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Collor de Mello: “Sou contrário a um impeachment de Bolsonaro, um processo vulgarizado no Brasil”

Senador admite que o presidente não exerce a política como deveria e que seus métodos radicais beiram ao fascismo, mas se coloca contra uma terceira destituição presidencial desde o fim da ditadura

O senador Fernando Collor de Mello (PTC-AL), ex-presidente do Brasil entre 1990 e 1992, ganhou um fôlego novo nestes tempos de pandemia. Aproveitou a quarentena para interagir mais nas redes sociais, acessadas antes esporadicamente, e tem se surpreendido com o retorno. “Em um dia ganhei 8.000 seguidores”, contou surpreso na entrevista ao vivo para o EL PAÍS no dia 22 de maio. Hoje tem quase 60.000. “Fui o presidente da redemocratização do #Brasil, eleito em 1989 pelo voto do povo, e estou cumprindo o 2º mandato de senador por #Alagoas”, apresenta-se ele no Twitter.

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Supporters of Brazil's President Jair Bolsonaro wear face masks amid the new coronavirus pandemic decorated with his image during the president's departure from his official residence, Alvorada palace, Brasilia, Brazil, Monday, May 25, 2020. (AP Photo/Eraldo Peres)
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Allan dos Santos, journalist and supporter of Brazil's President Jair Bolsonaro is seen after the Federal Police Agents leave his home during a fake news investigation, amid the coronavirus disease (COVID-19) outbreak, in Brasilia, Brazil, May 27, 2020. REUTERS/Adriano Machado
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O ex-presidente, primeiro civil a assumir o cargo pós ditadura (196401985), e também o primeiro a encarar um impeachment com a democracia restaurada, volta-se agora a um público mais jovem para reescrever sua história sem intermediários. Fez no Twitter um pedido público de desculpas pelo confisco da poupança em seu primeiro ano de Governo. “Pessoal, entendo que é chegado o momento de falar aqui, com ainda mais clareza, de um assunto delicado e importante: o bloqueio dos ativos no começo do meu governo. Quando assumi o governo, o país enfrentava imensa desorganização econômica, por causa da hiperinflação: 80% ao mês!”, contou ele. Seguiram-se uma sequência de tuítes ―e seguidores. Nesta sexta, já se mostrava mais à vontade para falar de assuntos aleatórios. “Alguém me perguntou se tomate é legume ou vegetal. Nem uma coisa nem outra: é fruta!”

Collor ganhou o noticiário com seu pedido de perdão virtual sobre os tempos em que implementou o plano Collor contra a inflação. Mas na entrevista ao EL PAÍS, lembrou que não era a primeira vez que pedia desculpas. “Sempre me penitenciava pelo efeito que isso causou nas pessoas pelo confisco da poupança, mas era o único instrumento que tínhamos na época para acabar com a hiperinflação”.

Observador privilegiado da política brasileira, Collor tem uma opinião clara sobre o Governo do presidente Jair Bolsonaro. Alerta para o fato de liderar um governo com métodos que beiram o fascismo. Mas se diz contra o impeachment dele. “Não tenho nenhum desejo de ver o circo pegar fogo. Tenho desejo de evitar uma comoção neste país”, diz ele, que se coloca contra um eventual terceiro impeachment seguido desde a redemocratização em 1985. “Quando falo de impeachment, sou contrário. Esse processo foi vulgarizado, pelo que ocorreu comigo e com a presidente Dilma”, diz ele. Apesar de sua posição, Collor votou a favor do impeachment da ex-presidenta em 12 de maio de 2016.

Em tempos de radicalismo do presidente Jair Bolsonaro, o Governo de Fernando Collor ganha até outra leitura. Collor governou com apoio das forças conservadoras, mas teve como aliado um ícone da esquerda, Leonel Brizola, então governador do Rio de Janeiro, que ficou ao seu lado até o fim. Collor abraçou, à época, um projeto de educação em tempo integral pensado pelo antropólogo e indigenista Darcy Ribeiro, que Brizola já havia adotado no Rio nos anos 80, os chamados CIEPS. O modelo seria base para os Centros de Atenção Integral às Crianças. Foram os CIEPs que inspiraram por exemplo os Centro de Educação Unificados (CEUS), que se tornaram marca registrada das gestões do PT. “Meu discurso era de centro-esquerda”, avalia hoje.

