Felizmente, Robinho, existe o movimento feminista
No ano difícil de 2020, é preciso comemorar que o movimento feminista se fez ouvir onde dói, no bolso do Santos
Felizmente existem mulheres como Débora Diniz. A antropóloga, colunista do EL PAÍS e ativista feminista reconhecida mundialmente não descansa no processo de dissecar as violências contra as mulheres. “Ler os diálogos de Robinho no processo judicial é como olhar pelo buraco da fechadura para a masculinidade perversa. Homens entre si exercitando a pedagogia da ...
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Felizmente existem mulheres como Débora Diniz. A antropóloga, colunista do EL PAÍS e ativista feminista reconhecida mundialmente não descansa no processo de dissecar as violências contra as mulheres. “Ler os diálogos de Robinho no processo judicial é como olhar pelo buraco da fechadura para a masculinidade perversa. Homens entre si exercitando a pedagogia da violência contra as mulheres”, Diniz escreveu, sintetizando os diálogos revelados pelo Globo Esporte que constam do processo que condenou o jogador na Itália por violação sexual grupal em primeira instância.
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As declarações do jogador são fruto de escutas autorizadas pela Justiça italiana, que se prepara para julgar o recurso de Robinho em 10 de dezembro. O atacante diz que não cometeu nenhum crime. Tem amplo direito de defesa e mais duas instâncias locais para fazê-lo. É para uma magistrada ou magistrado italiano que a defesa do jogador terá que explicar que contexto é capaz de modificar a crueza de frases como “Isso não significa transar”, quando se tratava, ainda segundo o processo e seus próprios diálogos, de impor um pênis na boca de uma mulher “completamente bêbada", "que não sabe nem o que aconteceu”. “Estou rindo porque não estou nem aí”, disse ele. O caso: uma mulher de 23 anos que foi à Justiça acusar ele e os amigos por violação grupal. "Eram cinco em cima dela”, Robinho se recorda.
As frases provocam o ultraje de quem flagra o escárnio pelo buraco da fechadura, na imagem de Diniz. Mas o quadro fica ainda mais revelador quando elas se juntam a outras ditas por Robinho aos microfones do UOL: “Meu crime foi trair minha esposa" ou “não chegou a ter nenhuma relação sexual, nenhuma penetração, nada disso” ―o código penal brasileiro é bem explícito para dizer que a tipificação de estupro, por exemplo, não depende de penetração forçada. E o arremate: "Infelizmente, existe esse movimento feminista. Muitas mulheres às vezes não são nem mulheres, para falar o português claro...”.
Felizmente, Robinho, felizmente, existe Débora Diniz e outras tantas, com ela e antes dela, que ajudaram a dar musculatura a um movimento que apontam um canhão desnaturalizador sobre a gramática de sempre. Às vésperas do novo julgamento na Justiça italiana, o jogador tentou voltar ao Brasil nos braços do seu povo, a torcida do Santos. Por dias, o técnico e alguns de seus colegas de profissão diziam, com outras palavras, o mesmo que ele disse ao UOL: basta destas enchedoras de saco, “lacradoras de Internet”, que não riem de nada, que calem a boca e busquem a cerveja, que o jogo vai começar. Já Robinho tentou como pode usar a polarização política a seu favor. Primeiro, sua defesa disse que ele merece a presunção de inocência, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois, deixou vazar um áudio na qual se diz perseguido pela Globo, “como Bolsonaro”. De quebra, também citou Deus, se apresentou como “cristão pai de família.”
Felizmente, nada disso foi suficiente. Mesmo antes das revelações do Globo Esporte, os patrocinadores começaram a abandonar o barco da contratação de Robinho. O jogador terá que ajustar seu português. No ano difícil de 2020, é preciso comemorar que o movimento feminista se fez ouvir onde dói, no bolso do Santos. Quando uma vitória acontece no campo do adversário, o futebol que alimenta a cultura do estupro, vale ainda mais.