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Estudo com mais de 600 pacientes descreve a “língua de covid-19” como um sintoma do coronavírus

Mais de 25% dos pacientes apresentavam alterações na mucosa oral, úlceras bucais, língua dilatada com marcas dos dentes nos laterais, sensação de ardência e inflamação da língua

Uma mulher mostra a língua para uma enfermeira em Los Angeles, na Califórnia, em 23 de janeiro de 2021
Uma mulher mostra a língua para uma enfermeira em Los Angeles, na Califórnia, em 23 de janeiro de 2021Genaro Molina (Los Angeles Times via Getty Imag)

Quando a primeira onda da pandemia arrasou os hospitais espanhóis na primavera boreal de 2020, muitas salas de cirurgia tiveram de ser fechadas para dar lugar a pacientes de covid-19 em estado crítico. Com suas cirurgias de tumores de pele canceladas no hospital madrilenho La Paz, a dermatologista Almudena Nuño González se apresentou para trabalhar como voluntária no hospital de campanha montado às pressas no recinto de feiras da Ifema, em Madri, ao qual começavam a chegar, no final de março, centenas de pacientes com covid-19. A médica não pôde evitar observá-los com olhos de dermatologista e começou a apontar sintomas marcantes, como a “língua de covid-19”.

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“Encontramos algumas alterações na língua que até então não tinham sido relacionadas com a covid-19: é uma língua dilatada, como se estivesse inchada, na qual se veem as marcas dos dentes, e também pode estar despapilada, com áreas de seu dorso com pequenos buraquinhos onde as papilas estão achatadas. Vê-se como uma língua com manchas rosadas”, explica Nuño González, cuja equipe anunciou suas descobertas nesta terça-feira em um comunicado.

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A dermatologista e seus colegas estudaram 666 pacientes internados entre 10 e 25 de abril de 2020 no hospital de campanha da Ifema. A média de idade dos pacientes era de 56 anos e quase metade era de origem latino-americana. Todos tinham pneumonias leves ou moderadas. A análise dos médicos mostra que mais de 25% deles apresentavam também alterações na mucosa oral, como a papilite lingual transitória (11%) — doença inflamatória que causa pequenas protuberâncias na língua —, úlceras bucais (7%), língua dilatada com marcas dos dentes nos laterais (7%), sensação de ardência (5%) e inflamação da língua com a citada despapilação (4%), segundo os resultados da pesquisa, já publicados em setembro na revista especializada British Journal of Dermatology.

A dermatologista Almudena Nuño González, do Hospital Universitário La Paz.
A dermatologista Almudena Nuño González, do Hospital Universitário La Paz.

Nuño González destaca que outros fatores poderiam explicar alguns desses sintomas, como certos medicamentos ou a ventilação com oxigênio, que seca a boca e pode irritar a língua. “Mas a língua despapilada se deve 100% à covid-19, porque não ocorre por nenhuma outra circunstância nem nenhum tratamento”, afirma. “É uma descoberta que pode auxiliar no diagnóstico, como a perda do olfato ou do paladar. São sintomas muito característicos”, acrescenta.

Língua dilatada e com marcas dos dentes nas laterais de um paciente com covid-19. HOSPITAL UNIVERSITÁRIO LA PAZ
Língua dilatada e com marcas dos dentes nas laterais de um paciente com covid-19. HOSPITAL UNIVERSITÁRIO LA PAZ Hospital Universitario La Paz

Os dermatologistas também detectaram alterações na pele das palmas das mãos e das solas dos pés em quase 40% dos pacientes, principalmente descamação (25%), pequenas manchas de cor avermelhada ou marrom (15%) e uma sensação de ardência conhecida como eritrodisestesia (7%). Ao todo, quase metade dos doentes analisados na Ifema apresentava sintomas na pele ou na mucosa da boca.

Muitos especialistas alertam desde o segundo trimestre de 2020 para a existência desses possíveis sintomas. Em maio, por exemplo, a dentista Carmen Martín Carreras-Presas, da Universidade Europeia de Madri, publicou três casos de úlceras ou bolhas na boca supostamente associados à covid-19. Em julho, a dentista Milagros Díaz Rodríguez, da mesma universidade, descreveu outros três casos de sintomas na cavidade oral ligados ao coronavírus, como a sensação de ardência e a despapilação da língua. A dermatologista Almudena Nuño González diz que esses primeiros informes foram recebidos com ceticismo, por se referirem a muito poucos casos. “Nós, ao estudarmos um número tão grande de pacientes, pudemos efetivamente demonstrar que esses sintomas estão relacionados com a covid-19”, afirma Nuño González, nascida em Madri em 1983.

O epidemiologista britânico Tim Spector, do King’s College de Londres, também assinalou nos últimos dias que está recebendo dezenas de informes sobre lesões na língua, por meio de um aplicativo no qual os doentes de covid-19 descrevem seus sintomas. “Spector confirmou na população geral com covid-19 leve, em suas casas, o que nós vimos em pacientes internados com pneumonia”, afirma Nuño González.

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Os sintomas cutâneos eram mais conhecidos. Uma equipe da Academia Espanhola de Dermatologia e Venereologia publicou já em abril as manifestações mais típicas da covid-19 na pele, como erupções semelhantes a frieiras, erupções vesiculares e as lesões urticariformes. Nuño González acredita que os sintomas na boca passaram mais despercebidos no início da pandemia devido ao caos dos primeiros momentos. “No final de março e início de abril havia muito medo da doença, tentava-se fazer com que os pacientes mantivessem a máscara o maior tempo possível, e muitas vezes suas mucosas não eram analisadas”, lembra.

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