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E se nós formos os neandertais?

As últimas descobertas genéticas reabrem o debate sobre a possibilidade de que esta espécie não tenha se extinguido, mas foi integrada aos ‘sapiens’

Neandertales
Menina observa uma figura que recria a fisionomia atribuída ao homem de neandertal.MUSEO DEL NEANDERTAL
Guillermo Altares

O debate sobre a capacidade cognitiva dos neandertais, a espécie humana mais próxima da nossa, desaparecida há cerca de 40.000 anos, parece cada vez mais convergente na comunidade científica: eram tão inteligentes, habilidosos, solidários e criativos quanto nós, os homo sapiens. Mas, agora, as novas descobertas genéticas abrem um debate ainda mais desafiador: e se, na realidade, eles não tiverem se extinguido? Impulsionados por novas análises de DNA fóssil, alguns especialistas apontam que os neandertais continuam por aqui porque somos nós, já que ocorreu uma integração entre as duas espécies.

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Quanto mais material genético conseguem extrair e analisar da pré-história remota —algo nada simples, porque quanto mais antigo o DNA, mais difícil é obter resultados confiáveis— fica mais evidente que neandertais e humanos mantiveram cruzamentos constantes. A revista Nature revelou na quarta-feira as análises de DNA de quatro indivíduos europeus de 45 mil anos atrás: todos eles tinham ancestrais, mais ou menos diretos, neandertais. E não é a primeira vez que isso acontece: os outros dois genomas do homo sapiens daquela época analisados também revelam hibridização entre as espécies, num caso, aliás, muito recente (o seu tataravô pertencia à outra espécie).

Se os cruzamentos entre os neandertais e o homo sapiens fossem raros e bem localizados no tempo e no espaço, esses resultados seriam o equivalente científico a encontrar uma agulha no imenso palheiro da pré-história. O fato de ancestrais diretos aparecerem repetidamente indica um padrão. Não está claro quantas ondas migratórias humanas vieram da África para a Europa e Ásia, ou quando ocorreram. Nem o que aconteceu com os seres humanos —neandertais e denisovanos— que estavam lá quando nossa espécie chegou. Mas é evidente que mantiveram muito mais do que relações de amizade, como mostram os resultados obtidos pela equipe de Svante Pääbo, o geneticista sueco que revolucionou a investigação da evolução humana graças à análise de DNA antigo e que obteve o primeiro genoma completo de um neandertal.

“O rastro do neandertal está muito presente, em seis ou sete gerações anteriores”, explica Antonio Rosas, paleoantropólogo do Conselho Superior de Pesquisas Científicas (CSIC) e um dos grandes especialistas europeus em neandertais. “Quando os restos mais recentes foram analisados, parecia que a hibridização tinha sido mais esporádica; mas os novos resultados mostram que é muito mais frequente”, acrescenta este pesquisador, que, no entanto, não concorda com a teoria da” diluição dos neandertais na população humana”.

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“Me parece ser uma visão de benevolência um pouco ingênua”, prossegue Rosas. “Os cro-magnons analisados são claramente sapiens do ponto de vista fenotípico: não são neandertais, nem mesmo uma mistura. Mas essas novas descobertas, sem dúvida, reabrem o debate sobre a possibilidade de que houve uma integração de neandertais e sapiens. É possível que em alguns lugares esse fenômeno tenha ocorrido; mas também é provável que em outros os neandertais foram extintos.” Fatores como geografia ou clima poderiam ter influído na extinção ou integração.

Outros peritos acreditam, contudo, que esses resultados mostram claramente que a extinção não ocorreu, mas que os neandertais foram absorvidos pelos sapiens. Raquel Pérez Gómez, bióloga especialista em genética e doutora em Ciências Veterinárias da Universidade Complutense de Madri, publicou um artigo há três anos no EL PAÍS em que destacava que a paleogenética estava corroendo a ideia de que se trata de duas espécies diferentes. “Esses resultados confirmam (mais ainda, se for possível) a posição de que não é possível falar em espécies, nem em híbridos, nem em extinção dos neandertais”, diz Pérez Gómez por e-mail.

“Na ciência os conceitos são fundamentais”, continua Pérez Gómez. “De acordo com [o biólogo evolucionista] Mayr e [o geneticista] Dobzhansky, se aceita que uma espécie biológica é um grupo natural (ou população) de indivíduos que podem cruzar entre si e gerar descendentes férteis. Quanto mais fósseis são sequenciados, mais eventos de cruzamento entre neandertais e humanas que migravam da África são documentados. Quanto mais informações tivermos, mais completos se tornarão o mapa genético e a história evolutiva de nossa espécie. E apesar de todas as resistências, dentro de algumas décadas ficará claro pelo peso das evidências que os neandertais eram humanos como nós, com características, digamos, arcaicas”.

Um crânio de neandertal (direita), com outro de humano atual.
Um crânio de neandertal (direita), com outro de humano atual. AP

O interessante é que o processo de hibridização não ocorreu ao contrário: nenhum vestígio de DNA de sapiens foi encontrado em neandertais europeus recentes, o que indicaria que os humanos modernos adotaram neandertais; mas estes não coexistiram em seus grupos com os humanos modernos. Embora, como sempre na pré-história, quanto mais se sabe, mais misterioso tudo se torna: Antonio Rosas lembra, porém, que em neandertais siberianos mais antigos, de cerca de 100.000 anos atrás, foram encontrados vestígios de sapiens.

O que parecia impossível há não muito tempo está se tornando realidade. Quando o filme A Guerra do Fogo foi lançado, em 1981—a versão de Jean Jacques Annaud do romance clássico de J.-H. Rosny Aîné—, recebeu muitas críticas por mostrar uma cena de sexo entre uma sapiens e um neandertal. A paleogenética o endossou, mas também enfatiza algo que tem uma clara leitura contemporânea: o estudo da pré-história nos mostra que é um absurdo falar de raças, que a humanidade é o resultado de um cruzamento infinito. Nós, a humanidade moderna, somos uma mistura interminável, que se prolonga por séculos e milênios.

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