Está nas mãos do TSE promover eleições antirracistas
Consulta sobre a distribuição proporcional de recursos e do tempo de propaganda eleitoral para candidatos negros está com Alexandre de Moraes. É dever da justiça eleitoral promover mecanismos que fomentem a participação democrática de negros e negras na política

Há anos, grupos da sociedade civil organizada vem imprimindo esforços na promoção de debates e disputas de uma política institucional que tenha mais a cara da população brasileira, majoritariamente formada por mulheres e população negra. Ainda assim, o racismo estrutural e os desafios postos há mais de 500 anos requerem um esforço e compromisso maior por parte das instâncias competentes, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Congresso Nacional.
Em junho, o Tribunal Superior Eleitoral colocou em pauta a discussão, e posteriormente em votação, a consulta que trata sobre a distribuição proporcional do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do tempo de propaganda eleitoral para candidatos negros. O processo teve votos favoráveis dos ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. No entanto, o Ministro Alexandre de Morais pediu vistas ao processo e ainda não disponibilizou seu voto para retomar o julgamento.
Com a iminência do retorno da votação, nós, integrantes de entidades do movimento negro e da sociedade civil organizada nos preocupamos que a decisão do TSE não possa valer para as eleições municipais deste ano, marcada para ocorrer em 15 e 29 de novembro. A corrida contra o tempo ganha destaque no cenário de incerteza gerado pelo pedido de vistas feito pelo ministro Alexandre de Moraes. Essa prática, já conhecida de parlamentares e da sociedade civil que tenta incidir no cenário das eleições, é comum pelo TSE, onde uma discussão é retirada de pauta e, depois, simplesmente deixa de ser discutida, com alegação da proximidade das eleições. Foi o que aconteceu em 2018 e o que agora tememos que aconteça novamente. Não podemos mais esperar.
Por isso, nós, do Instituto Marielle Franco, junto a Educafro, o Movimento Mulheres Negras Decidem e a Coalizão Negra Por Direitos protocolamos na quinta-feira de 8 de agosto uma manifestação e pedido de audiência [realizada em 12 de agosto] com o ministro Alexandre de Moraes, no processo que discute essas pautas tão essenciais para promoção de mecanismos verdadeiramente democráticos na realidade brasileira. Durante a audiência, histórica em termos de incidência do movimento negro no sistema eleitoral do país, o ministro Alexandre afirmou a vontade devolver a consulta ainda neste mês ao tribunal, cabendo ao presidente da casa, o ministro Barroso, a oportunidade de colocar novamente a questão em votação.
A pandemia de covid-19 nos impõe a difícil tarefa de não apenas conseguir realizar as eleições nos dias 15 e 29 de novembro de 2020, conforme estabelecido em julho desse ano pelo tribunal e aprovado pelo Congresso Nacional, mas também de garantir que as novas candidaturas tenham apoio para que, mesmo em meio a uma pandemia, consigam realizar suas campanhas. A eleição de Marielle Franco, em 2016, como a quinta vereadora mais votada da cidade do Rio de Janeiro, virou símbolo da ocupação da política por parte de mulheres negras, populações periféricas e faveladas, e LGBTQIA+, mas o caminho para promoção de uma maior participação negra na esfera política ainda é longo.
Desta forma, o TSE tem uma oportunidade histórica nas mãos. É dever da justiça eleitoral promover mecanismos que fomentem a participação democrática de negros e negras na política, e por isso a votação favorável desta pauta é essencial para que possamos produzir ainda neste ano eleições antirracistas. A aprovação desta consulta pelos ministros irá fomentar ativamente o combate às lógicas excludentes estruturadas no sistema político brasileiro, mostrando que o TSE tem um compromisso real com a luta política antirracista no país.
Anielle Franco é diretora Executiva do Instituto Marielle Franco.