Margot Frank também escreveu um diário
Doação de duas fotos da irmã de Anne Frank lança um pouco de luz sobre a adolescente, capturada com a família pela Alemanha nazista e que completaria 94 anos


“Sempre ouvimos rádio porque estamos num momento difícil, por termos fronteira com a Alemanha e sermos [os Países Baixos] pequenos; nunca nos sentimos seguros.” Margot Frank, a irmã mais velha de Anne Frank, assim registrou a preocupação da sua família em uma carta escrita em Amsterdã em 27 de abril de 1940 e destinada a Betty Ann Wagner, uma adolescente que vivia em Danville (Estados Unidos) e tinha a mesma idade que ela: 14 anos. É um dos poucos testemunhos de Margot Frank que sobreviveram, porque o diário que manteve durante seus dias em Amsterdã se perdeu, diferentemente do ocorrido com o escrito por sua irmã mais nova. Em julho de 1942, pouco antes de se esconder com sua família e outras quatro pessoas, Anne escreveu em seu diário que sua irmã também tinha um, e a descreve com admiração: “Se houvesse uma menção cum laude, teriam dado a ela. De tão inteligente que é”.
As duas irmãs tiveram o mesmo fim trágico, com poucos dias de diferença, em fevereiro de 1945, no campo de concentração nazista de Bergen-Belsen. Mas a força (e a sobrevivência) do relato elaborado por Anne durante seu isolamento eclipsou a figura de Margot, quase uma desconhecida. A recente doação de duas fotografias nas quais aparece sorridente, antes da irreversível reviravolta, fornece alguns detalhes sobre sua vida.
Margot Frank nasceu em 1926 em Frankfurt e emigrou com seus pais, Otto e Edith, para os Países Baixos em 1933, quando começaram as medidas contra os judeus na Alemanha. Adolf Hitler foi eleito chanceler (primeiro-ministro) naquele ano, e Otto Frank abriu em Amsterdã a filial de uma fábrica de pectina —um espessante alimentar— e especiarias. Margot tinha então sete anos e, apesar de ter chegado à escola sem falar holandês, logo se destacou nos estudos. Depois do primário, frequentou uma escola secundária municipal feminina, com excelente desempenho em ciências e matemática. Uma de suas colegas, Jetteke Frijda, dizia dela que “é a melhor em tudo, mas não se gaba; você pode confiar e aprender com seu exemplo. Fala pouco de si mesma e pouco em geral”, conforme se lê na documentação exposta na Casa de Anne Frank.
Quando os nazistas expulsaram os judeus das escolas públicas, Margot foi para o Liceu Judaico. Pouco depois, a jovem recebeu a ordem de se transferir para um campo de trabalho alemão, e seus pais decidiram se esconder na parte de trás de uma casa. Antes, tinham tentado sem sucesso embarcar para os Estados Unidos.
As imagens doadas, em preto e branco, estão datadas do verão europeu de 1941. Na primeira, Margot, então com 15 anos, aparece à direita, junto com uma amiga do clube de remo. Na outra, está no centro, em um dos botes. As imagens foram tiradas por Roos van Gelder, a instrutora de remo, que trabalhava na Associação para a Promoção dos Esportes Aquáticos de Amsterdã. Um mês mais tarde, tudo mudou: nenhuma das duas irmãs pôde retornar ao clube, por serem judias. As fotos foram cedidas à Casa de Anne Frank por Paul Mesinga, sobrinho da instrutora.
Margot queria ser parteira, e em 1941 aderiu ao clube sionista holandês para jovens que desejavam emigrar para a Palestina e fundar um Estado judaico. No esconderijo, até sua detenção pela Gestapo, em 4 de agosto de 1944, a relação com sua irmã mais nova teve altos e baixos. “Não me dou bem com a Margot […], sua maneira de ser e a da mãe são muito diferentes da minha”, anota Anne no seu diário. Também diz que faz piada sobre como Margot parece ser a “dona Perfeita”, pois assim talvez “lhe ensine a não ser tão boazinha”. Apesar das tensões, a convivência afinal melhorou. Impôs-se o afeto: “Ontem à noite estivemos juntas na minha cama. Não cabíamos, mas justamente por isso foi muito divertido”. No último domingo, 16 de fevereiro, Margot Frank teria completado 94 anos.