“JBS é o mais problemático dos frigoríficos brasileiros”, diz diretor de banco que retirou investimento de 240 milhões de reais
“Há os escândalos de corrupção, o problema do desmatamento, agora também toda esta questão envolvendo o coronavírus nos frigoríficos”, destaca o chefe de investimentos responsáveis do Nordea
A JBS é a mais problemática entre as indústrias de carne brasileiras, e não estava aberta ao diálogo. Foram estes os motivos que levaram o Nordea, o maior banco do norte da Europa, que administra 555 bilhões de euros em ações, a deixar de investir no maior frigorífico brasileiro. A revelação foi feita em entrevista exclusiva ao ((o)) eco pelo chefe de investimentos responsáveis do Nordea, Eric Pedersen. “Há os escândalos de corrupção, o problema do desmatamento, agora também toda esta questão envolvendo o coronavírus nos frigoríficos”, destaca.
Segundo Pedersen, o Nordea era dono de cerca de 240 milhões reias em ações da empresa brasileira. O executivo confirmou que o banco mantém capital aplicado na Marfrig, mas não soube informar sobre investimentos na Minerva ―relatório da Global Witness mostra que o Nordea tinha 5,97 milhões de dólares aplicados na empresa. Juntos, os três frigoríficos representam 42% dos abates feitos na Amazônia Legal, segundo dados do Imazon.
A decisão do Nordea é anunciada no momento em que JBS, Marfrig e Minerva enfrentam cobranças e questionamentos pelo alto risco de desmatamento a que suas operações estão expostas. Desde o ano passado, gestores de fundos internacionais vêm alertando empresas e governo que as derrubadas na Amazônia comprometem seus investimentos no Brasil ―uma das cartas publicadas endereçava-se especificamente ao setor da carne bovina. Este ano, cobraram resposta aos novos recordes de desmatamento na Amazônia e se encontraram com o vice-presidente Hamilton Mourão depois que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que era preciso aproveitar a pandemia para passar a boiada na área ambiental.
A imagem da JBS ficou ainda mais manchada depois que a Anistia Internacional mostrou que a empresa tinha comprado gado oriundo de Unidades de Conservação e de uma Terra Indígena em Rondônia. Também não ajudou nada o fato de Marfrig e Minerva terem confirmado a contratação de sistemas de monitoramento para garantir a origem legal de seus fornecedores indiretos, enquanto a JBS permaneceu em silêncio. Este é o principal gargalo ambiental da cadeia da carne, que faz com que nenhuma empresa que atue na Amazônia possa dizer-se livre de desmatamento ―como afirmou o próprio Ministério Público Federal.
Está não é a primeira vez que o Nordea toma uma decisão contundente em relação ao desmatamento no Brasil. Em agosto do ano passado, no auge das queimadas da Amazônia, o banco decidiu que não iria mais comprar os títulos soberanos do País. Segundo Pedersen, a decisão teve a ver com riscos de curto prazo ―como a possibilidade de o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia ir por água abaixo por causa do desmatamento― e de longo prazo, com a falta de sustentabilidade do caminho econômico escolhido pelo país.
Assim como CEO da Storebrand Asset Management disse ao ((o))eco, Pedersen afirma que as conversas com o governo brasileiro são um bom primeiro passo, mas que é preciso ver resultados práticos. E que o novo aumento do desmatamento em junho não foi um sinal nada positivo.
Consultada pela reportagem, a JBS informou que “não comenta decisões de investidores, mas lamenta não ter sido recentemente procurada pelo referido fundo para que pudesse apresentar de forma direta todas as suas ações e medidas comprovando seu total compromisso com a transparência das suas relações e com a sustentabilidade das suas operações” (confira a íntegra da resposta aqui).
Pergunta. Por que a Nordea deixou de investir na JBS?
Resposta. A JBS era de longe o mais problemático [dos frigoríficos brasileiros] por diversas razões, tem desafios em várias dimensões ASG [ambiental, social e de governança]. Há os escândalos de corrupção e a concentração de poder de alguns de seus proprietários no Conselho [de administração]. Vocês também devem estar cientes dos escândalos nos Estados Unidos envolvendo a JBS. Tem ainda o problema do desmatamento, a compra gado de fornecedores sobre os quais você não necessariamente tem controle. Pode ser que a pessoa de quem você compra esteja ok, mas se ela compra de outro fornecedor, você realmente não sabe [se o indireto era irregular]. Finalmente tem toda essa questão envolvendo o coronavírus, questões de segurança e saúde nas plantas dos frigoríficos. O que também foi importante é que tentamos ter um diálogo com as várias companhias, e com a JBS foi difícil porque não houve muito entusiasmo da parte deles. Então decidimos vendê-la.
P. Houve conversas com as outras empresas?
R. A gente se engajou em conversas com todas as três companhias [JBS, Marfrig e Minerva]. Eu fiquei muito encorajado com o plano que a Marfrig apresentou, parece que tomaram um novo caminho e que querem fazer algo a respeito do rastreamento da cadeia de fornecimento, para garantir que a carne não venha de áreas desmatadas. Eles também assinaram a carta enviada ao governo pela comunidade empresarial brasileira, isso foi muito encorajador. Então você tem a Marfrig movendo-se para a frente, de um lado, e do outro lado você tem a JBS. E a Minerva no meio disso, mas sobre essa empresa eu não tenho certeza, não estou atualizado sobre como está o diálogo com eles.
