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Polícia vê indícios de crime de ódio e busca único suspeito pela morte de três homossexuais no Sul

Segundo delegado, duas vítimas do Paraná e uma de Santa Catarina foram selecionadas por meio de aplicativo de relacionamentos e encontradas com sinais de asfixia. Suposto alvo de ataque fez denúncia

Imágenes de José Tiago Correia Soroka utilizadas por la policía en la búsqueda
Imagens de José Tiago Correia Soroka usadas pela polícia nas buscas.POLICÍA CIVIL DE PARANÁ
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Homens jovens, gays, com boas condições financeiras e que moravam sozinhos: esse é o perfil das vítimas que a Polícia Civil no Paraná atribui a José Tiago Correia Soroka, de 32 anos. Ele é suspeito de matar e roubar o enfermeiro David Júnior Alves Levisio, de 30 anos, no dia 27 de abril, e o estudante de Medicina Marco Vinício Bozzana da Fonseca, de 25 anos, em 4 de maio. Ambos moravam em Curitiba. Também está ligada a Soroka a morte do professor universitário Robson Olivino Paim, 36, na cidade de Abelardo Luz (SC), em 16 de abril.

Apesar de os casos serem investigados como latrocínio —ou roubo seguido de morte, já que os três tiveram pertences como celular e computador levados—, a polícia também apura a hipótese de crime de ódio, que cresce de forma acentuada no Brasil nas últimas décadas. O delegado Thiago Nóbrega, responsável pelo caso em Curitiba, explica que a hipótese de crime de ódio é estudada pelas características das vítimas e pelo modo de agir do suspeito. Tanto nos casos de Curitiba quanto no de Santa Catarina, os corpos foram encontrados deitados na cama de barriga para baixo, vestidos, com as mãos para trás, e um cobertor na cabeça, sinais de que podem ser sido asfixiados.

Segundo a polícia, o suspeito buscava as vítimas por meio do aplicativo Grindr, voltado para encontros entre pessoas LGBT. De acordo com o delegado, Soroka utilizava perfil falso, se identificava por outros nomes e não usava foto do rosto. “Todos os e-mails e endereços usados por ele no cadastro do aplicativo eram falsos, e ele fazia uso de internet somente em estabelecimentos públicos para não ser rastreado”.

Ainda de acordo com Nóbrega, o suspeito atacava as vítimas de forma rápida, com um mata-leão, golpe de estrangulamento realizado pelas costas e que deixa a pessoa inconsciente em poucos minutos. “Estamos aguardando os laudos periciais, mas tudo leva a crer que pegava as vítimas de modo indefeso logo no começo [do encontro] e, depois, matava por asfixia”. Nóbrega relata ainda que Soroka deixava o ambiente arrumado, sem indícios de luta corporal.


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A morte do enfermeiro e do estudante de Medicina causou comoção em Curitiba: Levisio trabalhava na linha de enfrentamento à covid-19 há pouco mais de um ano e sonhava em ser médico. Sua irmã, Pablicia Levisio Costa, divulgou no domingo, em sua página no Facebook, as publicações da Polícia Civil sobre as buscas por Soroka. “Divulguem, queremos justiça!”, escreveu. Marcos Vinício Fonseca era aluno da turma 79 do curso de Medicina da PUC-PR. O Centro Acadêmico Mário de Abreu destacou em nota nas redes sociais que o estudante era “muito querido entre professores e alunos”. O professor Paim foi homenageado no dia 22 de abril pelo curso de Geografia da Universidade Federal da Fronteira (UFSS, campus Eerechim), onde lecionava.

Vergonha de denunciar e aumento dos crimes de ódio

Uma denúncia feita no dia 11 de maio, de uma pessoa que relatou ter sobrevivido aos ataques supostamente de Soroka, foi fundamental para a identificação pela Polícia Civil: um arquiteto na casa dos 20 anos, morador de um bairro nobre de Curitiba. “O que a vítima nos contou é que ele [Soroka] chegou ao apartamento muito educado e pediu que a vítima tirasse a roupa. Quando ele ficou de costas, tentou esganar a vítima. Mas a vítima, por ser forte e alta, conseguiu lutar e se esquivar. Só sobreviveu porque era forte”, diz o delegado.

A polícia acredita que existam outras vítimas. “Em alguns casos o laudo é inconclusivo e não se tem certeza da asfixia. Em outras tentativas, temos informações de que, por vergonha, as pessoas não denunciaram”, conta o delegado. O diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI+, Toni Reis, corrobora a informação. “Temos algumas vítimas desse serial killer que, por não serem assumidas, não querem falar. E isso é um problema para a impunidade”, acredita.

Toni Reis ressalta que a Central de Denúncias LBGTI+ está aberta para receber denúncias sobre o caso ou outras ocorrências de LGBTfobia. A Polícia Civil do Paraná informa que pistas sobre José Tiago Correia Soroka podem ser informadas pelos telefones 0800-643-1121, 197 ou 181.

Relatório Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil - 2020, elaborado pela Acontece Arte e Política LGBTI+ e Grupo Gay da Bahia, divulgado na semana passada, aponta que, da década de 1990 para cá, o aumento no número de mortes motivadas pela LGBTfobia foi de aproximadamente 60%, sendo 2017 o ano com o maior número de vítimas: 455.

Em 2020, o montante foi de 237 mortes, uma queda de 28% em relação a 2019. A redução, de acordo com o relatório, ocorreu “por uma oscilação numérica imponderável e pela enorme subnotificação identificada durante as buscas, pesquisas e registros” e pela falta de investimentos em políticas públicas, campanhas de incentivo à denúncia e proteção às vítimas desde 2018.

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