Acossado pelo STF, Governo aprova PEC dos Precatórios na Câmara
Votação em 2º turno do projeto que rompe o teto de gastos foi maior do que no 1º turno, apesar de a maioria do Supremo votar a favor de suspender pagamentos de emendas sem transparência
A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta terça-feira o texto-base da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que permite ao Governo, ao mesmo tempo, adiar o pagamento de dívidas impostas pela justiça e furar o teto de gastos. Apesar de, horas antes, o Supremo Tribunal Federal (STF) formar maioria para manter suspenso o orçamento secreto do Congresso Nacional —usado pelo Palácio do Planalto para conseguir apoio para o projeto—, a aprovação em segundo turno desta terça-feira teve mais votos (323) do que no primeiro turno (312). Para que pudesse ser encaminhada para o Senado, a PEC precisava de pelo menos 308 votos. Ainda faltam votar destaques ao texto, o que pode ocorrer ainda nesta semana. Na sequência, a proposta segue ao Senado, onde deve enfrentar resistências.
Mais cedo, seis dos dez ministros do STF votaram por suspender os pagamentos das emendas sem transparência que o Governo Bolsonaro usava para motivar os deputados a apoiar a proposta. Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski acompanharam o voto da relatora Rosa Weber, que entendeu que o mecanismo de pagamento de emendas sem a identificação sobre quem apresentou a sugestão fere a transparência pública, uma das regras previstas na legislação brasileira.
Até o momento o único voto divergente foi o do ministro Gilmar Mendes. Ele discordou com a suspensão dos pagamentos já em andamento, sob o risco de obras como de hospitais serem paralisadas. Mas concordou com a relatora de que é necessário dar maior publicidade à destinação das emendas. Ainda faltam votar três ministros: Luiz Fux, José Antônio Dias Toffoli e Kássio Nunes Marques. Mas um deles ainda pode parar toda a votação, caso peça vistas do processo. O prazo para a votação iniciou à 0h desta terça-feira e se encerra às 23h59 de quarta-feira. Caso alguém peça vista, o processo segue suspenso até que ele seja devolvido pelo ministro que a solicitou e seja colocado novamente em pauta por Fux, o presidente da corte.
O orçamento secreto foi criado em 2019 para ser aplicado a partir de 2020. Na prática, os congressistas passaram a destinar parte dos recursos do Orçamento Geral da União para a emenda do relator, conhecida como RP9. Para 2021, foram destinados 16,8 bilhões de reais para essa rubrica. A questão que tem sido discutida é que as indicações para a aplicações dos recursos são anônimas, ao contrário das outras três modalidades de emendas: as individuais, as de bancada estaduais/regionais e as de bancadas temáticas.
As emendas do relator têm sido o principal instrumento usado pelo Governo Jair Bolsonaro para obter apoio do Congresso Nacional. Neste ano, ao menos 6,5 bilhões de reais já foram distribuídos para indicações feitas por parlamentares. Na véspera da votação da PEC dos Precatórios, na semana passada, lideranças partidárias relataram que mais 1,2 bilhão de reais seriam pagos dentro do orçamento secreto em troca de apoio.
Entre especialistas, o uso da emenda do relator tem sido chamado de o mensalão de Bolsonaro. É uma alusão ao mensalão petista, que se tratava da compra de votos em troca de apoio durante o primeiro Governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A diferença entre eles é que no caso de Bolsonaro, os parlamentares e o Executivo encontraram uma maneira de driblar a legislação, o que está sendo questionado agora. No caso dos petistas, 24 políticos, lobistas e empresários foram presos por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e peculato.
A PEC dos Precatórios é a proposta de emenda constitucional que o Governo tenta aprovar no Legislativo para abrir espaço e criar o Auxílio Brasil, o programa assistencial sucessor do Bolsa Família. A votação dela também foi contestada no Supremo, mas a ministra Rosa Weber negou pedido de liminar para suspendê-la. A ministra mencionou o princípio da separação dos poderes para não se intrometer na questão. Weber diz ainda em sua decisão que a autorização para o voto remoto de parlamentares, no primeiro turno da votação, não violou a Constituição.
No Legislativo, os deputados já estudam maneiras alternativas de usar o dinheiro da barganha presidencial. Dois vice-líderes partidários ouvidos pela reportagem disseram que os direcionamentos dos requerimentos por emendas podem ser destinados para as emendas de bancadas estaduais ou temáticas. Há um temor entre membros da base governista de que com a transparência alguns deputados se sintam menos prestigiados que outros e cobre esse preço do Executivo.
A batalha do Governo segue agora no Senado, onde o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) já avisou que a matéria terá prioridade. Nesta terça, durante entrevista em Glasgow, onde participa da COP26, Pacheco disse que refuta “a ideia do chamado orçamento secreto”. Segundo ele, não falta clareza ao processo.
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