São Paulo muda de novo divulgação de mortes da covid-19, mas dúvidas de especialistas permanecem
Vereadores do PT protocolam representação junto ao Ministério Público Estadual questionando clareza nos dados após reportagem do EL PAÍS apontar alteração
A Prefeitura de São Paulo voltou parcialmente atrás na decisão de mudar a maneira como vinha divulgando os números de óbitos em decorrência do coronavírus na cidade. Uma semana após reportagem do EL PAÍS mostrar que os boletins diários de atualização haviam sido alterados, e que, de um dia para o outro, os óbitos passaram a ser contabilizados por data de ocorrência e não mais de notificação, os informes mudaram novamente. Agora, trazem os dois dados: óbitos por data de ocorrência e de notificação, além da variação de um dia para o outro nos dois casos.
A mudança no boletim diário elaborado pela Secretaria Municipal da Saúde também incluiu agora um gráfico que contempla a média móvel do número de óbitos dos últimos 14 dias. Na reportagem do EL PAÍS, publicada em 23 de julho, esse era um dos principais apontamentos de especialistas para criticar a mudança na maneira de divulgação dos números: informando o número de mortes de maneira retroativa, ficava difícil calcular a média móvel da última semana, já que diariamente os registros eram alterados. A média móvel é um recurso estatístico que os especialistas consideram capaz de dar um retrato mais preciso sobre a intensidade da pandemia: soma-se os resultados dos últimos sete dias e divide-se por sete, e assim se atenua as diferenças de notificação de novas mortes, que costumam cair nos finais de semana.
As mudanças feitas agora, no entanto, ainda não deixam todas as informações claras. Os pesquisadores Marilaine Colnago e Wallace Casaca, do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI) da Universidade de São Paulo (USP), avaliam que, pelo contrário, a informação ficou ainda mais instável. “Por um lado, a boletim agora parece mais completo, já que contempla as duas metodologias. Porém, da maneira como foi apresentado, parece que o boletim foi feito exclusivamente para fechar as lacunas técnicas apontadas pela imprensa e não para informar de forma clara a população paulistana”, afirmam. “Outro ponto é que todos os dias os dados e a curva mudam completamente. Não se tem mais solidez no dado, o que dificulta fazer predições e checar quando houve ou se haverá ainda novos picos”.
Um terceiro ponto levantado pelos pesquisadores e que parece ter ficado mais inconsistente é o de óbitos em investigação. Até esta sexta-feira, das 15.535 mortes totais, 9.752 são confirmadas por coronavírus e 5.783 suspeitas. Os óbitos em investigação, que seguem numa crescente, também têm sido alterados retroativamente agora. “Por conta do gigantesco número de óbitos em investigação, que hoje totaliza em torno de 50% do número de óbitos confirmados, não dá para ter uma ideia concreta da curva de óbitos de São Paulo”, apontam os pesquisadores. “Ao acompanhar a série histórica desse dado ao longo dos meses, nota-se que ele parece não sofrer reduções significativas”. Procuradas, nem a Secretaria da Saúde e nem a Prefeitura de São Paulo responderam aos questionamentos até o fechamento desta reportagem.
Denúncia no MP
A falta de clareza na divulgação dos números referentes à pandemia foi alvo de uma representação junto ao Ministério Público de São Paulo (MPSP). Vereadores da bancada do PT na Câmara Municipal protocolaram nesta semana um pedido de abertura de inquérito para apurar a transparência dos dados veiculados pela gestão de Bruno Covas (PSDB). No documento, é questionada a divergência de dados divulgados pela Prefeitura e pelo Governo do Estado, que são diferentes todos os dias.
No boletim da Prefeitura desta sexta-feira, por exemplo, o município contabilizava 225.587 casos confirmados e 9.649 óbitos notificados. Mas logo abaixo, na tabela relacionada somente aos óbitos, eram 9.752 mortes confirmadas, conforme mostram as imagens abaixo.
Mas um terceiro número é também divulgado diariamente pela plataforma do Governo do Estado de São Paulo. E ali, nesta mesma sexta-feira 31, a capital paulista tinha 197.560 casos confirmados e 9.549 óbitos notificados.
A representação junto ao MPSP, que ainda não havia sido encaminhada a nenhum promotor até o fechamento desta reportagem, questiona também o por quê de cidade não ter retrocedido no plano de reabertura da economia, diante dos números expostos. Isso porque, ainda de acordo com o requerimento, a média móvel, tanto dos casos quanto dos óbitos na cidade, aumentou na primeira quinzena de julho.
Atualmente, o município de São Paulo está na terceira de cinco fases da retomada gradual de setores da economia planejada pelo Governo do Estado. O chamado Plano São Paulo prevê que o Estado, dividido em regiões, pode avançar na abertura de bares restaurantes, academias, lojas e demais setores, desde que obedeça a critérios como queda no número de casos e óbitos e percentual de ocupação dos leitos de UTI.
Se houver aumento de casos ou da ocupação dos hospitais, uma região pode retroceder a fases anteriores, como o que já ocorreu com Campinas e Sorocaba, por exemplo. Nesta sexta-feira, a região de Registro, no sul do Estado, voltou da terceira para a primeira fase, podendo manter em funcionamento somente serviços essenciais, como supermercados e farmácias. O documento protocolado junto à procuradoria aponta que a capital também deveria ter retrocedido, algo que até o momento não ocorreu.
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