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Dois crânios de babuínos de 3.300 anos atrás revelam o lugar de origem de uma misteriosa civilização

Esmalte dos dentes dos animais mumificados ajuda a descobrir a localização do Reino de Punte, um entreposto comercial de artigos de luxo onde os antigos egípcios compravam produtos para rituais

Um dos crânios de babuíno de 3.300 anos de idade que ajudaram a determinar a localização do Reino de Punte
Um dos crânios de babuíno de 3.300 anos de idade que ajudaram a determinar a localização do Reino de Punte
Juan Miguel Hernández Bonilla

O Reino de Punte era um dos entrepostos comerciais de artigos de luxo mais importantes para os antigos egípcios. Os hieróglifos da época mostram que a primeira expedição à Terra de Deus, como era chamado pelos marinheiros, remonta ao ano 2500 a.C. e foi ordenada pelo faraó Sahura. O objetivo dessas viagens a paragens longínquas, que se sucederam com frequência até o fim da civilização egípcia, era comprar incenso, mirra, marfim, peles de leopardo, madeiras preciosas e babuínos para usá-los em rituais de culto e adoração.

Os arqueólogos modernos não tinham encontrado até agora nenhuma prova que determinasse com certeza o lugar de origem desta enigmática terra; acreditava-se que estava em alguma parte da costa do mar Vermelho. Entretanto, uma equipe de cientistas, liderada por Nathaniel Dominy, primatologista da faculdade Dartmouth (New Hampshire, Estados Unidos), descobriu recentemente, arquivados no Museu Britânico, dois crânios de babuínos de 3.300 anos de idade que ajudaram a revelar a localização do Reino de Punte. Seu trabalho foi publicado recentemente na revista científica Elife.

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Dominy explica por email que os isótopos químicos do esmalte dos dentes dos babuínos, encontrados no século XIX em uma tumba egípcia da cidade de Tebas, dão pistas sobre seu lugar de nascimento. De acordo com o cientista, o solo e a água de uma região específica têm uma proporção distintiva de isótopos de oxigênio e estrôncio, que ficam guardados na dentadura durante os primeiros anos de vida dos animais e permanecem sem nenhuma alteração mesmo quando eles crescem e migram.

Os pesquisadores compararam os isótopos dos dois crânios achados nas tumbas egípcias com os de 155 babuínos de 77 localizações diferentes nas costas da África para estimar sua procedência geográfica. Assim, a equipe de Dominy pôde estabelecer que os babuínos mumificados não só não eram originários do Egito como também que tinham nascido na agora descoberta localização do Reino de Punte, na região da atual Eritreia, Etiópia e o noroeste da Somália. “A investigação começou quando percebemos que podíamos usar os babuínos como prisma para investigar a geografia dos primórdios do comércio marítimo dos antigos egípcios”, diz o pesquisador.

Dominy afirma que os resultados da pesquisa “são os primeiros a traçar um mapa de Punte utilizando dados empíricos”. Seu trabalho, além disso, desafia os estudiosos das civilizações antigas que questionaram sempre as habilidades náuticas dos primeiros navegantes egípcios. “Comprovamos que os marinheiros egípcios viajavam distâncias muito mais longas do que se acreditava para comprar babuínos vivos”, conclui Dominy.

O esmalte dos dentes dos babuínos contém isótopos que permitem a identificação de seu local de nascimento.
O esmalte dos dentes dos babuínos contém isótopos que permitem a identificação de seu local de nascimento.

Estes personagens, sagrados para os antigos egípcios, representavam a encarnação de Thoth, um dos deuses da sabedoria, e simbolizavam Amun-Ra, o grande deus do sol. Segundo Dominy, os sons que os babuínos fazem para o sol ao amanhecer podem explicar o motivo da adoração a eles. “É possível que os antigos egípcios fossem testemunhas deste comportamento natural dos babuínos e por isso os considerassem dignos de veneração”, diz Dominy. E continua: “As estátuas de babuínos no Egito sempre estão olhando para o leste, para o sol nascente, com os braços levantados. Esta saudação é uma postura de adoração comum nas práticas religiosas egípcias”.

O deus Thoth representado como um babuíno.
O deus Thoth representado como um babuíno.INTERFOTO / Alamy Stock Photo (Alamy Stock Photo)

De acordo com a publicação científica, o babuíno sagrado foi um motivo recorrente na arte e na religião do antigo Egito: desde estatuetas pré-dinásticas até tradições mortuárias, incluindo afrescos, relevos, amuletos e estátuas. Pearce Paul Creasman, arqueólogo do Centro Americano de Pesquisas Orientais, disse em uma entrevista à revista Science que o achado de Dominy e sua equipe é um passo “muito importante para compreender melhor esta terra misteriosa que ainda não entendemos totalmente”.

A investigação de Dominy e seus colegas ajuda a corroborar os registros escritos de um programa de cativeiro de babuínos no antigo Egito. “Ao analisar os isótopos de outros cinco babuínos mumificados descobrimos que havia uma espécie de criadouro de personagens, localizado provavelmente na cidade de Memphis”, diz Dominy.

Os pesquisadores concordam que a navegação de longa distância entre o Egito e Punte foi um marco importante na história da humanidade porque impulsionou a evolução da tecnologia marítima. “O comércio de artigos exóticos de luxo, incluindo os babuínos, foi o motor das primeiras inovações náuticas”, conclui o pesquisador. O trabalho também é crucial para compreender melhor as antigas rotas comerciais que deram forma às fortunas geopolíticas durante milênios, evidenciando a necessidade de realizar mais pesquisas arqueológicas na Eritreia e Somália, duas áreas atualmente pouco estudadas.

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