P. Marfrig e Minerva anunciaram recentemente adesão ao monitoramento indireto, mas tinham se comprometido com isso em 2009, quando assinaram um compromisso público com o Greenpeace e o TAC da Carne. Por que estas empresas demoraram tanto para fazer isso?
R. Eu não sei. Ainda não olhei em detalhes o plano que tinham antes, mas é positivo que tenham dado este passo. O que eu posso dizer é o que temos visto ao longo dos últimos 18 meses, e que se tornou ainda mais forte com esta situação do coronavírus. Talvez algumas pessoas não esperavam que os investidores estivessem levando estas questões muito, muito a sério.
P. Questões ambientais se tornaram mais relevantes agora para o mercado financeiro?
R. Nós temos focado em ASG por muitos anos e fomos um dos primeiros signatários do PRI [Princípios para o Investimento Sustentável], em 2007. Esse interesse em ASG em sustentabilidade está se acelerando entre os administradores de ativos de todo o mundo, e especialmente na União Europeia porque o comitê europeu veio com novas regras que forçam as maiores administradoras a olhar para estas questões. As empresas sobre as quais falamos aqui, e outras empresas com este tipo de desafio, vão ver que os investidores estão falando sério sobre isso e terão que mudar.
P. Por que o Nordea decidiu deixar de investir nos títulos soberanos do Brasil em agosto do ano passado?
R. Foi uma decisão de investimento baseada no cenário de risco para os títulos soberanos. Podemos dizer que o evento desencadeador foi a intensa estação de queimadas do ano passado e as tensões entre a União Europeia (UE) e o Brasil. O tratado entre o Mercosul e a União Europeia estava ameaçado e poderia não ser aprovado, porque alguns países têm reservas e todos têm que aprovar. Ao mesmo tempo, tem uma questão de até que ponto uma economia como a do Brasil, baseada no capital natural, pode ser sustentável no longo prazo, financeiramente sustentável, se você não garante que o capital natural possa se regenerar.
P. Como esse fator se relaciona com os títulos soberanos?
R. Se você exporta o capital natural de forma não sustentável, e o desmatamento é parte disso, você não terá condições de manter o nível da produção agrícola, seja de carne, soja ou qualquer outra commodity agrícola. E quando você investe em títulos soberanos é para isso que você olha, para como a economia vai se desenvolver ao longo do tempo.
P. Em agosto do ano passado o Nordea comunicou que ia colocar os títulos soberanos do Brasil em quarentena, para observar se haveria mudanças por parte do governo. Quase um ano depois, mantém a mesma posição?
R. Mantemos. Agora começamos um diálogo, ao lado de outros investidores, com o Governo Federal e a Câmara dos Deputados e teremos que ver onde isso vai levar. Por hora a linha do telefone está aberta, mas também precisamos ver alguns resultados, e é um pouco preocupante ver que as taxas de desmatamento estão aumentando de novo. É claro que não é isso que estávamos esperando. Uma coisa é sobre o que você conversa, e você pode ter uma conversa educada, é claro. Mas as decisões de investimento têm que ser feitas com base nos fatos que você vê no chão e não em afirmações de uma parte ou outra.
P. A substituição do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, gravado sugerindo que o governo aproveitasse a pandemia para passar a boiada na área ambiental, seria importante para recuperar a credibilidade do Brasil na área ambiental?
R. Isso não cabe a mim dizer, porque não cabe a mim dizer a ninguém no Brasil o que deveria acontecer na arena política. Mas eu acho que pelo menos estas afirmações que você citou não ajudaram.
P. Dois terços dos fundos de investimento do Nordea são ASG?
R. Dois terços são extra-ASG, digamos assim. Porque produtores de carvão, por exemplo, nós não temos em nenhum fundo. Empresas com alegações de direitos humanos ou que por algum outro motivo sejam muito problemáticas a gente não vai ter em nenhum fundo: por isso nós não temos a JBS em nenhum fundo. Mas em torno de 30% são produtos focados em extra-ASG.
P. A tendência para os próximos anos é que todo o fundo seja ASG?
R. A tendência é que se torne mais mainstream e a régua dos fundos convencionais está subindo o tempo todo. Nós não temos nenhuma empresa de carvão agora, talvez dentro de cinco anos a gente não tenha nenhuma produtora de petróleo também, a não ser que ela apresente um plano factível de conformidade com o Acordo de Paris. Outra coisa que temos feito no Nordea cada vez mais é pegar os fundos comuns e transformá-los em fundos ASG. Se você me perguntasse há um ano, talvez 20% dos fundos fossem especialmente carimbados como ASG. Agora são 30%, e esta proporção deve subir ao longo do tempo. Porque novos clientes estão procurando mais estes produtos do que os produtos antigos.
P. O Brasil poderia ser uma potência econômica se soubesse aproveitar seu potencial ecológico?
R. Com certeza. Há um estudo da London School of Economics que fala exatamente disso. Se você quer ser muito categórico, pode dizer que há dois caminhos a seguir. Há o caminho pelo qual você simplesmente continua derrubando a floresta, liberando mais terra para plantar mais soja e criar mais gado. Ou você pode ir pelo outro caminho, pelo qual você começa a se importar e a garantir que os recursos vão se regenerar. No meu ponto de vista, isso vai ser muito mais rentável no longo prazo e, portanto, um caminho muito mais sustentável para um país como o Brasil.
Reportagem originalmente publicada no site ((o))eco em 28 de julho de 2020.
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