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Nas entranhas de ‘La Casa de Papel’, o fenômeno espanhol da Netflix que chega ao fim

Álex Pina retorna aos cenários da série para falar sobre ética, violência e as exigências da nova ficção televisiva, além de antecipar alguns aspectos da batalha final que acontece na quinta e última temporada

Álex Pina nos cenários de ‘A casa de papel’, nos arredores de Madri, em julho, antes da sua destruição. Em vídeo: o criador da série escolhe sua cena preferida e comenta como a equipe viveu seu sucesso.
Álex Pina nos cenários de ‘A casa de papel’, nos arredores de Madri, em julho, antes da sua destruição. Em vídeo: o criador da série escolhe sua cena preferida e comenta como a equipe viveu seu sucesso.Andrea Comas
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Triunfo antes da destruição final. Assim podem ser resumidos o discurso e as sensações transmitidas por Álex Pina ao retornar, emocionado, “ao local do crime”, os cenários de A casa de papel em Tres Cantos, nos arredores de Madri. Antes que sejam destruídos para sempre, após a conclusão das gravações da quinta e última temporada desta série de ladrões com máscaras de Dalí, espírito antissistema e nomes de cidades. Uma produção que iniciou sua caminhada com duas temporadas no canal espanhol Antena 3, quando se narra o assalto da quadrilha à Casa da Moeda, mas que virou um fenômeno global em 2017 pelas mãos da Netflix, já tendo como trama o ataque perfeito às reservas do Banco da Espanha, com direito a reféns. Uma evolução que se deve a motivos “não totalmente decifráveis”, como afirma Pina numa manhã do começo de julho.

[Aviso: a partir daqui a reportagem conta com spoilers que afetam as quatro primeiras temporadas.]

Úrsula Corberó, Jaime Llorente e Belén Cuesta na rodagem da quinta temporada de ‘A casa de papel’.
Úrsula Corberó, Jaime Llorente e Belén Cuesta na rodagem da quinta temporada de ‘A casa de papel’. TAMARA ARRANZ/NETFLIX (EFE)

“A série em consumo compulsivo funciona melhor que em consumo fracionado, porque as propagandas e o semana a semana faz que você não tenha essa ansiedade de tempo interno que a série tem, ou seja, você não se coloca dentro dela. Além disso, A Casa de Papel funciona em tempos muito curtos. A experiência do espectador é muito mais feroz em consumo compulsivo e mais viciante, logicamente”, reflete Pina (Pamplona, 54 anos). Mas há algo mais, pelo que foram notando pouco a pouco, talvez fruto do poder de atração da Netflix mundo afora. Primeiro, os seguidores das contas dos atores nas redes sociais subiam exponencialmente; depois, não podiam rodar em exteriores urbanos (nesta última parte, em Copenhague) sem uma nuvem de fãs ao redor; depois veio o festival de Mônaco, com a cidade coberta de cartazes com a estética da série, como também se vê nos últimos dias no metrô de Madri, e gente usando o macacão vermelho e a máscara de Dali para participar de manifestações estudantis, sindicais ou antigovernamentais no mundo todo.

Mas ao passear pelos cenários da grande batalha se pode ver que tudo chegou ao final. O pó e restos dos escombros cobrem as paredes cinza e os vetustos adornos dourados. Há buracos e rastros de explosões. Sobre as mesas restam apenas alguns telefones antiquados. Mas a escada onde tantas coisas aconteceram, pela qual Helsinque (Darko Peric) levou nos braços o cadáver de Nairóbi (Alba Flores), ergue-se impassível perante a destruição.

As virtudes e os excessos da série se acentuam nesta quinta temporada, a mais violenta de todas. Pina reconhece que ele e sua equipe apostaram no gênero bélico nestes últimos capítulos, que a Netflix disponibiliza em duas levas de cinco episódios: uma a partir desta sexta, 3 de setembro, e a outra em dezembro. “A Espanha é um país com grande complexo de inferioridade na ficção”, argumenta. “A casa de papel é uma loucura porque nunca poderiam estar uns caras trancados no Banco da Espanha, pois seriam aniquilados, mas é preciso fazer algo que tenha outros componentes, com suas próprias regras internas, com as quais você precisa ser coerente, não com a realidade, que é desprezível do ponto de vista da ficção. E quando você faz isso lhe dizem: ‘Aonde você vai?’ Então, senhores, aí está a Marvel, que há 10 anos é o mais visto no cinema e não para de ganhar peso”. A “visão poesia lírica” da violência em outras temporadas, com o célebre Bella Ciao e outras canções de fundo, dá lugar a algo mais duro e seco, embora Pina defenda também aquela aposta: “Tentamos sublimar a violência em termos estéticos porque nos parece que faz parte de uma visão da série. Uma série tem uma linha editorial, como um jornal. Tem coisas que você pode fazer, e outras não.”