Mas Collor e o PT eram inimigos viscerais na eleição, e já protagonizavam uma polarização que o Brasil veria exaustivamente nas últimas três décadas. Collor falava da “foice e martelo do PT”, o mesmo estigma que persegue o Partido dos Trabalhadores hoje, tratado como comunista pelos adversários. Mas o jovem presidente, então com 40 anos, ex-governador de Alagoas, ganhou o apoio geral do Brasil em 1989 com o slogan “caçador de marajás”. Assumiu o país com hiperinflação em março de 1990 e pôs em curso o Plano Collor, que visava reter ativos financeiros para enxugar liquidez de mercado, e confiscou a caderneta de poupança, liberando até 50.000 cruzados novos, pouco mais de 8.000 reais a valores atuais.

O plano foi, além de impopular, ineficiente, e a inflação voltou no mesmo ano com força. Vieram então as denúncias de corrupção que assolaram seu Governo e ele acabou entrando para a história com o impeachment de 1992. Passados 28 anos desde então, ele diz sobre a realidade com Bolsonaro: “Esse filme eu já vi, e não gostei do resultado”.

Métodos fascistas de Bolsonaro

O método que ele vem utilizando, que conduz a um processo de radicalização absoluta pela direita, [está] beirando, banhando, o fascismo. São medidas e a forma de se expressar extremamente perigosas. Se confunde com linguajar e métodos de fascismo. Eu quero acreditar que ele não esta fazendo isso de modo objetivo. Participação de aglomerações pedindo fechamento de Congresso e do STF, instalação de regime de exceção. Tudo isso é um método fascista, não tem outro nome. Inverter a ordem constituída, passando por cima da Constituição, que em algum momento, de forma equivocada, ele disse que ele mesmo era a Constituição.

De Collor a Bolsonaro, democracia frágil, onde o Brasil se perdeu

Chegamos a este ponto dentro das regras democráticas. Ele é fruto de um processo democrático que o conduziu pelo voto popular a presidência da República. A bem da verdade, tudo que vem fazendo, é congruente com o que dizia na campanha. Tudo baseado na raiva, no ressentimento, inspirando o medo, e dividindo a sociedade brasileira, que ainda hoje está mais dividida. O presidente precisa reunificar as partes, para se ter uma nação que entenda o que esta sendo feito, e se sinta incluída no projeto do governo. Ele não apresentou um projeto de economia. ‘Eu vou chamar um economista que vai resolver’. Saúde, ‘vou chamar um médico que vai resolver’. Não temos nada que nos remeta para o plano que ele apresentou durante a campanha. Mesmo assim, a população entendeu que ele era o melhor candidato. Sua grande chave foi ter interagido com as redes sociais. Ele foi extremamente competente, uns dizem que usando métodos poucos ortodoxos — o que não se consegue provar — mas de maneira eficiente, o que o levou a vitória. Ele é um produto da democracia brasileira. Se esse produto nasceu com algum defeito o remédio está na própria democracia. Instrumentos hoje utilizados no Supremo, o Congresso aguardando palavra do Supremo – onde começou o inquérito [sobre interferência na PF, e agora, das fake news].

Pedidos de impeachment no Congresso

Acho que Rodrigo Maia age com muita sabedoria e muita tranquilidade, com muito cuidado neste momento delicado que atravessamos, em conformidade no momento se deseja. Se Rodrigo pegasse um dos 30 pedidos par colocar deliberação na Câmara seria uma convulsão política e social enorme e não queremos. Acho que o que faz está correto, para esperar decisão do Supremo para saber se está dentro das normas constitucionais. E partir da decisão do Supremo caberá a classe política, e a Câmara dos Deputados, ver que medida vai adotar, dentro dos pedidos de afastamento, poderá ser colocada a deliberação. A questão do Supremo é que o STF não toma atitudes de per si. Ele dá uma decisão motivado, quando provocado por algum ente público. Temos de esperar o Supremo. Com base no que a PGR oferecer ao Supremo depois, para saber se há indícios suficientes para ter denúncia contra o presidente da República [no inquérito sobre interferência na Polícia Federal, como apontado pelo ex-ministro Sergio Moro]. Temos de aguardar.

