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A enigmática vida privada de Bob Dylan

O cantor blindou sua intimidade e só se sabe que teve ao menos seis filhos. Com a venda de seus direitos discográficos, organizou seu legado

O cantor e compositor Bob Dylan em uma cerimônia da organização MusiCares em sua homenagem em Los Angeles, em 2015.
O cantor e compositor Bob Dylan em uma cerimônia da organização MusiCares em sua homenagem em Los Angeles, em 2015.Michael Kovac (WireImage)

A notícia chegou de surpresa, como quase tudo que tem a ver com Bob Dylan. No dia 7 veio o anúncio de que o cantor, compositor e Prêmio Nobel de Literatura tinha vendido os direitos de seu catálogo de músicas à Universal. O comunicado que anunciou o acordo, enviado pela companhia discográfica, não cita nem as condições nem o preço, mas, levando em conta que as músicas de Taylor Swift foram vendidas este ano por 300 milhões de dólares (1,5 bilhão de reais), a grande dúvida é se o preço superou a maior operação desse tipo da história, a compra do catálogo completo dos Beatles pela Sony em 2016, calculada em 750 milhões de dólares. Não é provável, mas também não é impossível.

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O cantor e compositor Bob Dylan em uma cerimônia da organização MusiCares em sua homenagem em Los Angeles, em 2015.

Sobre o motivo pelo qual isso foi feito precisamente agora, só cabe especular. Em 2021, Bob Dylan fará 80 anos, o que parece um bom momento para começar a pensar em seu legado. E também em sua herança: Dylan tem ao menos seis filhos, quatro deles de seu casamento com Sara Lownds, com quem ficou casado entre 1965 e 1977. Sara já tinha uma filha de um matrimônio anterior, que o cantor adotou. A sexta, Desiree Gabrielle Dennis-Dylan, nasceu em 1986 e é fruto de seu segundo e último casamento conhecido, com a cantora Carolynn Dennis, com quem ficou unido de 1986 a 1992.

Desse segundo casamento, só Dennis falou. O cantor se limitou a ficar em silêncio. Tudo que cerca a vida privada de Bob Dylan é um segredo. Não é novidade, trata-se do homem que, quando chegou a Nova York com 20 anos, dizia que era um órfão que tinha escapado com um circo. Algo muito mais emocionante do que confessar que seu nome real era Robert Allen Zimmerman, filho do Abram e Beatrice, nascido em Duluth, Minnesota.

No início, Dylan era bem mais aberto, mas em meados dos anos 1960 mudou, possivelmente por causa da incrível pressão que sofria da mídia. Aí veio o acidente de moto em 1966 que quase lhe custou a vida e do qual não contou nada. Deve ter ganhado gosto pela coisa, porque a partir de então começou a ser tecido um pacto de silêncio ao seu redor. Um acordo tácito pelo qual sua vida privada é isso, privada. Um pacto que diz respeito a ele, mas também à sua família.

Bob Dylan usando uma máquina de escrever em seu escritório de Woodstock, Nova York, no verão de 1964, em uma imagem de Douglas R. Gilbert.
Bob Dylan usando uma máquina de escrever em seu escritório de Woodstock, Nova York, no verão de 1964, em uma imagem de Douglas R. Gilbert. Dogulas R. Gilbert (EL PAÍS)

O muro chegou até hoje com poucas brechas. Só dois de seus descendentes se dedicam à música, seu filho Jakob, que fundou The Wallflowers há duas décadas e depois empreendeu uma carreira solo, e seu neto Pablo, que tem 24 anos e passou de rapper a cantor e compositor independente. O pai de Pablo, Jesse, primogênito de Dylan, é um bem-sucedido homem de negócios e diretor de cinema. Começou dirigindo vídeos musicais para Tom Petty e Lenny Kravitz, foi o diretor de Dois Doidões em Harvard (2001) e American Pie 3 (2003) e, em 2019, assinou um documentário sobre o magnata George Soros. São seus três descendentes com perfil mais público, mas mesmo eles evitam qualquer referência ao patriarca, até um ponto que acaba sendo cômico. Quando Jakob rodou um documentário sobre a cena musical de Laurel Canyon, passaram por ele quase todos os envolvidos, direta ou indiretamente, mas não seu pai.

Dylan está desde 1988 naquela que é conhecida como Never Ending Tour, a turnê que nunca termina. Todos os anos faz no mínimo 100 shows em qualquer canto do mundo. Em uma das poucas entrevistas que dá, confessou que compõe em quartos de hotel. “Isso é o mais perto que estou de um estudo de gravação privado”, assinalou.

Jakob Dylan em Arcadia, Califórnia, em 2013.
Jakob Dylan em Arcadia, Califórnia, em 2013. Alexandra Wyman (GTRES)

Em 2009, foi detido por uma policial em Long Beach, Nova Jersey, depois que um moradores da área denunciou que havia um cara estranho olhando pela janela de uma casa abandonada, de noite, debaixo da chuva. A policial declarou que parecia um vagabundo sem teto e que quando ele lhe disse que era Bob Dylan, não acreditou nele nem o reconheceu, nem fazia sentido que estivesse vagando a 45 minutos de distância do hotel em que estava hospedado.

Com a turnê suspensa devido à pandemia, Dylan se refugiou em 2020 em sua mansão de Malibu, Califórnia. Seu lar quando não está na estrada e onde aparentemente vive sozinho, rodeado por uma equipe de segurança. Em junho, lançou o que até agora é seu último disco, Rough and Rowdy Ways. Meses antes, tinha lançado de surpresa Murder Most Foul, uma música de 17 minutos que descreve o assassinato de JFK e que se tornou sua primeira canção a chegar ao primeiro lugar na lista de vendas nos EUA. Antes do lançamento do disco, deu entrevista a um velho conhecido, o professor universitário Douglas Brinkley, que basicamente girava em torno do álbum. No final, Brinkley se aproximou timidamente da pessoa Dylan. “Como está de saúde? Parece estar em forma. Como consegue que o corpo e a mente funcionem?”, perguntou. “Essa é a grande pergunta, não?”, respondeu o cantor e compositor. “Como faz qualquer um? A mente e o corpo andam de mãos dadas. Tem de haver algum tipo de acordo. Gosto de pensar na mente como espírito e no corpo como substância. Não tenho nem ideia de como integrá-los. Procuro apenas seguir em linha reta e permanecer nela, manter-me nesse nível.”

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