Aspecto da sala central do cenário do Banco da Espanha depois do final da rodagem. Os destroços ficam, para não revelar nada, quase todos fora de plano.
Aspecto da sala central do cenário do Banco da Espanha depois do final da rodagem. Os destroços ficam, para não revelar nada, quase todos fora de plano. Andrea Comas

A ficção televisiva do século XXI experimentou uma revolução, e essas coisas permitidas ou não, também. Pina, que esteve por trás das séries Los Serrano, Periodistas e Los hombres de Paco, sabe do que está falando. As tramas, por exemplo: “O espectador mudou muito. Quando trabalhávamos na televisão dos anos 1990 e 2000, havia uma espécie de anjo da guarda que protegia o espectador, e este sabia que seu protagonista não seria morto, e que as coisas, mesmo que eles se ferrassem um pouco, acabariam bem. Mas a experiência do espectador é muito melhor quando as coisas dão errado. Matamos Nairóbi e agora quando põem uma pistola na cabeça de alguém você diz: ‘Caramba, será que vão matar?’”. Ou os protagonistas, construídos para serem simpáticos, embora sejam detestáveis: “Há 10 anos nos diziam: ‘O personagem tem que ser imaculado, porque se for um safado ninguém quer que entre na sua casa’. E no entanto atualmente a perversão do vilão é muito atraente”, afirma Pina, que se refere sobretudo a Berlim (Pedro Alonso), esse membro da quadrilha —homofóbico, narcisista, egocêntrico e cruel— que é um dos preferidos do público e que, já desaparecido, ainda é explorado na trama em oportunos flashbacks. “A gente se divertiu muito com ele”, admite.

Nos dois capítulos iniciais da quinta temporada —que o EL PAÍS pôde ver antes de sua estreia—, o ciúme, as diferenças entre os membros da banda, os egos e o amor e o desejo continuam lá, parte essencial da receita do sucesso. “O que as pessoas querem é entretenimento, e nós acrescentamos uma idiossincrasia de afetividade latina a um gênero como o do ataque perfeito, que era muito frio, matemático. Fizemos um híbrido que funcionou em todo o mundo, talvez porque houvesse uma demanda de emotividade, de algo mais quente”, conta Pina.

Rastros da violência que arrasa com tudo na última temporada de 'A casa de papel'.
Rastros da violência que arrasa com tudo na última temporada de 'A casa de papel'. Andrea Comas

“Xeque-mate, filho de puta (...). Sua condenação é a nossa salvação”, dispara a policial Alicia Sierra (uma excessiva e às vezes brutal Najwa Nimri) ao cérebro de tudo, o Professor (Alvaro Morte), nos primeiros minutos da quinta temporada, quando ambos estão contra as cordas. Restam poucos limites aos quais levar os personagens, e isso, reconhece Pina, não passou despercebido para uma equipe que tem as linhas vermelhas bem estabelecidas. “No capítulo dois estávamos trabalhando em plena pandemia, online, e notei que não tínhamos o imediatismo, essa fagulha, e o jogamos inteiro no lixo para fazer um capítulo experimental, sem fragmentação temporal e no qual inclusive o protagonista é diferente. E fizemos isso como se já fosse um final de temporada.” Mas não é. Faltam mais oito episódios. O aficionado do gênero sabe que o ataque perfeito, dos clássicos O grande golpe e O segredo das joias até os mais recentes Fogo contra fogo, O último golpe e Atração perigosa, nunca sai bem, não totalmente, muitas vezes nem um pouco. O primeiro final previsto por Pina e sua equipe terminou no lixo. Veremos o que ocorre com Lisboa, Tóquio, Denver, Bogotá e companhia ao término destas pouco mais de 100 horas de ataque imperfeito que já são parte da história recente da televisão.

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