fala e que penso que é o que mais preocupa o banco central: o setor privado chileno tem a maior dívida, em porcentagem do PIB, de todo o mundo emergente. Mais do que China, Rússia, Turquia... E é dívida em dólar.

P. Existe risco de quebras?

R. No curto prazo, não: ainda têm margem de manobra para suportar essa taxa de câmbio e inclusive um pouco mais alta, embora com impacto nas margens e no investimento. Alguns pagarão a dívida existente com mais dívida, transformando o problema de curto prazo em um de médio ou longo.

P. Alguns analistas ficaram surpresos com o fato de os protestos acontecerem precisamente em um dos países mais ricos da América Latina.

R. A única coisa em que todos estão de acordo no Chile é que o que aconteceu foi uma surpresa. Mas houve sinais importantes que foram ignorados, como o fato de que na última eleição presidencial mais da metade da população não votou, nem sequer no segundo turno. Pensou-se que era apatia, mas foi um voto de protesto. A rejeição ao abuso generalizado também cresceu. Os chilenos têm muita paciência e resistem muito além do que deveriam, mas quando a paciência esgota saem com tudo. A rapidez e a virulência da explosão têm a ver com isso, com o fato de que se aguentou durante demasiado tempo: os protestos explodiram praticamente por nada –um aumento de centavos de dólar no preço da passagem de Metrô–, mas havia um descontentamento social latente em relação à arbitrariedade sistemática. Como dizia um dos slogans dos primeiros dias: “Não são 30 pesos, são 30 anos”.

P. O que aconteceu nesses 30 anos?

R. Não foi uma questão de falta de crescimento, mas de um nível de abuso que se tornou insuportável. Para a maioria, as pensões privadas são de fome e o sistema não tem solução; a saúde pública é vergonhosa para um país como o Chile, assim como a educação pública para grupos de baixa renda. E a infraestrutura e os recursos naturais foram dados ao setor privado. Quando se deixa um mercado desregulado e um Estado que vai por trás solucionando problemas de forma passiva, os grandes setores corporativos distorcem os mercados a seu favor: a concorrência se reduz, não se diversifica a economia e começam os abusos de preços e de baixa qualidade dos produtos e serviços que prestam. Acrescentemos a isso os salários: metade dos trabalhadores chilenos não ganha o suficiente para tirar uma família de quatro pessoas da pobreza. O Chile está em um nível de renda que não deveria permitir tais situações. E é um país que acredita estar às portas do desenvolvimento...

P. O modelo chileno foi, durante anos, um exemplo a seguir para muitos.

R. Esse modelo já está esgotado: já deu o que podia dar. O setor de serviços cresce apenas devido ao aumento do emprego de baixos salários e o setor exportador, que é puramente extrativista, atingiu o teto e só está interessado em crescer em países vizinhos. Esse modelo não dará, daqui em diante, mais do que 2% ou 2,5% de crescimento. É absolutamente necessário industrializar o setor exportador, principalmente o cobre e a madeira. A cada ano saem do Chile mais de 1.000 navios com cobre concentrado, um material que possui apenas 30% de cobre. O restante é escória, então o principal produto que o Chile exporta é, em volume, lixo. Imagine a poluição inútil que seu transporte gera. Isso é absurdo, não tem sentido.

P. O que deveria ser feito?

R. Política industrial e política comercial: o que a Ásia fez a vida toda. No caso do cobre, por exemplo, o que proponho é cobrar um royalty [taxa] diferenciado como instrumento de política industrial para obrigar que seja ao menos fundido no Chile.

P. Isso aumentaria a arrecadação.

R. Se os recursos naturais pagassem os royalties que lhes correspondem, a pressão fiscal diminuiria e poderíamos ter um sistema de saúde, uma infraestrutura, uma educação e uma previdência social de país civilizado. Hoje o cobre supostamente paga um royalty que é uma mentira, e são recursos de que se necessita. Essa é uma das maiores vergonhas e revela uma absoluta falta de visão de longo prazo. A Constituição diz que nós, chilenos, somos donos de todos os recursos naturais do país e temos direito a toda a renda que produzem. Não ter royalties de verdade é algo diretamente inconstitucional.

P. A diversificação continua sendo um grande cavalo de batalha da economia chilena. Já foi tentada muitas vezes, mas...

R. O Chile é uma das economias relativamente menos diversificadas do mundo e sem intervenção pública direta essa mudança não acontecerá. Estamos a caminho de meio século de neoliberalismo e não há nenhuma indicação, zero, de que haja interesse do setor exportador em se diversificar. O Estado chileno é subsidiário, se concentra em resolver os problemas que o setor privado vai criando, em sufocar o descontentamento e não olha para frente. O Chile não precisa de mais Estado no sentido da quantidade: precisa de um Estado capaz de gerar uma nova política de desenvolvimento. Um ciclo já foi fechado e o Estado deve levá-lo a um novo, liderando o setor privado e indo, definitivamente, ao fundo do problema.

P. Por que se renunciou à política industrial?

R. Por ideologia e porque o setor privado tem um lobby muito forte sobre o Governo. A concentração da riqueza leva a uma concentração de poder.

P. Também houve Governos progressistas: os de Ricardo Lagos e Michelle Bachelet. Mas a política econômica permaneceu.

R. A centro-esquerda chilena separou em sua mente a política econômica da social. Fez uma política progressista do lado dos valores: divórcio, aborto, direitos dos homossexuais... Mas no que se refere à economia não fez nada original. A tal ponto que muitos dos abusos, como as piores concessões de infraestrutura, foram feitos por ela.

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