“Esse filme eu já vi”

Tem pelo menos um ano que eu venho falando, pedindo que o presidente da República fizesse a construção da sua base de sustentação no Congresso Nacional. Eu disse, “esse filme eu já vi”. E não gostei do resultado. Eu passei por esse episódio em que não dei atenção a uma base parlamentar e redundou no meu afastamento, na discordância como agia e com a Câmara. Já venho falando há um ano. E o presidente da República, que veio com 52 deputados dele, que poderia ter aí o início da sua base parlamentar, faz o contrário. Acabou com seu partido e agora está sem.

Centrão

Centrão preenche [essa lacuna]. O início da conversa dele com partidos políticos é algo alvissareiro. E é necessário. Se isso estiver acontecendo como se noticia, entendimento entre ele e partidos a política, nada faz além de cumprir com sua obrigação constitucional. O presidente da República é o líder político da nação, e por isso tem de fazer política, pelas vias institucionais. Agora mesmo em Israel, depois de um ano, três eleições realizadas, não havia acordo entre os primeiros colocados. Agora, finalmente, depois de uma terceira eleição, dois contendores principais, se reúnem e dividem o governo, os ministérios. À luz do dia. Com mídia e agenda sendo divulgada. É o jogo democrático, do entendimento, do consenso, da aproximação das diferenças, e isso na política, se faz com maioria parlamentar.

Integraria este Governo?

[Riso] Eu, como ex-presidente, tendo passado pelo que passei, teria toda a satisfação de poder ajudar numa saída constitucional, organizada desse problema em que estamos inseridos. Não tenho nenhum desejo de ver o circo pegar fogo. Tenho desejo e a responsabilidade de trabalhar para evitar uma comoção neste país. Quando se fala de impeachment, eu sou contrário.O processo foi vulgarizado, pelo que ocorreu comigo e com a presidente Dilma. Impeachment é algo extremamente sério, forte, para ser usado em última instância, com todos os cuidados institucionais, não pode ser algo banalizado.

Por que votou a favor do impeachment de Dilma

A questão do meu voto a favor do afastamento dela é que eu percebi que com a presidenta Dilma não tinha nenhuma possibilidade de mudar seu modo de governar. Desde que Palocci era chefe da Casa Civil eu já vinha alertando. “ Estou preocupado com a situação da presidente Dilma, no Congresso situação não é boa”. Com os seguintes ministros eu falei a mesma coisas [Gleisi Hoffmann, Aloizio Mercadante]. A falta de solidez da base de sustentação do Congresso. Palocci me dizia que eu estava enganado. Ele me falava do apoio do Congresso aos projetos que ela enviava. Mas eu dizia a ele que isso não tinha nada a ver. Aprovar projetos do Governo tem muitas variáveis. Isso não queria dizer que ela tinha a solidariedade do Congresso. Eu, em duas oportunidades, falei com ela pessoalmente, e parecia ela achava que eu queria tirá-la presidência. Ao contrário, eu queria ajudá-la a não sair. Então meu voto foi em função da implicância dela de não ter contato com a realidade. Como Bolsonaro não está tendo. Espero que, em algum instante, em curtíssimo prazo, ele tenha essa percepção e pare de andar às cegas.

Fazer política com ‘inimigos da’ esquerda

Durante a campanha ou na manifestação, ele disse: “Não vou me entender com ninguém, não vou entrar entendimento com ninguém, não quero acordo”. É contrassenso absoluto, uma declaração antidemocrática. Não só por falar no meio daquelas faixas todas [alguns manifestantes tinham faixas contra o STF e Congresso], como é algo anti-democracia. Ele tem obrigação de fazer política pelos canais institucionais. Sem maioria parlamentar não se governa. Se não, cai. Não tem outra alternativa. O que ele precisa é explicar à população de modo geral porque ele muda radicalmente a posição dele. “Não me entendo com ninguém.” Ele tem de dizer, abertamente, que estava errado.

