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Em Santos, a cidade com mais mulheres no Brasil, só duas vereadoras e nenhuma candidata a prefeita

Município do litoral paulista fundado em 1890, teve até hoje apenas uma mulher no comando do Executivo municipal, há quase 30 anos. Na Câmara, também há apenas duas vereadoras. Caso não é exceção: um em cada 4 municípios brasileiros não tem vereadoras

A vereadora Telma Santos (PT) foi a única prefeita de Santos, entre 1988 e 1992. Ela tenta a reeleição como vereadora.
A vereadora Telma Santos (PT) foi a única prefeita de Santos, entre 1988 e 1992. Ela tenta a reeleição como vereadora.Camila Svenson
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De todas a cidades do Brasil, Santos, no litoral do Estado de São Paulo é a que, proporcionalmente, concentra o maior número de mulheres no país. Elas representam 54,2% da população, segundo o último censo do IBGE. Mesmo sendo maioria entre os habitantes, elas são minoria nos espaços de representação política, principalmente na chefia da administração municipal. Fundada em 1890, a cidade de cerca de 419.000 habitantes teve, até hoje, apenas uma prefeita: Telma de Souza, entre 1988 e 1992, eleita pelo PT. Nas eleições deste domingo, este quadro de pouca representatividade feminina tampouco irá mudar. Das 14 candidaturas à prefeitura, nenhuma é de uma mulher. Coube a elas tentar o cargo de vice da chapa. Onze candidatas da cidade disputam essa posição.

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Na Câmara Municipal de Santos, a presença de mulheres também é escassa. Atualmente, a casa possui 19 vereadores e apenas duas vereadoras. Uma dela é justamente a ex-prefeita da cidade, Telma de Souza (PT), e a outra Audrey Kleys (Progressistas). As duas tentam reeleição neste ano e disputam com algumas dezenas de candidatas.

"Quando eu entrei na Câmara em 2017, a última legislatura tinha sido só de homens. Para eles respeitarem a nossa fala e vez, tive que batalhar, era muito interrompida. Era vista como uma pessoa frágil. Por que precisamos ser penalizadas pelas características externas?”, diz a vereadora Audrey Kleys, de 46 anos, que já era conhecida na cidade por ter trabalhado 15 anos como jornalista na TV Tribuna (afiliada da Rede Globo). Antes de tentar o cargo de vereadora, ela trabalhou como secretária adjunta de Educação do município.

Na avaliação de Kleys, as pessoas que já estão em cargos eletivos têm uma visibilidade maior e mais chances de permanecer, o que dificulta a entrada de novas vozes, principalmente femininas. “Como temos mais homens eleitos, essa roda vai girando, sem mudanças, o que complica a situação para a candidatura de mulheres”, explica.

A presença de mulheres ―ainda que mínima― representando a cidade na Câmara já muda o cenário das políticas públicas, segundo a vereadora. “Quando uma mulher ocupa um espaço público, ela motiva e atrai mais mulheres, que percebem que podem ocupar esses lugares. E ela consegue trazer mais políticas para assuntos que nem seriam tocados quando há uma ocupação só masculina”, diz. Kleys lembra que, até 2018, a cidade não possuía atendimento para casos de endometriose no Sistema Único de Saúde (SUS). “Eu abracei a causa, porque muitos homens não sabiam o que era a endometriose, que só atinge mulheres. Conseguimos um centro de referência para a região. Veja a importância da representatividade”, diz.

Vereadora Audrey Kleys (Progressistas) em seu comitê de campanha.
Vereadora Audrey Kleys (Progressistas) em seu comitê de campanha.Camila Svenson

Outra barreira enfrentada para maior inserção das mulheres na política é o próprio machismo estrutural. “Muitos mulheres me dizem: meu marido não vai aceitar eu levar uma vida como a que você leva. Com o horário disponível para a população. Não posso assumir um cargo que estou fora sábado e domingo à noite. É uma profissão de riscos. Parece mentira, mas é verdade, a sociedade não está preparada para isso”, afirma Kleys.

“Quando uma mulher ocupa um espaço público ela motiva e atrai mais mulheres, que percebem que podem ocupar esses lugares"
Vereadora Audrey Kleys

Quando a reportagem do EL PAÍS chegou para entrevistar a vereadora em seu comitê de campanha, ela tinha acabado de receber a notícia que a candidata do PSDB à Prefeitura de São Vicente (na região metropolitana da Baixada Santista), Solange Freitas, tinha sofrido um atentado naquela manhã. O carro em que a candidata estava foi alvejado por rajadas de tiros, mas ninguém se feriu pois o automóvel era blindado. Solange, que também é jornalista, foi colega de Kleys na afiliada da TV Globo em Santos e faria naquele dia uma live com a vereadora. A escalada de violência política nas eleições municipais já soma 82 candidatos ou militantes assassinados. “É lamentável ainda vivermos uma situação desta. O atentado não foi somente à vida, mas também à democracia e a todos os candidatos que querem participar de um pleito para tornar uma sociedade realmente mais justa”, diz a vereadora, que considera que a violência também pode afugentar novas candidaturas.

Capital político familiar

Única prefeita eleita de Santos e atual vereadora, Telma de Souza, de 76 anos, gostaria de ter a fórmula para que as mulheres fossem eleitas prefeitas. “Assim resolveríamos logo o problema da desigualdade de representatividade”, afirma em entrevista em sua casa em Santos, ao EL PAÍS. No seu caso específico, ela acredita que contou com um diferencial grande, o capital político familiar. A vereadora é filha dos ex-vereadores João Inácio de Souza, o Joãozinho do Instituto e Hilda de Souza. “A minha primeira campanha era Telma de Souza, filha do Joãozinho do Instituto. Ele era conhecido e querido. Então pedi ajuda paterna. Depois escrevi minha própria trajetória”, afirma.

