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Capitão Feio, vilão da Turma da Mônica, ganha interpretação filosófica em nova HQ

Os irmãos Marcelo e Magno Costa encararam o desafio de adaptar o personagem como um anti-herói para o público adulto de Mauricio de Souza

Imagem da HQ 'Capitão Feio - Tormenta'.
Imagem da HQ 'Capitão Feio - Tormenta'.Divulgação

O filósofo inglês Thomas Hobbes defendia que o ser humano é essencialmente mau, o que causa insociabilidade. O Capitão Feio, único vilão criado por Mauricio de Souza na Turma da Mônica, dialoga diretamente com a teoria de Hobbes. Ele mora sozinho nos esgotos e seu grande objetivo é sujar e emporcalhar o mundo (um plano sempre frustrado por Mônica e seus amigos). Em 2017, o personagem que pouco aparecia nos gibis ganhou uma nova vida pelas mãos dos gêmeos Marcelo e Magno Costa, autores de Capitão Feio - Identidade, HQ da Graphic MSP, o universo Mauricio de Souza que deu origem a excelentes obras como Laços e Jeremias - Pele (esta última ganhadora do Prêmio Jabuti no ano passado).

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Na obra, os autores fazem uma releitura angustiante do personagem, com um grande panorama psicológico, apresentando-o como um homem solitário, com perda de memória, sem passado e extremamente poderoso (é capaz de voar, soltar raios de sujeira pelas mãos e destruir coisas com eles, além de dar vida a qualquer junção de lixo). “Foi um desafio trabalhar com um vilão. Por isso, preferimos construí-lo como um anti-herói que, aos poucos, se transforma no vilão que conhecemos dos gibis”, conta Marcelo, responsável pelos traços da história. Magno, que assina o roteiro, prefere definir o Capitão Feio como uma pessoa com seus próprios ideais e que vai contra o senso comum. “Pela visão da sociedade, ele é um vilão, mas ele não se vê assim, simplesmente não se encaixa nas normas sociais”, diz.

Sidney Gusman, editor da MSP, esperou que o selo amadurecesse antes de lançar um livro sobre o vilão. O sucesso foi tanto que os irmãos Magno lançaram em novembro, durante a Comic Con Experience, a segunda parte da história, Capitão Feio - Tormenta, com uma narrativa que mescla ação, espionagem, drama e vingança. Na trama, o Capitão Feio se vê obrigado a deixar os bueiros para enfrentar a Nuvem, cujos poderes causam danos no protagonista. Como acontece em Identidade, Tormenta traz fragmentos do passado do Capitão, por meio de flashbacks, e conta com “participações especiais” de personagens que estão na memória afetiva dos fãs, como Doutor Olimpo e seu assistente José, as gêmeas Cremilda e Clotilde e o Astronauta.

Com o sucesso de vendas da MSP —que já tem 16 títulos, dois deles adaptados para o cinema (Laços e Lições, que estreia em outubro)—, Marcelo e Magno deixam pontas soltas na história do Capitão Feio, pensando em uma terceira continuação. Se dependerem da aceitação do público e dos números do selo, isso está garantido. No ano passado, Jeremias - Pele ficou em terceiro lugar na Nielsen PublishNews, que apura os autores nacionais mais vendidos.

“A Turma da Mônica, no Brasil, representa o que a Disney representa lá fora. Além de cultura pop, é a cultura do país. O Maurício é muito bom em enxergar todos os públicos e uma boa sacada é que as crianças que aprenderam a ler com a Turma da Mônica cresceram e não consomem mais os gibis. Essa lacuna foi preenchida com as novas publicações”, comenta Magno. “E o cara que compra uma edição do selo MSP acaba incentivando os filhos a ler os gibis tradicionais”, acrescenta Marcelo.

A paixão pelos quadrinhos

Os irmãos foram as típicas crianças viciadas em super-heróis e quadrinhos de todos os tipos. Parceiros de útero e de trabalho, como eles mesmos se definem, Magno começou a escrever histórias ainda menino, e Marcelo as lia e ilustrava. Nascidos no interior no Paraná, foram educados com a ideia de que seria preciso trabalhar em algo convencional para ajudar em casa. “Desenhar sempre foi nossa grande paixão, mas a vida adulta chega e você tem que ajudar nas contas. Quando a gente se mudou para São Paulo, esse amor voltou com força e, em um momento, foi tão grande que o trabalho convencional já não era suficiente. Aí decidimos entrar nos quadrinhos de vez, porque é o que a gente gosta de fazer, não tem como lutar contra isso”, conta Marcelo, que deixou o trabalho no comércio para dedicar-se à sua vocação. Magno ainda concilia os quadrinhos com um “trabalho burocrático”, sobre o qual não dá detalhes.

Os gêmeos fizeram sua primeira obra em 2008, Oeste Vermelho, protagonizada por ratos e gatos, espécie de Maus do faroeste, que só foi publicada em 2011. Já na estreia, ganharam o prêmio HQ Mix de novo talento. As referências da dupla vão do cinema de Akira Kurosawa aos quadrinhos cheios de movimento de artistas como James Harden e mangás. Ele celebram que autores brasileiros, como Marcelo D’Salete, ganhador do Prêmio Eisner em 2018, ocupem o mercado internacional. “Nos últimos, anos, nomes como Rafael Grampá, Rafael Albuquerque, Mates Santolouco têm se provado como grandes criadores. E isso é só o começo, ainda há muito potencial de crescimento nacional”, dizem.

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