Abraços virtuais para quebrar a solidão dos ‘covidários’
ONG conecta pacientes isolados em hospitais com parentes e amigos como forma de humanizar o ambiente hospitalar
Alívio. Uma felicidade imensa. É assim que pacientes de covid-19 e convalescentes de outras doenças, isolados nos hospitais por conta da pandemia, descrevem a sensação de poder falar com familiares e amigos através de ligações por vídeo e, assim, aliviar a solidão durante o tratamento. Em São Paulo, a ONG ImageMágica, que há 25 anos trabalha em ambientes hospitalares, criou o projeto Conexões do Cuidar, por meio do qual voluntários usam celulares devidamente esterilizados para conectar enfermos e entes queridos.
“Foi um alívio ver minha família, saber que todos estavam bem, que ninguém estava contaminado”, conta o motorista autônomo José Beraldo, de 56 anos. Ele foi o primeiro paciente com um quadro grave de infecção pelo novo coronavírus a sair com vida do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Graças ao projeto, ele, que passou 21 dias na UTI (15 deles entubado), pode falar com as filhas e a namorada. “Isso tirou um peso das minhas costas, porque parecia que minha família e meus amigos tinham me abandonado", acrescenta. Por questões de segurança, alguns centros de referência no combate à covid-19 enviam os boletins médicos dos pacientes para seus familiares por mensagens no celular.
José diz, com convicção, que, apesar de nunca ter sido preso, a experiência com a doença foi pior do que prisão. “A gente fica sem ter notícia daqui de fora e as pessoas também têm pouca informação dos doentes, só têm o prontuário. É um desespero violento”, relata. Ele desconfia que pegou o coronavírus ao acompanhar a mãe, que estava com dengue, em uma clínica. “Nunca tive nenhum problema de saúde. Eu senti uma dorzinha de garganta e muita dor nas costas, só procurei o posto de saúde por insistência da família”, conta. O trajeto do carro até a porta do posto foi o suficiente para que ele ficasse ofegante. Quando fizeram a radiografia do tórax, decidiram encaminhá-lo diretamente para o Hospital das Clínicas. “Só lembro de ouvir o enfermeiro comentar baixinho: 'Nossa, esse aqui está feio”, diz José.
No HC de Ribeirão Preto, todos os pacientes internados ficam isolados, independentemente de seus casos terem a ver com o novo coronavírus ou não. Rodrigo de Souza, funcionário público de 43 anos e diabético, passou 22 dias lá porque, ao sofrer uma hipoglicemia, caiu da escada em casa e bateu a cabeça. Ficou em coma induzido por duas semanas e, quando acordou, pode contar com os voluntários para rever a família. “Foi uma alegria imensa, eu estava com muita saudade da minha esposa e dos meus filhos. Foi um dos dias mais felizes da minha vida!”, conta ele, que recebeu “duas ou três” videochamadas da família.
Rodrigo diz que o projeto humaniza a experiência hospitalar. “Os enfermeiros e médicos, coitados, ficam na correria e não têm tempo de fazer isso. Mas é uma coisa que deveria formar parte do processo de atenção médica, de cuidado da saúde, porque é um tratamento psicológico para o convalescente”.
O fotógrafo André François, fundador da ImageMágica, realiza há 14 anos um trabalho documental em hospitais. Ele pensou em fazer o projeto depois que equipes médicas relataram que a coisa mais triste que tinham visto nos covidários era o paciente morrer isolado, sem se despedir de seus entes queridos. Além das videochamadas com amigos e familiares, a iniciativa também aproxima os pacientes com os profissionais de saúde que cuidam deles. “Esses trabalhadores usam todo o aparato de proteção, então, muitas vezes, o paciente nem vê os rostos deles, não sabe se é doutor João ou doutora Maria. Por isso, criamos um crachá grande, personalizado, com o nome, uma foto sorrindo e uma frase de afeto escolhida por cada médico e enfermeiro”, conta François. Segundo ele, além de ajudar os convalescentes, a iniciativa simples ajuda a devolver um sentido de identidade para os profissionais de saúde, que deixam de ser apenas um par de olhos atrás de uns óculos e uma máscara.
O projeto Conexões do Cuidar conta com 26 voluntários —todos devidamente treinados e protegidos—, que recebem acompanhamento médico e psicológico. A solidariedade, por mais compensatória, também tem momentos duros. “No segundo dia do projeto, ainda em fase piloto, uma paciente que conectamos para falar com a irmã e o filho faleceu”, lamenta François. Agora, a equipe do ImageMágica treina 20 voluntários médicos e enfermeiros do Hospital das Clínicas de São Paulo que querem dedicar parte de seu tempo a servir de ponte entre doentes e seus entes queridos. “Um dos momentos mais gratificantes foi quando um paciente conseguiu falar, ao mesmo tempo, com 24 parentes e amigos”, lembra o fundador da ONG. É a força do afeto e da empatia em meio ao caos e o medo.
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