Marina Barros, do Instituto Alziras, cuja missão é ampliar e fortalecer a presença de mulheres na política, explica que para que candidatas consigam se tornar competitivas nas eleições são necessários três elementos: tempo, recurso e rede de contato. A importância de contatos políticos pode ajudar a entender porque, para as mulheres que ingressam na carreira política, acaba sendo tão importante o capital político familiar, herdado de pais, irmãos ou maridos. “Mas é uma questão que atinge tanto homens, como mulheres, é um facilitador”.

Telma de Souza afirma ter aproveitado seu capital político como ex-prefeita para ampliar o número de mulheres em seu Governo. “Quando virei prefeita, crie políticas voltadas paras as mulheres, o que fez diferença e também trouxe para o meu lado cerca de sete mulheres, que depois seguiram a carreira e foram deputadas. Tudo isso incentiva a pensar: se elas podem, por que eu não posso?”, diz.

A vereadora do PT explica que ao longo dos mais de 30 anos na política ela foi construindo e descobrindo seu próprio papel como mulher na política. “Quando a gente chega nas esferas do poder institucional e olha para o lado e só tem homem, tentamos imitá-lo. Não temos um modelo nosso e vamos para o que existe”, diz. Ela explica que é simbólico que quando ingressou na política como deputada federal ela tinha 20 terninhos. “Não usava saia nem vestidos. É um estereótipo estético profundamente calcado no nosso subconsciente. Tinha colega que quando ia falar precisava engrossar a voz e dar murro na mesa. Era uma caricatura”, conta. Para Telma de Souza, o movimento feminista “precisa aparar as arestas e criar um modelo de poder próprio”, e não algo imitado dos homens.

“Quando a gente chega nas esferas do poder institucional e olha para o lado e só tem homem, tentamos imitá-lo. Não temos um modelo nosso e vamos para o que existe”
Vereadora Telma Santos

Cotas femininas

Ela vê com bons olhos a lei que prevê pelo menos 30% de candidaturas no partido para cada sexo, mas acredita que as cotas são uma ferramenta de passagem. “Não podemos tratar igualmente os desiguais, tem que dar uma força. Mas não pode ser sempre assim ou tem algo errado na construção dessa igualdade”, avalia.

Audrey Kleys também é a favor da porcentagem mínima de mulheres nos partidos, mas defende que as siglas tenham a consciência de investir na formação política das mulheres e não apenas chamá-las para completar a cota durante o período eleitoral. Ao menos 5% do Fundo Partidário de cada partido deve ser, por lei, anualmente destinado para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação da política das mulheres. “Parte do fundo precisa ser aplicado em formação, mas muitos desconhecem. E no fim é difícil esse dinheiro chegar e eu digo como presidente estadual do partido. São vários situações e bloqueios, que esse dinheiro não chega para o município.”

Sobre a proliferação de vice-candidatas no país e em Santos, que possuem 11 candidatas ao cargo, Kleys avalia que é um avanço. “Os partidos já não têm como negar uma candidatura que tenha uma mulher na chapa”, diz. Especialistas alertam que a utilização de mulheres no segundo posto da chapa é um movimento estratégico, já que o financiamento destinado à candidatura feminina (de 30%) acabe sendo utilizado, na verdade, pelo cabeça de chapa masculino. “É uma estratégia, mas o homem que não colocar uma mulher ao lado, desculpa, mas a tendência é que ele se afunde politicamente”, diz a vereadora. Audrey chegou a se colocar à disposição do partido para se candidatar à prefeitura, mas “como foi feita uma coligação, a proposta não foi aceita”. “Lamentei o fato, porque poderíamos ter a chance de uma corrida majoritária mais saudável em Santos”.

A santista Regina Célia, de 71 anos, é a apoiadora do presidente Jair Bolsonaro e não pretende votar em nenhuma candidatura feminina neste ano, apesar de apoiar uma maior representatividade de mulheres no poder.
A santista Regina Célia, de 71 anos, é a apoiadora do presidente Jair Bolsonaro e não pretende votar em nenhuma candidatura feminina neste ano, apesar de apoiar uma maior representatividade de mulheres no poder.Camila Svenson (El País)

Cidade com perfil conservador

Santos é uma cidade com um terço do eleitorado com mais de 65 anos e é visto como um município mais conservador e tradicional nos costumes. Em 2018, de cada três santistas que compareceram às urnas, dois votaram no atual presidente Jair Bolsonaro. Um presidente que tampouco tem em seu Governo uma alta representatividade feminina nos cargos de chefia. Dos 17 ministérios, apenas duas mulheres estão no comando das pastas. Apoiadora do presidente, a santista Regina Célia, de 71 anos, acredita que as mulheres se beneficiariam de ter mais mulheres no poder, mas não pretende votar em nenhuma neste ano. “Eu sou Bolsonaro e escolho o prefeito e os candidatos que ele apoia”, diz.

Já a moradora Thaís Lima Souza, de 28 anos, lamenta a falta de opção de mulheres na disputa ao cargo mais alto da cidade. “Eu voto preferencialmente em mulheres. Tenho algumas opções de vereadores. Mas na prefeitura não tenho nem opção”, afirma. O caso de Santos não é uma exceção, mas sim um retrato do Brasil. Neste ano, apenas 13% das candidaturas à prefeitura eram de mulheres. Um em cada quatro municípios brasileiros não tem atualmente vereadoras mulheres.

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