‘Ford vs. Ferrari’: Uma batalha empresarial candidata ao Oscar
Azarão na disputa por Melhor Filme neste ano, a obra mergulha no esporte como um evento social e político, naquele ponto em que as ações têm tanto a ver com o pessoal como com a peculiaridade de um modelo de país
Na competição esportiva e no espírito podem estar ocultos os valores fundamentais de uma sociedade, de uma época, de um país. Ford vs Ferrari (no original, Le Mans'66), um fantástico filme de James Mangold baseado no feito de um fabuloso piloto, Ken Miles, e de uma marca, a Ford, na mítica corrida automobilística francesa daquele ano, não se contenta em abraçar o esporte como expressão de sentimentos e emoções: o esforço, a solidariedade, a solidão, a traição, a frustração, a vitória e a derrota. Esse concorrente azarão ao Oscar de Melhor Filme também sabe como inserir sua história, adaptado do livro Go Like Hell; Ford, Ferrari And Their Battle For Speed And Glory At Le Mans, de A.J. Baine, na faceta do esporte como um fato social e político, naquele ponto em que as ações têm tanto a ver com o pessoal como com a peculiaridade de um modelo de país. Os Estados Unidos, é claro, o modo de vida dos norte-americanos, o capitalismo, a ânsia de triunfo, a capacidade de decisão, o patriotismo, a cultura do esforço. Com suas eficácias e também com suas fraquezas.
Mangold, que desde Paixão Muda (1995), sua formidável obra-prima de corte independente, teve que lidar com materiais muitas vezes convencionais demais ou diretamente putrefatos (Kate & Leopold, Encontro Explosivo, Wolverine: Imortal), não é um diretor costumeiro no cinema comercial dos EUA. A encenação, os planos, o ritmo, a montagem, se afastam desses produtos fabricados com apatia e que sempre parecem a mesma coisa. E ressurge um certo artesão, o estilo pessoal nobre e clássico de Cop Land e Os Indomáveis, compondo assim um filme de esporte que se conecta bem com outros clássicos do automobilismo da época que retrata: o fantástico Grand Prix (1966) e o carismático As 24 Horas de Le Mans (1971). Um trabalho articulado nas sequências, digamos, da ação, porque uma corrida é isso, pura ação, e também nos momentos familiares e empresariais, de superação pessoal e de luta nas altas esferas do poder. Nessa batalha entre Ford e Ferrari, estilos antagônicos; a organização e a decisão, em face da distinção e do brilho.
Ford Vs. Ferrari só titubeia um pouco em um retrato, aquele formado em torno do personagem interpretado por Josh Lucas, braço direito de Henry Ford II; o papel de uma única nuance, vilão sem arestas, que parece vir de um filme menos complexo. O resto, no entanto, é muito atraente em uma obra que, não nos esqueçamos, tem como primeiro objetivo o entretenimento, e o alcança em suas (nada longas) duas horas e meia.
Mangold e seus roteiristas deram uma reviravolta na história real com uma guinada de última hora de corte melodramático, que, sim, os subtextos do filme sustentam bem. Mas o fundamental são três outras coisas. Primeiro, a brilhante faceta audiovisual da produção: fotografia, tratamento musical e de som. Segundo, os perfeitos jogos de olhar desenvolvidos por Mangold na filmagem e na montagem. E terceiro, a personalidade de seus intérpretes, a sobriedade em Matt Damon, o desempenho espetacular em Christian Bale. Outra disputa com modos de proceder particulares, desta vez interpretativos, da qual os dois saem vencedores.
FORD VS. FERRARI
Direção: James Mangold.
Elenco: Matt Damon, Christian Bale, Caitriona Balfe, Noah Jupe.
Gênero: drama. EUA, 2019.
Duração: 152 minutos.
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