Simbiose das Forças Armadas com Bolsonaro

As Forças Armadas, e principalmente o Exército, não tinham conhecimento nenhum da manifestação [de Bolsonaro na frente do QG de Brasília]. Foram surpreendidos, não tenho nenhuma dúvida. Me guio muito pelas notas e vejo mais uma vez com uma nota, as Forças Armadas estão ao lado da Constituição e da defesa dos interesses soberanos do país. Qualquer ideia de um autogolpe, de ter um projeto – que eu não acredito — de ter um golpe dentro do governo dele, dele contar com militares, ele esta muito enganado.

Cloroquina com endosso dos militares

Militares tem o princípio da obediência e hierarquia. Acostumados à disciplina, como vão se insurgir contra o presidente? Na questão da hidroxicloroquina, o general [Eduardo Pazuello] que está como ministro interino, ele deve ter levado em consideração. Em pandemia, duas oportunidades, em menos de 30 dias, dois ministros defenestrados. Negar o pedido do presidente seria se tornar o terceiro ministro a sair. Não creio que o SUS vai adotar essa medida. Que passará a ser lei. Sob pena de estar em curso de crime de responsabilidade em função disso.

“Risco de comunismo” em 1989 e em 2020

Em 1989, foi a primeira eleição depois de 30 anos de jejum democrático. Naquela eleição éramos 22 candidatos. Hoje temos excesso de partidos, e naquela ocasião, tínhamos muito mais partidos logo após a promulgação Constituição de 1988. Foi um primeiro turno muito polarizado, com o então governador Leonel Brizola. Saio em primeiro lugar, e depois vou com presidente Lula no segundo turno. Me vi eu com discurso liberal e consciência social, e outro, socialista, do Lula. Eram programas antípodas. Não se conectavam em nada. Enquanto ele falava em Estado onipresente e mastodôntico que resolveria tudo, eu falava em Estado menor e mais eficiente, para atender as ações básicas que população precisa. Segurança, saúde, educação, infraestrutura, nesses temas.

“Meu discurso era de centro-esquerda”

O discurso dele [Lula] era de esquerda. O meu não era de direita era até de centro esquerda. Mas, para colocar no mínimo denominador comum, virou o “pessoal da esquerda”, que votou no Lula, e “pessoal da direita”, que voltou no Collor. Eu dizia, depois da minha eleição, que eu ia deixar a direita indignada e a esquerda, perplexa. Porque eu sabia que em algum momento meu plano econômico iria fazer o que eles também estavam imaginando fazer. E a direita porque eu ia fazer a abertura comercial, fim das reservas de mercado, de privilégios. Eu chamava nossos carros de carroças, com só quatro montadoras na época.

Pedido de desculpas por confisco da poupança no twitter

“Não é a primeira vez que eu apresentei um pedido de desculpas, meu pedido de perdão pelo sofrimento que a medida que eu adotei, que era fundamental para combater o processo hiperinflacionário, pelo sofrimento que essa medida trouxe a muitas famílias, muitas pessoas. Eu sofri muito com isso e continuo sofrendo. Esse pedido de desculpas, pedido de perdão, eu utilizei uma nova ferramenta, que é a rede social. Fiquei muito bem impressionado com o número de pessoas que correram no meu Twitter para tratar de vários assuntos, inclusive esse.

Arrependimento do Plano Collor

Não é nem questão de se arrepender, você entende? Ela era inevitável. As equipes econômicas que assessoravam os principais candidatos à presidência da República em 1989 tinham esse mesmo projeto econômico na cabeça. A questão da poupança, no início, não estava nos nossos planos. Em nossos planos estava fazermos os bloqueios do overnight, dos títulos ao portador e outras aplicações. Mas acontece que dias antes, uma semana antes da posse, a equipe econômica começou a notar uma movimentação muito grande desses ativos, dessas aplicações, do overnight para a conta corrente e para a poupança. Quando fomos tomar a decisão e fomos ver que os grandes especuladores estavam correndo para a poupança, tivemos o cuidado de ver o perfil do depositante da caderneta de poupança à época... 70% dos depositantes à época, tinham menos de 50.000 cruzados novos.

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