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Morre Zuza Homem de Mello, mestre e memória do encanto musical

Um dos maiores pesquisadores musicais do país faleceu nesta madrugada aos 87 anos enquanto dormia. Deixa em livros e entrevistas a história viva da música brasileira

Zuza Homem de Mello
O escritor, jornalista e crítico musical Zuza Homem de Mello em seu escritório na zona oeste de São Paulo.Alf Ribeiro (Folhapress)
Carla Jiménez

Apaixonar-se pela música brasileira é fácil, difícil é mergulhar a fundo como o jornalista e pesquisador musical Zuza Homem de Mello o fez em sua vida. Zuza fez do seu trabalho uma poesia e sua partida não poderia ter sido mais simbólica. Morreu aos 87 anos dormindo, nesta madrugada de domingo, em seu apartamento no bairro de Pinheiros, em São Paulo. “Ele morreu dormindo, de infarto, após termos brindado na noite de ontem todos os projetos bem sucedidos”, escreveu em um post no Instagram sua companheira por 35 anos, Ercília Lobo, que assina o post junto com filhos e netos.

Na noite anterior, Zuza celebrava a biografia de João Gilberto que havia terminado, mais uma história narrada pelo pesquisador e musicólogo, autor de livros como Copacabana, a trajetória do samba-canção (1929-1958), A era dos festivais, uma parábola, e A Canção no Tempo, em co-autoria com o historiador Jairo Severiano, com dois volumes que perpassam a música brasileira de 1951 a 1957, e de 1958 a 1985. Nessas duas obras, navega-se de Chiquinha Gonzaga e Francisco Alves, até chegar aos gigantes Gil, Chico e Caetano, e aterrissar em Renato Russo e Cazuza. Num país em que a memória é constantemente negligenciada, Zuza deixa impressa a história do Brasil através da música.

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A bossa nova e o jazz eram duas de suas grandes paixões, vividas intensamente ao longo da sua vida profissional. Nascido em São Paulo, Zuza começou no jornalismo em 1956. No ano seguinte, mudou-se para os Estados Unidos, mais precisamente Nova York, onde foi estudar musicologia no conservatório Juilliard School. Lá, aprendeu o conceito que o acompanhou a vida inteira, como disse há dois anos numa entrevista. É preciso aprender a ouvir. E teve na Big Apple uma enorme escola.

Assistiu de perto a apresentações de grandes gênios do jazz em redutos musicais de negros, frequentados por Theolonius Monkey, Duke Ellington, John Coltrane. Viu a estreia de Ray Charles no Carnegie Hall, como contou em seu livro Música com Z: “O mais arrebatador do concerto de jazz no Carnegie Hall, em 29 de novembro de 1957, com a orquestra de Dizzy Gillespie, seguida por um jovem pouco conhecido, Ray Charles, pelo quarteto de Theolonious Monk, com John Coltrane, pelo quarteto de Zoot Sims, com Chat Baker, pelo trio de Sonny Rollings e com Billie Holiday ao final”, lembrou ele que era então um simples estudante de música, e que pagara 3 dólares pelo show.

Voltou ao Brasil e acompanhou como a bossa nova começava a ganhar corpo, e entrou na TV Record, onde ficou por dez anos. Ajudou a produzir programas como o Fino da Bossa, de Elis Regina e Jair Rodrigues. Conviveu, produziu discos, shows e entrevistou todos os grandes da música brasileira, com quem conviveu até o final. Atuou como crítico, teve programas de rádio e nunca parou de trabalhar em nome da música.

Num dos seus últimos projetos, participou da série “Muito prazer, meu primeiro disco”, do Sesc São Paulo, em que atuou como curador. Três dias atrás, um vídeo no Instagram mostrava um Zuza entusiasmadíssimo para anunciar a estreia do programa neste sábado, 3. “Gilberto Gil!”, dizia ele, para em seguida saudar o anúncio com uma sonora risada e marcar a alegria de poder contar a todos sobre o primeiro disco de Gil, Louvação, “um discaço”, avisava Zuza.

Tinha no forno também um projeto para gravar uma série de 10 episódios sobre grandes nomes da música brasileira para o Itaú Cultural, onde atuou como conselheiro informal na área musical. A ideia era distribuir os capítulos por whatsapp, informa a instituição. “Nas últimas semanas havíamos definido que iria falar de nomes como o Maestro Milton Santos, Vadico, Rogério Duprat e Sérgio Ricardo, entre outros”, diz Edson Natale, gerente de música do Itaú Cultural, em release distribuído a jornalistas neste domingo.“Ele viveu para gerar conhecimento sobre a arte e a cultura de nosso país e faer esse conhecimento fluir”, lamentou Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural.

Numa conversa há dois anos com Pedro Hertz, dono da Livraria Cultura, o pesquisador disse que o Brasil “exporta a melhor música popular do mundo e consome a pior”, fazendo menção ao fato de a bossa nova ser ainda hoje a grande identidade brasileira no exterior. O musicólogo testemunhou os capítulos mais importantes da música, e tornou-se referência no Brasil e no exterior. Parte desses passagens estão registradas para as novas gerações em seu Instagram ou no Youtube. Da amizade com Isaura Garcia e Elizeth Cardoso, das conversas com Orlando Silva, e da sua leitura sobre cantores internacionais, como Billie Hollyday ou Edith Piaf. Muitas de suas histórias estão guardadas numa biblioteca imensa de 10.000 LPs da qual se orgulhava, e outro volume significativo de CDs.

Ao longo da quarentena, continuou produzindo e participando de programas, lives e festivais virtuais. Sua sede de aprender e, depois, de ensinar, marca toda a sua trajetória generosa, realçada por todos que conviveram com ele. O resumo da sua existência não poderia ter sido melhor descrito do que sua companheira Ercília e a família. “Zuza nos deixou em paz após viver uma vida plena”. Como presente eterno, ficam suas obras para que o Brasil se reconheça no Brasil visto por Zuza.

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