Por que precisamos de mais negros e negras na política?
Embora representem mais da metade da população brasileira, pretos e pardos ocupam apenas um décimo das cadeiras no parlamento nacional
O TSE decidiu na semana passada impor regras mais equânimes na distribuição de recursos de campanha para candidaturas pretas e pardas. A ausência de negros na política brasileira é um fato perceptível e isso reflete em grande medida o acesso a recursos de campanha como dinheiro e tempo de televisão. Mas para além do resultado dessa deliberação, fica a questão: por que o Brasil precisa de mais negros e negras na política?
Pretos e pardos somam metade da população nacional, mais precisamente 56,1% segundo dados do IBGE, mas ocupam cerca de um décimo do parlamento. Esta desigualdade cresce ainda mais quando observamos os cargos ocupados via eleições majoritárias como prefeituras, governos estaduais e senado. Portanto, parece uma injustiça flagrante que metade da população esteja alijada da política formal. Mas a questão está longe de ser simples assim.
O princípio básico das democracias representativas é que a composição da política reflete a escolha dos eleitores. Estes são vistos como os melhores juízes de seus interesses e ideologias e, portanto, as características da representação política refletiriam a vontade popular manifestada nas urnas. Ademais, não é forçoso que a inclusão de negros na política leve ao fortalecimento de uma pauta antirracismo, já que nem todo negro está necessariamente comprometido com essa bandeira.
Ainda assim, existem boas razões para defender medidas que incremente a participação de pretos e pardos nas esferas decisórias estatais. Primeiro, porque a composição da representação política não reflete apenas as preferências dos eleitores, mas também as restrições presentes na oferta de candidatos e candidatas por parte dos partidos políticos. Tradicionalmente, negros têm menos acesso a partidos grandes e fortes no Brasil, o que reduz suas chances eleitorais. Ademais, eles têm menor acesso a recursos de campanha e tempo de televisão, sendo menos conhecidos pelos eleitores. Tudo isso, coloca as candidaturas negras em condições desiguais na competição eleitoral, reduzindo a liberdade de escolha dos eleitores.
Pode-se também argumentar que a inclusão de negros na política não levará necessariamente ao avanço dos interesses e opiniões antirracistas dessa população. Não é forçoso que políticas mulheres, por exemplo, defendam a descriminalização do aborto. Do mesmo modo, nem todo político negro defenderá políticas de ação afirmativa racial. Contudo, a política não pode ser reduzida a um espaço de embate entre interesses e opiniões. Muitas problemáticas que penetram o parlamento suscitam questões novas sobre as quais eleitores e eleitos não têm visões consolidadas.
Uma discussão das leis sobre aborto será necessariamente limitada se só contar com as perspectivas de homens sobre a temática. Do mesmo modo, um debate sobre a expansão das ações afirmativas raciais que envolva apenas brancos terá limites patentes. Daí a importância de se considerar as perspectivas e o conhecimento vivido pelos setores das populações mais atingidas, positiva ou negativamente, pela ação estatal, a saber: mulheres, negros e mulheres negras.
*Luiz Augusto Campos é professor de Sociologia e Ciência Política no IESP-UERJ, Doutor em Sociologia pelo mesmo instituto e vice-coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa – GEMAA.
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